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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 23 de abril de 2013

"Das novas mídias e redes sociais"

Há poucos meses, o jornal estadunidense The Wall Street Journal publicou matéria onde chamava o Brasil de "A capital de mídia social do Universo". A motivação daquele jornal veio de uma família que se tornou celebridade-relâmpago ao interpretar no canal Youtube um cântico religioso de modo muito desafinado, e concluído às gargalhadas, "para a nossa alegria". Assim como a família Barbosa, vários outros indivíduos e grupos começaram a lançar mão dos canais que a internet oferece para se apresentarem como produto vendável, sobretudo na área do entretenimento. 

Então, assim como já tinha acontecido com o Orkut, o Brasil acabou por se transformar também em um terreno muitíssimo fértil para outras plataformas, sobretudo o Facebook, ficando o país em segundo lugar no ranking mundial do "face", atrás apenas dos Estados Unidos, uma vez que em terras tupiniquins contamos já com a impressionante cifra de 65 milhões de usuários de tal plataforma virtual. E isso sem falar no Twitter, que também caiu nas graças dos brasileiros, oferecendo-se como ponte entre a informação, sobretudo de cunho pessoal/intimista, e um público não pouco ávido por conhecer e falar sobre a vida alheia. 

Aquilo que parecia ser uma revolução nas relações sociais, no entanto, acabou por se apresentar também como um grande problema, visto que, se não se tem mais intermediários entre a notícia e o público que por ela busca, a qualidade da informação e a confiabilidade das fontes passaram a exigir do leitor um aparato crítico ainda mais desenvolvido (sendo que o menos desenvolvido já praticamente inexistia para a grande maioria), haja vista o fato de que a capacidade de selecionar, conferir fontes e compreender os vieses acabou caindo no colo do leitor, nem sempre capacitado para tanto. Assim, a tão sonhada democratização da informação não chegou como se esperava, pois de pouco ou nada adianta ter informações aos borbotões, se falta aparato crítico para lidar com tal vasto material.

Das muitas críticas surgidas às novas possibilidades tecnológicas, talvez a mais forte tenha vindo do genial e saudoso escritor português José Saramago, que afirmou que "os 140 caracteres do Twitter nos estão levando degrau por degrau a uma tendência ao monossílabo, descendo até o grunhido". Já para o filósofo brasileiro Renato Janine Ribeiro, o grande problema das novas redes chamadas sociais é que elas contribuem para o contrário do que em princípio foram pensadas, pois cooperam para um perigoso déficit de democracia, uma vez que, com a criação do algorítimo que seleciona "aquilo que é mais parecido e tem a ver com o usuário", a possibilidade de contato com o diferente, com o que coloca nossas estruturas mentais e sociais em xeque, gerando rico material para o pensar complexo e democrático, fica reduzida a praticamente nada. 

O que se evidencia, então, é que, apesar das elogiadas "aproximações que as redes sociais dão", multiplicando amigos e ressocializando isolados, o problema da solidão humana não poderá ser solucionado por novas e empolgantes tecnologias, mas por uma profunda reflexão sobre os caminhos tomados pela sociedade moderna, visto que, em nome de uma pseudo-aproximação, um claro déficit democrático está sendo gerado, ficando a "revolução das redes sociais" com o triste e nada programado papel de aproximar quem já diz e faz a mesma coisa, gerando o tedioso - mas apresentado como ótimo - mais do mesmo. Para referendar tal tese, a perda de complexidade se evidencia com clareza, já que é raro encontrar-se nos comentários e "curtições" do Facebook algo que se distancie crítica e analiticamente do que já está escrito no texto "curtido". A "geração face", portanto, mais do que nunca se mostra como a geração da superfície.

