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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

domingo, 31 de março de 2019

"Guerra de narrativas e reescrita da história"

Um dos ditos mais famosos do teatrólogo Nelson Rodrigues é a clássica frase "Se os fatos são contra mim, pior para os fatos". À luz de tal citação, podemos analisar o momento político brasileiro, já que uma guerra de narrativas tomou conta do núcleo duro do poder no Brasil, o que chega a levar um ministro de Estado, no caso, o da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e até mesmo o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, a colocarem os fatos como algo a ser menosprezado, tal como na fala rodrigueana, só que sem a acidez e a genialidade do chamado "escritor maldito". 

No caso de Lorenzoni, ao tratar da questão das armas, o mesmo disse em entrevista que "segundo pesquisas sérias, em todas as sociedades onde as armas foram liberadas, a violência diminuiu". Na mesma semana, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP lamentou o decreto presidencial sobre a liberação de armas, defendido por Lorenzoni, pois, segundo tal entidade, "sérias pesquisas nacionais e internacionais provam que quanto mais armas, mais violência". 

É evidente que, se quisermos ser declarados como minimamente racionais, não podemos aceitar que um tema seja abordado, e tendo como referência "sérias pesquisas", sem que se saiba quais pesquisas, quais pesquisadores, quais metodologias e onde e com quais grupos foram aplicadas. No caso do FBSP, assim como do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, as bases são sociológicas e antropológicas, contemplando autores renomados no Brasil e no exterior. No caso da fala de Lorenzoni, não se sabe quais sãos as pesquisas, nem onde teriam sido realizadas, pois o ministro não as cita. Mas não importa; o chefe da Casa Civil soltou a frase e, num processo de guerra de narrativas, colocou seu ponto de vista como "verdadeiro e referenciado por pesquisas sérias". 

No caso de Bolsonaro, também em entrevista na rede aberta de televisão, o presidente afirmou que as "universidades públicas brasileiras não têm pesquisas e, quando há pesquisa universitária, ela está nas universidades privadas, como no caso da pesquisa sobre o grafeno, da Mackenzie de São Paulo". No contraponto narrativo ao presidente, dados mostram que, das 50 universidades mais prósperas em pesquisas no Brasil, 49 são públicas e apenas uma é privada, sendo que nem é a Mackenzie de São Paulo, mas a PUC do Paraná.

O grande problema nessa guerra de narrativas é que os fatos não parecem mais importar aos defensores ferrenhos do "mito", já que, ainda que minta em entrevistas em rede nacional, se os fatos depuserem contra ele, "pior para os fatos". Deste modo, nos é já impossível debater política de modo civilizado e em nível que se possa chamar de inteligente, uma vez que não é mais preciso atentar para a verdade dos fatos para se ter um posicionamento sobre o que quer que seja no Brasil. 

Nessa senda, não só mais armas contribuem para menos violência e universidades privadas pesquisam mais do que públicas, como também a ditadura militar não existiu, o Ibama, ao fiscalizar e punir crimes ambientais, está errado, e os desmatadores certos, Fabrício Queiroz vende carros e não tem nada a ver com funcionários fantasmas e o PSL é um partidos de políticos honestos, e não o Partido do Suco de Laranja. Na guerra de narrativas que se estabeleceu no país, Bolsonaro e sua equipe parecem estar vencendo e, pelo visto, se algum dia essas "verdades" perderem o seu valor, a culpa será da Dilma e do PT. 

liberdade, beleza e Graça...