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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sábado, 31 de agosto de 2019

"Da razão de evangélicos apoiarem cegamente Bolsonaro"

É sabido que o mundo evangélico, sobretudo os segmentos pentecostal e neopentecostal, apoiaram com todo vigor a eleição do atual presidente, o ex-deputado federal Jair Bolsonaro. Todavia, se fôssemos voltar um pouco no tempo, diríamos que tal apoio não teria como acontecer, já que, só a título de exemplo, outrora os evangélicos abominavam o divórcio, sendo que Bolsonaro é casado já pela terceira vez. No mesmo diapasão, Bolsonaro destila ojeriza por uma série de grupos minoritários no país, algo que de modo algum poderia ser atrelado ao que se prega como cristianismo, uma doutrina religiosa que visa acolher pessoas em situação de vulnerabilidade social, tal como fazia seu mestre maior, um controverso judeu que aceitava estabelecer diálogo e amizade que aqueles que, para os judeus de então, eram considerados escória da sociedade.

Do menosprezo a mulheres, negros e gays a outras posturas, como a que defende o armamento da população, além da incitação ao ódio, através de discursos e posturas belicistas, Bolsonaro passou a se colocar como o fomentador de um sistema econômico que preza pela desigualdade, já que as políticas e posturas do presidente, em especial as relacionadas à educação, à saúde e ao meio ambiente, corroboram uma situação que só faz perpetuar a lógica de que poucos devem ganhar muito e muitos devem mesmo ganhar pouco (ou nada). Assim, soa estranho o apoio de um grupo que se pretende cristão, já que praticamente todas as ações do presidente e de seus asseclas visam ratificar aquilo que certamente Jesus Cristo, o líder tão idolatrado pelos evangélicos, refutaria de pronto.

Mas por que, então, esses evangélicos apoiam tão cegamente ao governo de extrema-direita de Bolsonaro? Embora pareça difícil responder, uma linha de pensamento me faz atentar para a maneira como os evangélicos vivem  a religião e a política. Atentando em especial para os segmentos pentecostais, é possível ver que a vivência de um ambiente democrático não é tida como cara, já que, na maioria dos casos, igreja evangélica não é lugar de debate, de reflexão e muito menos de opiniões divergentes, o que, por acaso, é tudo o que configura um saudável ambiente democrático. Em quase todas as igrejas pelas quais passei, se alguém ousava pensar de modo diferente ao do pastor, logo era banido da comunidade, fosse com a "exclusão por desobediência", fosse por um processo esdrúxulo chamado "disciplina", que é quando o membro "rebelde" não pode atuar em qualquer setor da igreja, ficando apenas no banco e recebendo ensinamentos que os líderes entendem que ele deixou de aprender. 

Ademais, igrejas pentecostais e - em especial - as neopentecostais (o chamado pentecostalismo de terceira onda) não são tão cristãs como são judaicas. Explico-me melhor: em geral, o chamado protestantismo histórico se atrela muito à figura de Jesus Cristo e seus ensinamentos, com foco no Novo Testamento, o que o aproxima mais de pautas progressistas e o distancia de discursos e posturas extremadas como as que o bolsonarismo apregoa. Por seu turno, os pentecostais se agarram à pessoa do Espírito Santo, buscando uma religiosidade mais mágica e voltada aos mistérios do ser e fazer religioso, como nas experiências de visões mágicas, profecias e revelações acerca da vida alheia. No que diz respeito ao neopentecostalismo, porém, a leitura da Bíblia se dá com foco muito grande na primeira pessoa da trindade, Deus pai, figura mais presente no Antigo Testamento, que traz como mote a posse da terra e a destruição dos "inimigos da fé".

Como os segmentos que realmente crescem em um mundo evangélico em expansão são os pentecostais e neopentecostais, não é difícil inferir que é normal para esses evangélicos aceitarem que a mentira seja dita, inclusive por seus líderes, desde que tal mentira seja para proteger a fé do grupo, tal como no episódio bíblico que narra a mentira de uma mulher para proteger espiões do povo de Israel, mentira essa que fez até com que tal mulher, Raabe, fosse catapultada à condição de "heroína da fé". Do mesmo modo, não assusta a morte de adversários, já que o mesmo deus do Antigo Testamento também ordenou que, na luta pela conquista da terra que Israel queria ocupar, se pudesse e devesse matar quem aparecesse pela frente, e com muitos requintes de crueldade, tal como nas ordens para que mulheres grávidas de povos inimigos fossem rasgadas pelo ventre com espadas bem afiadas. Então, se crentes aceitam que isso seja naturalizado, mesmo fora de contexto, já que milhares de anos se passaram e se tratava de uma postura judaica para problemas judaicos da época, com certeza não se importam com a violência, a corrupção e a mentira nos dias de hoje, desde que sejam exercidas contra os "inimigos da fé", o que faz com que tais segmentos evangélicos perdoem o Queiroz, o Flávio, o Carluxo e todo o laranjal que os cerca, desde que tudo seja feito "em nome de deus".

liberdade, beleza e Graça...