Na semana última, uma pesquisa feita pela parceria UNB/UFRJ revelou um fato que seria, noutros tempos, chamado de estarrecedor: as católicas - já mães, com idade entre 20 e 30 anos e com a vida financeira já estabilizada - são as mulheres que mais praticam abortos.
O foco na opção religiosa é proposital, pois há tempos essa temática não consegue justa discussão e flexibilização da parte do Vaticano. Mais difícil parece ser agora, quando a cúria papal está sob a égide do híper-conservador Joseph Ratzinger, o Bento XVI.
A discussão acerca da interrupção de uma gestação é uma das mais carentes de um debate aberto. Como se sabe, no Brasil a prática do aborto é crime e manda para a cadeia, sem titubeio, qualquer mulher que ousar "tirar a vida de um inocente indefeso", nas palavras das associações e organizações contrárias à prática aqui discutida.
O Vaticano, por sua vez, é taxativo: "o aborto é um pecado gravíssimo e dos mais abomináveis que se pode cometer". Mesmo com palavras tão afirmativamente duras, as católicas abortam.
O que se pode concluir disso é que a coerção social, exercida pela religião, enquanto fato social, perde força a cada dia, visto estarmos vivendo a era que o escritor Rubem Amorese chama de "era da individualização e da privatização". Pela tese desse autor, a vida privada passou a falar tão alto que as pessoas, a independer até mesmo de suas opções religiosas, passam a dizer: "A vida é minha e eu faço o que eu quero, dá licença?!".
Se a religião não tem mais o poder de mexer com as estruturas e com a cosmovisão católica, radicalmente modificadas, tampouco pode fazê-lo a lei brasileira. Prova disso é que existem pelo menos 3,5 milhões de "criminosas" soltas pelo país. E, para piorar, são mulheres bastante independentes, bem formadas e informadas e detentoras de uma crítica bastante relevante. Além de pagadoras de impostos, claro. Portanto, o debate se faz bastante pertinente.
Assim, deixando de lado o viés religioso e a questão forense - compreensivelmente obsoletos para o tratamento do tema aqui proposto -, a discussão que clama por atenção diz respeito ao tipo de política pública - nas áreas da educação e da saúde - que deverá ser implantado para que se trabalhe a temática do aborto com o máximo de vontade política.
Penso que, assim como a temática das drogas não-legalizadas, o tema do aborto merece a mortificação da demagogia para que, ouvindo-se o já bem considerável grupo de milhares de mulheres brasileiras "ilegais", se consiga encontrar idéias que valorizem a vida humana em todos os seus momentos - inclusive na gestação -, levando-se em conta também os direitos outros do ser humano. Lembrando que o problema não é mais a morte de adolescentes nas mesas de clínicas e parteiras ilegais. O novo aborto tem se mostrado uma postura bem pensada e escolhida. É necessário, pois, que se descriminalize o ato e se chame as maiores interessadas no tema para o debate.
Só a educação e o diálogo aberto e tolerante poderão trazer as respostas que a lei e a religião deixaram de oferecer. Porém, é importantíssimo que se coloque em pauta nesse diálogo as motivações dessas mulheres entrevistadas. É curioso que as justificativas das mesmas estejam sempre ligadas à primeira pessoa; o "eu" aparece o tempo todo: "Abortei porque a criança atrapalharia os meus planos de viagem ao exterior"; "Abortei, pois uma gestação atrapalharia meu sonho de mestrado"; "Abortei, pois percebi que não era o que eu queria"; "Eu achei que não era hora e meu marido concordou". Frases como essas só vêm corroborar a tese de Amorese acerca da privatização e do individualismo, pois o outro não é lembrado em tempo algum. E olha que esse outro pode estar tão próximo que chega a estar dentro! Será que não se pode pensar antes?!
É por essas e outras que - e não apenas por ser pastor - em se tratando de aborto, vou continuar dizendo NÃO!
liberdade, beleza e Graça...
