quarta-feira, 11 de julho de 2007

"Sobre as declarações do Vaticano e um pouco de Teologia"

A Congregação para a Doutrina da Fé, responsável pela tutela da doutrina e da moral católico-romana, afirmou em documento oficial essa semana que “a igreja católica romana é a única igreja de Cristo”. As outras, fora da égide papal, seriam “apenas comunidades eclesiais”.
Os assuntos teológicos são sempre muito áridos, mas tentarei ser o mais claro e acessível possível, entendendo que esse espaço é feito para leigos em busca de alguma reflexão, e não para especialistas em Teologia ou outra área qualquer.
Lançando mão da língua grega (o Novo Testamento foi escrito nessa língua e em aramaico, e não em latim), trago à luz um dos textos-base para um eventual papado começado em Pedro, o apóstolo. O texto traz Jesus afirmando “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (São Mateus 16:18).
O grande problema é que o catolicismo romano não usa a língua original, mas uma tradução para o latim, feita por um seu adepto, São Jerônimo. Na tradução, Jerônimo não diferencia, no dito de Jesus, a relação entre duas palavras gregas: petrus (pedregulho) e petra (rocha). Jesus, ao ouvir de Pedro, no verso anterior, que ele, Jesus, era o Messias, o filho do Deus vivo, responde: “tu és um pedregulho, e (ou mas) sobre esta rocha edificarei a minha igreja (...) e te darei as chaves do Reino de Deus...”.
O texto em questão oferece, na tradução direta, pelo menos, três possibilidades. Primeira: Jesus estaria dizendo que sobre a rocha - que seria a declaração de Pedro de que Jesus é o Cristo, filho de Deus - ele edificaria a sua Igreja. Assim, a verdadeira Igreja de Cristo seria constituída daqueles que fizessem tal declaração. Segunda: Jesus estaria falando que sobre si mesmo seria edificada a sua Igreja, uma vez que ele é chamado em todo o texto sagrado de petra, rocha, e o texto está propondo um antagonismo com petrus, pedregulho, que seria o substantivo referente ao apóstolo. Terceiro: Jesus estaria dizendo que sobre Pedro estaria sendo edificada a Igreja, já que tal Igreja seria composta de gente como o apóstolo. Importantíssimo lembrar que é como o apóstolo e não pelo apóstolo, que é apenas um petrus. A edificação seria pela petra, o próprio Jesus.
Aliado a isso, surge a informação, logo na seqüência do texto, de que as chaves do Reino seriam dadas a Pedro. Tal informação, porém, não reflete apenas a tão difundida idéia de poder, tão querida pelos católicos, mas também a idéia de que Pedro estaria ganhando a salvação. A chave de entrada no Reino, portanto, lhe estaria sendo dada. Por conta da tal declaração, que reconhecia Jesus como o Messias de Deus, Pedro estaria ganhando a chave para entrar e não a incumbência de “ficar à porta”, julgando quem entra e quem não entra, como quer o exclusivismo católico.
Lembro, ainda, que o catolicismo chegou a ter três grandes bispos ao mesmo tempo e que o exclusivismo da cúria romana só surgiu em definitivo com o cisma, após o século X da era cristã, mas esboçado, na pessoa de Leão I, e ratificado em Gregório I, já nos séculos V e VI, respectivamente.
O papado, como o conhecemos hoje, nada tem a ver, portanto, com uma seqüência cronológica que vigoraria desde Pedro, uma vez que só foi instalado em 1054, quando do cisma com a parte oriental da igreja católica, os ortodoxos.
Após a declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, então, não posso deixar de dizer que houve um grande retrocesso no diálogo que poderia se estabelecer entre os cristãos, e que foi tão incentivado no Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965, quando se estabeleceu a possibilidade da tolerância.
Entendo, por tudo isso, que a verdadeira Igreja de Cristo é aquela composta de gente que declara Jesus como o filho do Deus vivo; de gente que, após tal declaração, ganha as chaves do Reino; e daqueles que se entendem meros pedregulhos, carentes da ação tolerante da Rocha, que é o próprio Cristo.
Creio que de todos os povos, línguas e nações virão pessoas para a composição de tal Igreja. E, pelos ditos, práticas e caráter de Jesus, creio também que só poderiam ficar de fora aqueles que ratificarem as besteiras infelizes e intolerantes, defendidas pelo Vaticano e pelo meu colega de vocação, Joseph Ratzinger, também conhecido como Bento XVI.

liberdade, beleza e Graça...

4 comentários:

  1. Caro Clei,

    Quero dizer que foi bom ler esse texto, que, embora exegético, parte de um problema real dos nossos dias: a intolerância em detrimento do diálogo.

    Eu estava pensando em rabiscar alguma coisa sobre isso também. O seu texto acabou me animando. Vamos ver se consigo.

    Um abraço.

    P.S.: Ainda não te vi lá no meu blog. Se der, aparece lá. (rsrsrs)

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  2. Caro colega,

    Um grande amigo, o Fanuel, me indicou seu blog. Realmente assustador como nos papados do João Paulo II e Bento XVI as discussões iniciadas no Concícilio do Vaticano II foram esvaziadas.

    Novamente, a intolerância reina absoluta no Vaticano.

    Um grande abraço.

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  3. Chefe,
    Foi bem esclarecedor este teu texto. Concordo contigo, que discussões no ambito da teologia me parecem bem "áridos" mesmo.
    O que me surpreende é que em pleno século XXI a igreja católica levante discussoes deste teor.Com toda a diversidade religiosa no mundo e os conflitos existentes, ao invés da Igreja católica como um das lideranças político-religiosas mundiais encabeçar outros tipos de discussoes mais produtivas(aborto, métodos contraceptivos, etc...)ela ainda fica fomentando conflitos entre Cristãos....Assim não dá...
    HUm...obrigado pelo toque lá na professora Irene...
    Abraços, Luis.

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  4. Cleinton Querido!! Como é q eu te acho sem orkut?? Seguinte: Sexta é meu aniversário(tá vendo se tivesse orkut, saberia) e vai ter festinha no Clandestino(um barzinho na barata ribeiro 111, copa)numa festa de soul! e queria q vc fosse...Preciso do teu nome todo!!! Beijo!!

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