A película Lugares comuns, de Adolfo Aristarain (disponível em DVD), é um
daqueles filmes que têm tudo para dizer nada, mas que dizem tudo. O
argumento central, focado num processo corriqueiro de aposentadoria de
um professor já idoso, trabalha algo que o sociólogo Richard Sennett
chama de “fantasma da inutilidade”, em sua excelente obra A nova cultura do capitalismo (Record, 2006).
Como bom fomentador de debates, função
que têm tido muitas das películas argentinas dos últimos anos, o filme de
Aristarain mostra o cotidiano de um professor de literatura extremamente hábil
em sua função, mas que, por razões mais do que simplesmente de idade, é forçado
a deixar seu posto de trabalho, sendo substituído ulteriormente por outro
indivíduo.
A questão da idade, responsável apresentada
pela demissão do professor Fernando Robles (vivido pelo excelente Federico
Luppi), é na verdade um pretexto para que oposições de pensamentos sejam
excluídas do meio acadêmico argentino no período pós-ditadura. A convicção
libertária do professor Fernando, baseada fortemente nos ideais da Revolução
Francesa, incomoda o reitor da universidade onde Robles trabalha, gerando o mal-estar
que acaba por colocá-lo na rua.
Se o foco fosse apenas o filme, a responsabilidade desta resenha se encerraria no momento em que se
expressasse a poesia dos dizeres do professor, bem como quando se focasse a
mudança de moradia e de estilo de vida do casal Robles, além das consequências
da viagem à Espanha, feita por eles, a fim de visitar um filho que lá vive
sob as honrarias de um capitalismo selvagem e darwinista. Porém, a obra de
Sennett revela um bom argumento para se pensar a postura do professor
aposentado.
Sennett, lançando mão da obra do
economista Albert Hirschmann, mostra que os funcionários mais velhos de uma
empresa têm menos medo de serem demitidos, uma vez que conhecem bem o “caminho
das pedras” dentro do ambiente de trabalho, e, justamente por conta disso,
acabam por dar vazão à sua voz de
protesto, incomodando fortemente o empregador. Por outro lado, funcionários
jovens não reclamam, pois preferem sair e procurar outro lugar, uma vez que não
têm conhecimento dos caminhos a serem percorridos antes de conquistarem a tal voz. Fernando Robles conhece bem as
estruturas da universidade onde leciona e, aos 67 anos de idade, pouco se
importa com as consequências do dar vazão a sentimentos e ideologias que o
acompanham há muito.
Assim, o que se vê e ouve é algo
que realmente pertence a um indivíduo que aprendeu o que significa a palavra sensatez. Apesar da idade um tanto
avançada, um dos focos do filme e do argumento que justifica esta resenha, a obra de Aristarain traz a
possibilidade de se manter a lucidez e os ideais, mesmo que o mundo esteja
dizendo o oposto, com as suas estruturas “modernas”, viciadas e reacionárias.
À luz das obras de Aristarain e
Sennett, então, pode-se perceber que o fantasma da
inutilidade não ronda sem que algumas boas respostas lhe sejam dadas. A lucidez de quem
vive o que acredita acaba por fazer daquele elemento fantasmagórico um ridicularizado incentivador de uma sociedade homogeneizadora do pensar e do agir. Todavia, o
professor, transformado em camponês, não deixou de firmar seus pés em terreno
lúcido e provocador de mudanças, ainda que para isso tenha precisado mudar para
o campo, fazendo assim uma revolução do pensar naquele que, para os mais pobres
e desvalidos, ainda é um lugar bastante comum.
liberdade, beleza e Graça...
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