quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

"Adoção: ser for de negros, é algo muito fácil e rápido"

O debate sobre as relações raciais no Brasil tem pelo menos duas grandes correntes teóricas: o Continuum de Cor e o Racismo Estrutural. Tais escolas divergem radicalmente acerca das ações afirmativas baseadas na raça, sobretudo quando se trata das cotas para negros nas universidades e órgãos públicos. Para os adeptos do Continuum de Cor, não se pode afirmar categoricamente quem é negro no Brasil, uma vez que os próprios negros se utilizam de mais de 130 nomenclaturas para se autodeclararem etnicamente. Para além disso, tais pesquisadores não identificam posturas racistas explícitas no país, o que faz com que o Brasil seja até considerado, por alguns desses autores, como um país a-racista, tendo em vista uma "harmonia racial onde raramente se vê algo que pode ser chamado de racismo". Nesta direção de pensar se encontram grandes antropólogos como Peter Fry e Yvonne Maggie, pesquisadores do IFCS-UFRJ.

Noutra direção, os pesquisadores do Racismo Estrutural - aonde este que vos escreve também se encontraentendem que a estrutura brasileira é racista, independentemente das posturas racistas explícitas, que para eles não são tão raras como alguns afirmam, bastando que haja um olhar mais atento. Ainda que tal olhar não seja tão vivenciado, no entanto, pesquisadores como o historiador Edson Borges, o antropólogo Jacques d´Adesky e o sociólogo Sales Augusto dos Santos entendem que os números do acesso à educação, saúde e renda corroboram uma distância muito grande quando se compara os grupos negros e os brancos. Para além de tais números, disponíveis a quem quiser acessar, mas praticamente ignorados pelos adeptos do Continuum de Cor, eventos marcantes na história brasileira fomentam o debate e colocam as teses do Racismo Estrutural em grande evidência. Foi o que aconteceu nos últimos dias em Campinas, interior de São Paulo, e no Rio de Janeiro. 

Em Campinas, a Polícia Militar lançou um documento onde a identificação de ladrões era "selada" com um rótulo demasiadamente curioso: "elementos de cor suspeita", isto é, se os soldados se deparassem com jovens brancos, não precisariam desconfiar, mas, se encontrassem sujeitos pretos e pardos, "a abordagem deveria ser imediata", pois estes têm aquilo que a polícia tem chamado de "cor padrão" ou "suspeita". Na mesma semana, um menino negro foi instado a se retirar de uma concessionária BMW na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, pois estaria "perturbando a paz local, na insistente atividade de pedinte". O que o vendedor não sabia é que o menino negro era filho adotivo do casal branco que estava comprando o carro! Sim, o menino, que não pedia nada e estava muito bem vestido por sinal (mas o racismo não deixa perceber esses "detalhes") estava na sala de espera, vendo desenhos animados, quando decidiu se aproximar dos pais, no que foi rispidamente impedido pelo vendedor, já que "esses meninos negros só perturbam e atrapalham a vida da gente; eles só ficam nessa de pedir dinheiro". Como é possível ver, a cor chega antes, ainda que não haja qualquer atitude suspeita ou que as roupas do "suspeito" sejam "roupas de branco".

Para fechar a "quinzena racial", travando contato com uma conselheira tutelar, numa cidade do interior do Rio de Janeiro, este que vos escreve deparou-se com algo que é, no mínimo, material para uma grande tese de doutorado. Perguntando sobre os critérios para se entrar numa fila para adoção, a curiosa resposta foi: "Você quer branco, ou se for negro serve?". A conversa, claro, não poderia parar por aí, visto que um sociólogo, pesquisador de relações raciais no Brasil, estava nela e se interessou ainda mais. "Pode ser negro, sim". "Ah, aí é bem fácil, pois negro ninguém quer e quase todas as crianças negras ficam conosco até os dezoito anos, já que alguém adotar negros é algo muito difícil; ninguém quer criança negra. Agora, se quiser branca, sobretudo de olhos claros, tem até que pagar!". Depois de tal "soco no estômago", fica impossível não pensar em alguns autores do Continuum de Cor, como o Ali Kamel, cientista social e diretor de jornalismo da Rede Globo, que diz que "o país é a-racista, não havendo qualquer razão para se aprovar cotas, visto que negros e brancos são tratados da mesma maneira no Brasil". Pensando no Kamel, o autor que vos escreve quase foi convencido a mudar o tema de sua tese de doutorado, mas, já no meio do processo, preferiu deixar tal rico tema - este da adoção baseada na cor - para um possível pós-doutoramento. Até lá, talvez ele até já seja pai da Antônia; uma menina negra.

liberdade, beleza e Graça...    