Se com tudo isso ainda parece que plataformas como o Facebook vieram para "revolucionar" e para sempre ficar, é importante que a morte de tal plataforma já possa ser criticamente vislumbrada, pois o fim do Facebook está justamente na sua capacidade de crescer. Tal como aconteceu com o Orkut - e isso bem ironicamente - o "face" vai morrer justamente quando atingir o que busca atingir; conectar o máximo do mundo todo numa só rede. Tal acontecimento se dará por conta de uma construção social que o sociólogo francês Pierre Bourdieu chamava de distinção social, que é a postura defendida pelas classes sociais mais altas - que jamais se admitem parecer com as mais baixas - de não se permitirem compartilhar os conteúdos de sua alta visão de mundo com os "menos distintos". Então, com um futuro - bem próximo, pois falamos de internet - tendo quase todo mundo o "face" em comum, será chegada a hora de a nobreza pedir pra sair. E, se a nobreza sair, como bem já aconteceu com o Orkut, "todo mundo sai", pois a força do capital sempre consegue fazer com que sua visão seja entendida como universal, natural e extremamente necessária a todos.

liberdade, beleza e Graça...

terça-feira, 9 de abril de 2013

"Marco Feliciano: do que realmente interessa nele"

O deputado e pastor Marco Feliciano conseguiu muito mais do que os 15 minutos de fama profetizados pelo grande Andy Warhol. Não se fala noutra coisa e as mídias insistem em bater numa tecla que não traz nada que realmente possa edificar o nosso pensar. Quase tudo é preconceito, ditadura de pensamento único e postura antievangélica radical. Afinal, praticamente ninguém toca no assunto que é a base para quase tudo o que o infeliz Feliciano crê e espalha como verdade; a saber, sua teologia. 

Alguns entenderam meu texto anterior, também sobre o tal pastor e deputado, como sendo um texto conservador e que "não batia como deveria". No entanto, nada no texto merece retoque analítico, pois o processo democrático deve abarcar - também - figuras como o pastor e deputado que aqui nos é tema de reflexão. Ainda assim, concordo que o texto deveria ter colocado em xeque o que é o mais importante nisso tudo: as razões de tal deputado pensar como pensa sobre os temas que agora lhe são muitíssimo caros.

Como meu foco maior de pesquisas são as relações raciais, meu interesse aqui será a parte em que Feliciano toca na questão da negritude, que ele trata como maldita, já que esta se mostra - sobretudo na África - como o oposto do que seria a manifestação da bênção de Deus. Para entendermos tal pensamento, é necessário buscarmos algumas referências que nos possam auxiliar. Encontro em Max Weber uma delas. 

A ética protestante apregoada por Weber seria uma das razões do surgimento do capitalismo de mercado, o que se tornou um dos pilares da chamada Modernidade. Por tal ética, como é sabido, a bênção divina não fica protelada para uma vida após a morte, visto que uma das "provas da salvação" seria justamente a prosperidade terrena, o que veio a confrontar radicalmente a visão católica da Idade Média. 

O continente africano, como não é difícil perceber, apesar de riquíssimo em minerais e riquezas outras, sofre de extremada pobreza. Na linguagem de Feliciano, sofre de uma maldição que tem um início e uma sequência bastante claros e delimitados: a maldição de Caim, no mito de origem bíblico, no Édem, e a maldição de Cam (curioso que os nomes se pareçam, não?), no episódio em que o filho Cam "visita a nudez" do pai, Noé (embora alguns pensem que isso significa que Cam viu o pai nu, um estudo da língua hebraica nos revela que Cam fez sexo com o pai). Para além destes dois textos, um outro em Cantares também foi motivo de racialização, mas poucos tocam neste texto, já que ele não traz nomes e é considerado "apenas um poema".

Para que Marco Feliciano fale menos besteiras, então, é necessário que reveja sua teologia, visto que, tanto em Gênesis quanto em Cantares, os textos bíblicos que ele usa para justificar uma "maldição dos negros" não referendam tal crença, pois em nenhum caso a escravização de um povo pelo outro significa escravização negra! Como deveria ser sabido por tal deputado e pastor, a escravização negra é um tema bastante moderno perto do tema escravidão. A escravidão não começa com os negros e negras africanos, mas muito antes, quando todo povo derrotado - fosse ariano, negro, índio, mongol etc. - era feito escravo e pagador de tributos. Dizer, portanto, que "a maldição de Caim e Cam foi ficarem com o nariz achatado e a pele escura" não passa de mais uma das muitas imbecilidades trazida pelos religiosos protestantes racistas que colonizaram religiosamente o Brasil

