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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

“Tropa de elite: osso duro de roer”

"Tropa de elite dois é dez! Eu falei dez reais, tropa de elite dois!!".
Parecia mentira. Ao ouvir os gritos entusiasmados dos ambulantes da Rua Uruguaiana, não era possível outra coisa a não ser duvidar do anúncio. Como poderia um filme que não foi nem lançado em circuito de cinema estar já na "versão dois" em um camelódromo do centro da cidade do Rio de Janeiro?
É sabido que a pirataria movimenta uma grande rede de relações e corrupções neste país, mas já terem lançado a "segunda versão", sem que nem mesmo a primeira tenha chegado aos cinemas, era demais.
Na verdade, não era uma outra versão, mas apenas a primeira – que já havia vazado para a indústria da pirataria – só que com algumas modificações, tendo em vista a dificuldade que o filme passou a enfrentar, já antes da estréia, por conta de imagens que, segundo Rogério Roca, advogado da polícia militar, "causam danos à corporação e enxovalham a PM, o BOPE e os policiais". E quando não for isso (os "piratas" têm muitas facetas), se tratará do documentário "Notícias de uma guerra particular" - também sobre o BOPE -, que é um outro material que tem também circulado como se fosse o "número dois" do filme ainda por lançar.
Como é possível perceber, a película de José Padilha (diretor também do estupendo Ônibus 174), antes mesmo de ser lançada, já dá motivos para que reflexões, as mais diversas, aconteçam e edifiquem. O material pode ceder espaço para que se pense acerca da pirataria, da censura, da violência urbana por parte dos traficantes e da polícia, etc.
Todavia, é ainda sobre outra questão que esta reflexão pretende se estabelecer. O filme traz como mote a discussão já muito abordada sobre o financiamento do tráfico. Quem seria, ao fim e ao cabo, o responsável pelo estrago que a droga faz nas cidades e nas famílias?
O filme de Padilha defende que a culpa é da classe média que, hipócrita nas suas "caminhadas pela paz", acaba por ser a grande consumidora das "sementes do mal", vendidas pelos traficantes que ocupam os morros e favelas dos grandes centros urbanos.
A classe média (representada por grandes levas de adolescentes e jovens que assistem à versão pirata do filme) se defende em debates pós-sessão, dizendo que "essa visão é reducionista demais, pois os grandes vilões não são os consumidores, mas os "criminalizadores" do consumo de uma erva natural, pois, não a liberando, ganham muito com o status quo vivido por todos hoje, tendo em vista o fato de serem os verdadeiros donos da droga e do poder".
Buscando ser o mais justo possível, ao entrar no debate, é sábio não criminalizar o usuário (nome menos ofensivo e mais aceito do que viciado), mas não há também como negar que é difícil falar sobre políticas públicas antiviolência com um grupo de futuros antropólogos, historiadores, literatos, internacionalistas, cientistas políticos e sociólogos que, de vez em quando, se desfaz para que uma parte possa "fumar unzinho".
É claro que tem "peixe grande" na história do tráfico de drogas e armas. Todo mundo diz isso.
Mas, infelizmente, ninguém consegue provar nada. Não se prende um político ou membro de ministério, que são os que muitos dizem que "participam mais fortemente do jogo". O que se pode provar, por enquanto, é que a classe média vive subindo o morro para deixar alguns reais e descer com uma quantidade de maconha e cocaína. Isso é fato. Nas universidades isso é cotidiano.
O que se pode provar é que a droga faz mal, sim, à saúde do usuário. Mesmo sendo uma erva natural, como no caso da cannabis sativa.
Todavia, e enquanto sociólogo, não há como fugir do debate sobre a descriminalização do uso de algumas drogas. Mas é importantíssimo que se admita que tal liberalização atenderá a uma parte bem pequena da população e, mais uma vez, será aquela interessada em si e no que pode e quer consumir. Claro que existem também interesses medicinais - e ainda outros mais - na utilização da cannabis, mas, admitamos, boa parte dos que clamam por isso só ganha existência quando dos momentos de pleitos eleitorais.
Mais um vez, terei de defender a tese que não quer calar; o brasileiro é extremamente conservador e, politicamente, de centro. Assim sendo, temas como aborto, união civil de homossexuais e a até aqui discutida liberalização das drogas terão de esperar a mudança do fato social para conseguirem se estabelecer. Até que isso aconteça, terão de se contentar com a denominação outsider.
No final das contas, então, o que se pode dizer é que todas as partes têm culpa; usuários, traficantes, polícia, governos, etc.
Acontece que várias dessas personagens estão fora do alcance de nossa "fome de mudança". Mas, a começar em nós, classe média universitária, bem que a coisa poderia começar a melhorar. Afinal, a gente só consegue mudar o mundo se conseguirmos mudar a nós mesmos. E não é tão difícil assim; é só parar de consumir, ganhando noção da rede cruel que o "unzinho" tem criado, ou fumar e cheirar menos, o que já ajuda bastante.
Agora, o que resolve mesmo o problema do Brasil é seguir a Elisa Lucinda, "só de sacanagem".

liberdade, beleza e Graça...