8 comentários:

  1. Dez...muito bom!! Não fiquei sabendo dessas ultimas notícias...mas espero que o comprador do carro tenha saído sem comprar e ainda tenha tido a coragem de processar o vendedor e a loja. Parabéns por trazer o assunto e sim...existe racismo no Brasil...infelizmente! Abraços, Regia

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  2. Felizmente, o casal não comprou o carro, Regia. Saíram da loja e, indignados, postaram a história nas redes sociais, o que fez com que chegasse aos jornais e a mim. E, como meu tema de pesquisas é esse, isso não poderia ficar sem um texto no blog. Um abraço e obrigado por passar por aqui.

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  3. Super texto! Pior do que a situação existir, são os que negam que ela existe... como?!
    Estou esperando mais um bebê negro! Graças a Deus!! E ainda sonho em adotar mais um negrinho maravilhoso de lindo, com seu brilho natural de pele.
    Já imaginava que havia esse tipo de preferência para adoção, só não achei que chegasse a esse ponto de "escrachamento", de ser fácil ou difícil pela cor da pele da criança, pensei que a dificuldade fosse apenas burocrática. Desagradável demais isso.
    E você, como sempre, nos ensinando.

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  4. Pois é, minha querida Liana. É mais escrachado do que a gente imaginava! Dá até tese de doutoramento, como eu disse aqui! Parabéns pelo filho, viu?! Fico muito feliz por ti, sinceramente, pois sei que você é uma supermãe!! Quanto a mim, vou entrar na fila e esperar um tempo!! Um beijo carinhoso!!

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  5. Tá, eu sei que não tem tanto a ver com o tema desta postagem, mas olha só:
    http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/02/estudante-1-colocada-em-medicina-da-unifesp-opta-por-estudar-na-usp.html

    Branca e rica.
    Nunca que eu posso com isso! HAHAHA

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  6. É, Maria Mariáh, a menina é branca, rica, filha de médicos, estudante do colégio bandeirantes, um dos mais caros e conceituados do país, e não faz nada o dia todo, além de estudar e pedir para a empregada lavar sua calcinha. Quando a primeira colocada para medicina na USP ou UNIFESP for uma negra, pobre e vinda de escola pública, teremos vencido o fosso da desigualdade social e racial que nos assola.

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  7. que sortuda essa menina Antonia

    espero que vc. consiga mesmo adotar a garota

    adorei seu blog e esse texto - racismo é uma doença grave que mata...

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  8. Thaine P.

    Olha gente....Adorei o texto...Parabens
    Bom,Nao sou um genio nem nada...rsrsrs,mas,posso compartilhar aqui a minha experiencia de vida,eu vivo na pele a diferença racial dentro de casa e sei que casal branco e filho negro nao acarreta nenhuma confusao na cabecinha da criança como costumam alegar os pais que negam um filho por ser negro.(vice e versa)......Meu caso mesmo, eu sou morena(tipo a morena da novela), cabelos e olhos escuros e tenho uma filha de dois anos que parece o gasparzinho (puxou o pai)ela é tao branca,com lindos cabelinhos loiros e lisos.,Quando ando com ela , sempre me perguntam se eu sou a tia,prima....nunca a mae ....kkkk
    E pra falar a verdade, eu gostei tanto de ter uma cria que nao parece nada comigo, que, logo logo adotarei uma filhinha negra e linda para completar a minha Familia !!!...Só nao garanto que vou querer recem nascido , prefiro uma baby maiorzinha...uns 4 anos ....
    Deus abençoe a Antonia, ela vai te dar muita feliciidade viu....bjo

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