A temática que este ensaio pretende abordar diz respeito a um movimento
de viés tanto político quanto econômico que, mesmo não sendo sequer percebido
pela maioria da população, conseguiu infiltrar-se nos mais variados setores das
sociedades ocidentais contemporâneas; o neoliberalismo.
Embora para muitos essa corrente seja citada como algo etéreo e que simplesmente “já está
dado”, o neoliberalismo tem um início bem marcado e demarcado na história da
humanidade. Segundo Perry Anderson, o neoliberalismo foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é “O caminho da Servidão”,
de Friedrich Hayek, escrito já em 1944.
Por mais incrível que possa parecer, a teoria que entende que a
“desigualdade é positiva”, foi corroborada por intelectuais de renome como
Milton Friedman, Karl Popper, Walter Lipman, Michael Polanyi e outros, que
formaram a Sociedade de Mont Pèlerin,
uma espécie de franco-maçonaria neoliberal, contrária ao keynesianismo e ao
solidarismo reinantes na época do pós-guerra.
Para Hayek e seus amigos, o Estado
de bem-estar social e qualquer outro tipo de igualitarismo destruíam a
liberdade e o espírito de concorrência, dos quais dependia a prosperidade de
todos. Para eles, os danos das sucessivas crises econômicas, a de 1973 em
especial, poderiam ser creditados à força dos sindicatos e dos movimentos
operários, que tinham, com sua enorme força e poder de cooptação, impedido o
acúmulo de riquezas, que é a base do capitalismo. Por conta disso, romper o
poder dos sindicatos e buscar a estabilidade monetária como meta principal era
a tese primeira dos neoliberais.
A partir de 1979, segundo Anderson,
a ideia neoliberal toma conta de boa parte do ocidente; na Inglaterra, foi
eleito o governo de Margareth Thatcher; nos Estados Unidos, o de Ronald Regan;
na Alemanha, o de Helmut Khol; na Dinamarca, o governo de Schluter. Todos eles,
um a um, contribuindo para uma onda
direitista no mundo contemporâneo, ratificando as teses de Friedrich Hayek
e da Sociedade de Mont Pèlerin.
O ideário neoliberal, contrapondo
qualquer manifestação socialista/comunista ou de solidarização, tomou conta dos principais
países do Ocidente, implementando políticas como a das privatizações de
estatais, a redução de impostos em favor dos mais ricos, a elevação das taxas
de juros, para benefícios dos especuladores, e a supressão pela força de
quaisquer movimentos grevistas. A contrapartida veio de países do sul da
Europa, onde uma tentativa de resistência de euro-socialistas parecia ter
alguma força. Mitterrand, na França; González, na Espanha; Soares, em Portugal;
Craxi, na Itália e Papandreou, na Grécia, foram algumas tentativas de barrar a
onda neoliberal. Com o tempo, porém, verificou-se que os países resistentes
tinham sucumbido à tentação neoliberal, inclusive adotando posturas ainda mais
à direita do que o primeiro grupo. Ao final dos anos 1980, apenas Áustria,
Suécia e o Japão - este último fora do velho
continente - ainda conseguiam resistir à onda que tomava a todos com força
e argumentos, mesmo perniciosos, num movimento que conseguiu derrotar o
sindicalismo e se estabelecer, controlando greves e diminuindo salários, já a
partir dos anos 1980.
Saber se houve êxito na busca
neoliberal é uma das proposições que hoje, à luz da grave crise econômica e social europeia, nos colocamos. Para tanto, é preciso notar que de fato os neoliberais conseguiram se estabelecer com bastante imponência,
visto que conseguiram diminuir a tributação dos salários mais altos em 20%,
conseguiram fazer com que os valores das bolsas crescessem quatro vezes mais do
que os dos salários e, com deflação, lucros exorbitantes e salários baixos, tal
corrente conseguiu mesmo se posicionar com “destaque” no mundo contemporâneo.