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ResponderExcluirPessoalmente sou contra o aborto, não faria caso um dia soubesse que serei pai acidentalmente. No entanto, amigo pastor, sou favorável a legalização do aborto. Ora, várias mulheres morrem por cometerem aborto ilegal ou ficam com seqüelas para toda a vida. Apesar não ter números estatísticos podemos racionalmente analisar quem mais morre no aborto ilegal não é mulheres de classe média para cima, mas as pobres – seus motivos não dos mais diversos.
ResponderExcluirElas não são criminosas! São vitimas de toda uma conjuntura social complexa. Basta pensar: se ela não mata aquele feto, quem irá cuidar dele? O Estado? Tenho certeza que não. Devemos discutir o assunto seriamente afastando dogmas religiosos. Afinal, eu posso ser religioso, entanto isso não legitima querer determinar o que outra pessoa de outra religião, da mesma religião ou sem religião aja de acordo com os dogmas da minha, por essa minha religião ser “dominante”. O Estado deve ser laico.
Isso é, de forma sucinta, o que penso.
Compreendi seu texto.
ResponderExcluirTentei puxar a bola para legalização do aborto. Pois, penso, que a legalização está para além da questão moral e religiosa . No comentário fui, concordo, muito confuso. Vou tentar me consertar. Deixo claro: não quero te convencer a ser pró-aborto, apenas mostrar uma outra perspectiva do mesmo fato.
Para mim é uma questão sanitária, até mesmo porque as mulheres irão continuar a cometendo, por seus motivos pessoais, o feticídio. É legitimo taxá-las de criminosas? Quantas delas morrem ou tem seqüelas graves devido ao aborto ilegal? Não penso que todas as mulheres abortam por simplesmente por uma questão de livre arbítrio, pois elas sabem que a vida delas também estão em jogo. Só uma parcela tem condições de pagar o aborto “seguro”.
Para mim deve se afastar do plano religioso e moral. As pessoas irão abortar devido aos problemas de outra ordem. Concordei quando disse: “O que se pode concluir disso é que a coerção social, exercida pela religião, enquanto fato social, perde força a cada dia, visto estarmos vivendo a era que o escritor Rubem Amorese chama de ‘era da individualização e da privatização’”. A religião não tem mais nada haver com isso. Pois Deus agora é o mercado. Devido as necessidades que o mercado impõe as mulheres, afinal de contas nós, homens, dificilmente damos apoio a mulher. Elas estão querendo competir por igual, o que me parece legitimo. Agora a culpa é delas ou da lógica mercadológica?
Acho que é isso que posso colocar da minha perspectiva sobre o aborto, o contrário ficaria exaustiva expô-la nesse pequeno espaço.
Um forte abraço.
Caro Clei,
ResponderExcluirA decisão pelo aborto é uma questão de foro íntimo, mas a legalização tornou-se uma questão de justiça, pois quem tem dinheiro consegue interromper a gravidez, o contrário das menos favorecidas.
Acredito no direito à vida, não só da criança, mas da mãe, que, muitas vezes, é ignorada por quem é contra a legalização. No entanto, a minha opinião sobre esse assunto não deve ser o princípio em cima do qual as leis são aprovadas. Opino assim, em favor da vida sempre, por princípios éticos decorrentes de minha história de vida. Mas reconheço que haja pessoas que pensam diferente de mim e que merecem ser respeitadas por isso. As leis precisam alcançar a todos e todas, não só a pessoas como eu.
Um abraço.
olá, eu não sou contra o aborto, mas tambem eu jamais faria um, não por questão religiosa, mas por uma questão afetiva,mas também não posso dizer que se um dia eu estivesse gravida e descobrisse que meu filho tivesse uma doença sem cura, do qual ele poderia ficar em estado vegetativo, talvez faria um, não por mim, mas meu lado mãe falaria mais alto em não querer ver meu filho sofrendo, pois ele não me teria para sempre, e jamais iria deixa-lo nas mãos de ninguém para maltrata-lo, esse é um assunto complicado e polemico para nós mulheres, deveria ser tratado com mais seriedade e justiça, pois muito mais que qualquer coisa na vida, há um sentimento muito grande envolvido nisto, que é o amor de uma mãe para com seu filho, mulher nenhuma gostaria de ver seu filho sofrendo por qualquer motivo,é um assunto delicado.
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