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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

"Lugar de negro é na igreja"

Sei que o título dessa reflexão poderá gerar alguma polêmica. Porém, inicio a mesma apresentando-me como membro de uma sociedade estruturalmente racista, e também como fruto do amor de um negro jungido à paixão quase religiosa de uma branca. Sou, portanto, um mestiço. Não vou dizer que não sou racista, pois acredito que no nosso país - claro que muito erroneamente - pensa-se que "o racista é sempre o outro". Assim, confesso que participo de uma estrutura racista em alto grau. Não defendo, então, que o racismo está apenas fora de mim, no outro. Digo que está na estrutura social, conseguindo afetar a todos em maior ou menor grau.
Contudo, já se pode afirmar - e com boa base empírica - que a negritude não se pode medir mais apenas pela distância maior ou menor "da cozinha". Se outrora foi quase um crime dizer que alguém tinha um pé naquele cômodo da casa, hoje pode-se dizer - ao se falar em racismo e negritude - que se tem um pé (na verdade, os dois e o corpo todo) na igreja.
Após uma breve leitura da pesquisa do antropólogo estadunidense John Burdick, sobre os negros e o pentecostalismo, é possível crer que uma alternativa bastante válida para a questão racial no Brasil se apresentou.
Em seu estudo, Burdick entrevistou uma quantidade considerável de homens e mulheres de pele escura - na cidade do Rio de Janeiro e em outras metrópoles brasileiras -, retirando das percepções desses indivíduos respostas bastante relevantes para o debate acerca do preconceito de cor.
No "novo cômodo" utilizado, o negro e a negra conseguiram perceber aquilo que a "democracia racial" teimava em esconder: o Brasil é um país extremamente racista. O brasileiro é racista até não querer mais, confessa isso o tempo todo, mas insiste em afirmar que a máxima sartreana o inferno é o outro também serve para a questão do racismo do povo tupiniquim, já que raramente é possível encontrar alguém que assuma para si uma condição tão socialmente ultrajante e politicamente incorreta. Mas eles existem. Sim, os racistas existem. E, na verdade, não são "eles", somos "nós". Nós existimos.
O novo "espaço do negro", porém, mostrou que há a possibilidade de se solucionar, pelo menos em parte, a questão. A pesquisa de Burdick sobre os negros que aderem às igrejas pentecostais mostra o poder de sociação dessas igrejas, ratificado em frases como: "só depois que entrei para a igreja é que percebi que eu sofria racismo lá fora, no mundo"; "aqui dentro as pessoas não olham para a cor da gente e uma mulher negra arruma casamento fácil com um homem branco"; "a gente tem que olhar para o que a pessoa é e não para a cor da pele dela"; "na igreja eu percebi que não preciso passar henê no cabelo, pois Deus me fez assim e eu sou bonita assim como ele me fez".
Podem parecer frases simples demais, mas, verdade seja dita, tais afirmativas refletem uma cosmovisão que precisa atingir a todos os campos da existência humana. Uma visão de mundo mais humana, menos individualista e segregadora, e muito mais includente.
Todavia, enquanto isso não acontece, não há como negar que só existem duas alternativas para a questão racial no Brasil: ou os negros e negras se dirigem à igreja ou, tristemente, ainda à cozinha.

liberdade, beleza e Graça...