Todavia, a principal busca do neoliberalismo, que era alcançar a reanimação do
capitalismo avançado mundial, com taxas de crescimento consideráveis, não
aconteceu. Não houve crescimento, apesar de todo o movimento que se colocava.
Com a convicção de que não se
cresceu e que o foco dado não na produção, mas na especulação estava errado, os
neoliberais precisavam dar uma resposta ao esgotamento do sistema de ideias
suas. Enquanto muitos, nos finais dos anos 1980, já esperavam o último suspiro das ideias de Hayek, eis
que a União Soviética sucumbe, dando ao neoliberalismo um novo fôlego de vida.
A outra opção, pois, parecia se
mostrar ainda mais derrotada. Por conta disso, bastava que outros verdadeiros
“culpados” pelo fracasso neoliberal fossem encontrados. Os bilhões de dólares
gastos pelos Estados em pensões e aposentadorias passaram a ser um “bom
culpado”. O desmonte de vários sistemas estatais de seguridade começou, então,
a se ensejar, dando ao neoliberalismo a sua faceta mais cruel e violenta.
A América Latina respondeu à onda
neoliberal de forma bastante curiosa; não refutando-a, mas, ao contrário,
corroborando-a. O Chile de Pinochet, na verdade, até foi neoliberal antes da
Inglaterra de Thatcher, como defende Perry Anderson. A Bolívia, por seu turno,
também foi território para que a doutrina neoliberal, ali aplicada por Jeffrey
Sachs, fosse aperfeiçoada e mais tarde aplicada com sucesso na Polônia e na
Rússia. Curiosamente, a Venezuela foi o país que
conseguiu escapar à onda, visto ser ela a democracia mais contínua e sólida da
América do Sul, tendo conseguido inclusive escapar dos desmandos das ditaduras
militares que ocuparam a América Latina, conforme palavras de Perry Anderson.
Diferentemente do que queriam os
analistas e teóricos na época do governo de José Sarney, não é a torcida do
contra (aquela que apregoava uma hiperinflação para “ensinar o povo” que a
saída neoliberal era a única possível), mas a atenção aos fatos que não
precisam de falsos argumentos o que poderá ser uma saída possível. Prova disso
é que a região do capitalismo que mais apresentou êxitos nos últimos anos foi a
menos neoliberal; Japão, Coréia,
Formosa, Cingapura e Malásia.
Embora o neoliberalismo tenha
alcançado êxitos não imaginados nem por muitos de seus próprios fundadores, os
países acima citados, e suas experiências à margem das ideias de Hayek, podem
ser uma boa fonte de respostas para aqueles que se pretendem opositores da Sociedade de Mont Pèlerin, bem como para que repostas urgentes cheguem à Grécia, Espanha, Portugal e outros que estão à beira da falência. O Brasil, por incrível que pareça, retomou uma ideia keynesiana e, com investimentos em infraestrutura, acabou se dando ao luxo de chamar a onda da crise de "marolinha". A França de Hollande, diferentemente da de Sarkozy, parece querer seguir a rota tupiniquim em busca de ondas menos assustadoras. Agora é esperar para ver um novo fôlego que o capitalismo globalizado poderá oferecer, ou, o que seria bem melhor, ouvi-lo, pela boca da senhora Ângela Merkel, chanceler alemã, um sonoro e muito bem vindo PERDEMOS!
liberdade, beleza e Graça...
Ótima "aula", não fossem minhas limitações a nível de informações econômicas e políticas, seria mais esclarecedor ainda. Me fez pesquisar...rs.
ResponderExcluirQuando nos faz pesquisar, é sinal de que serviu para algo bom, Liana, pois a pesquisa é que nos faz vencer as limitações! Eu também pesquisei bastante para escrever isso! Um beijo carinhoso e obrigado pela atenção carinhosa ao blog e a mim.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, me fez sentir saudades das aulas de "sociologia do trabalho"!
ResponderExcluirAbração!