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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

"Caminhos da espiritualidade"

O capítulo 21 do Evangelho de São João nos traz a história belíssima de um reencontro perdoador. Trata-se do reaparecimento, em carne e osso, segundo o relato bíblico, de Jesus de Nazaré, três dias depois de ter sido morto por seus adversários, líderes religiosos de uma Palestina dominada pelo Império Romano e pela religiosidade manipuladora de um sacerdócio judaico obsoleto. 

Se é possível tirar lições contemporâneas de um texto tão distante de nossa realidade, tais lições versam primeiramente sobre a postura incrédula dos discípulos de um nazareno seguido de bem perto por três longos anos. É curioso que nenhum dos seguidores de Jesus estivesse crente na sua ressurreição. Tanto que nenhum cogitou aguardar pelo reencontro provocado pelo próprio mestre.

Se o sonho havia acabado, nada mais restaria fazer, senão voltar ao que se fazia antes de conhecer "o caminho". Assim, num momento que parece fruto de um silêncio ensurdecedor, Pedro tem a ideia de pescar, voltar a fazer o que fazia antes, sem qualquer menção à garantia de ressurreição. Como ninguém mais tinha opção melhor, todos respondem "vamos contigo!", seguindo para o barco que enfeitava o lago. 

O problema é que, após um encontro genuíno com Jesus, é impossível voltar a se fazer o que antes era cotidiano e fruto de muita habilidade. O encontro com os adeptos do Caminho muda radicalmente uma pessoa, de sorte que, se esta, decepcionada com algum "desaparecimento" do mestre por uns tempos, tentar voltar à vida que tinha antes de tê-lo conhecido, dificilmente conseguirá fazer as mesmas coisas com a mesma qualidade. Quem roubava já não rouba tão bem, não esconde bem o produto levado e nem o semblante frustrado de vergonha. Quem matava já não tem o mesmo estômago, já não maneja bem a faca. Quem vivia de mentiras, ruboriza diante da possibilidade de ser descoberto. Quem pescava habilmente, já não sabe da lógica dos peixes. O encontro com Jesus muda tudo. Não se consegue ser mais o mesmo e não se volta ao passado sem um alto nível de frustração.

Jesus aparece na praia e grita aos discípulos se tinham pegado algo. Ao saber que não, insta-os a lançar a rede para o outro lado do barco, onde uma multidão de peixes os esperava. Cena conhecida; já vi isso antes, não?! Quando Jesus parecer ter decepcionado um indivíduo, tendo este voltado ao que antes fazia, a misericórdia divina sempre mostrará algo que lhe trará à memória aquilo que lhe poderá dar esperança. Um cântico, um panfleto, um convite para uma reunião; alguma coisa que o fará pensar: "eu já estive aí, eu já acreditei nisso tudo". 

João percebeu a nova oportunidade e gritou a Pedro que se tratava do Senhor. Pedro, o que tinha negado, mentido e somado uma série de razões para se perceber indigno de um reencontro perdoador, lança-se na água e nada ao encontro de Jesus, sem medo de ouvir "mas você não merece, pois me negou três vezes!". Enquanto Pedro nada, os outros chegam à praia no conforto do barco. Na areia, pão e peixe sobre a brasa. Um convite para comer, expressão máxima do cristianismo do Caminho.

Pode ser que o Cristo vendido a nós seja algo falso. Pode ser que, por conta disso, ele desapareça e seja reconhecido como morto e inoperante. Pode ser que voltemos às práticas antigas, refutando um encontro que converteu tudo e mudou positivamente o rumo de nossa história. Pode ser que nossos vacilos cotidianos nos convençam de que os que negam, mentem, roubam ou profanam o santo nome de Deus não merecem ser novamente recebidos por Jesus. 

Todavia, voltar atrás é impossível (pelo menos com a mesma habilidade), pois não se peca mais com a "qualidade de outrora". Não se sabe mais pescar tão bem como em tempos idos e, independentemente do que se possa pensar acerca das fragilidades nossas - e de nossa própria vergonha diante de um Deus inocente, mas por nós traído - o convite sempre estará ali. Pão, peixe, fogueira acalentadora e brisa de sobre as águas a referendar um "Vinde, comei!".

liberdade, beleza e Graça...