Como bem defende o teólogo e exegeta Osvaldo Luiz Ribeiro, no livro Religião, racismo e etnicidade, organizado por este que vos escreve, "não há qualquer base para a racialização do texto de Cantares, bem como de outros que foram utilizados para tal questão, como é o caso de Gênesis". Assim, a informação de que nariz achatado e pele escura são referências de maldição divina é, no mínimo, motivo para um debate mais sério sobre o que fala e pensa o deputado e pastor Marco Feliciano. Agora, se for para ficar na superfície do debate, é melhor ficar calado e deixar o homem trabalhar em paz, pois homem beijando homem e mulher beijando mulher não mudam a teologia e o pensamento de ninguém.

liberdade, beleza e Graça... 


terça-feira, 2 de abril de 2013

"Do curioso caso do deputado pastor Marco Feliciano"

Eu não iria escrever sobre isso. Não tinha qualquer interesse no assunto. Mas... É duro quando amigos ficam "cobrando" uma postura da gente, sobretudo por saberem que sou pastor, mesma vocação que o Feliciano diz desempenhar. Assim, como diria Nelson Rodrigues, "vamos ao". Espero, no entanto, não ocupar muito espaço, uma vez que trata-se apenas de uma tentativa de justificar minha "desvontade" de escrever sobre o assunto que está "na crista da onda". 

O deputado Marco Feliciano foi eleito democraticamente pelo povo brasileiro. O mesmo deputado foi eleito também democraticamente por seus pares na Câmara para o cargo de presidente de uma Comissão, a de Direitos Humanos. O deputado falou, há tempos, muitas coisas consideradas duras e imbecis, justificando uma sua postura religiosa sobre temas como racismo, homossexualismo e minorias em geral. 

O deputado hoje representa uma comissão que deve lutar contra muitas das besteiras que ele mesmo disse no passado. Portanto, Feliciano deve agir como um deputado da nação e não mais como um dogmático pastor, o que vem fazendo, pelo que é possível perceber. Assim, qual a razão de se precisar escrever sobre um tema, senão para fazer uma crítica da crítica? Sim, é necessário buscar as razões que nos obrigam a focar uma única comissão, sendo que muitas delas, também em andamento, estão carentes de uma atenção mais séria.

Existe uma comissão para tratar do meio ambiente, batendo de frente com os oligarcas do agronegócio, mas esta não tem nem de longe a atenção que merece ter. Existe uma comissão que trata de um marco regulatório para as comunicações no Brasil, mas esta é tratada como "possibilidade de censura" pelos grandes conglomerados de mídia, uma vez que qualquer democrática regulação tiraria destes grupos o direito de publicar uma opinião que jamais veio do povo, mas que é trazida como sendo deste

Assim, o que se deve fazer é colocar em pauta o nocivo poder das Organizações Globo, da Folha de S. Paulo, do Estadão e da Editora Abril, com sua macabra revista (não) Veja. Sem colocar o dedo nessas feridas, falar do resto é falar de "cachorro morto"; é inventar pautas que só deveriam figurar nossos dias se tivermos o que falar contra um deputado e presidente de uma comissão parlamentar, e não contra um pastor boboca que outrora falou babaquices. 

Afinal, se a lógica for transportada democrática e justamente para todos - o que deveria sempre ser feito - a Xuxa jamais poderia trabalhar com crianças, pois no passado fez filme pornográfico com um menino, bem como eu não poderia ser pastor e nem falar sobre o que entendo ser justo e correto, pois vivi boa parte da minha infância e adolescência roubando chocolates e pilhas para o meu rádio, nas Lojas Americanas. Então, se a Xuxa pode e eu posso, o Feliciano também pode. Se fizer besteiras lá, como falou besterias em tempos idos, tirem-no de seu posto! Do contrário, aquietem o coração e deixem o homem trabalhar!

liberdade, beleza e Graça...