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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

"Se o Cabo Daciolo estiver certo, preciso ainda mais de Deus"

O presidenciável Cabo Daciolo afirmou categoricamente, em debate televisivo, que ganhará a eleição do próximo dia 7 de outubro, impedindo-a inclusive de ter segundo turno. Segundo palavras do candidato do partido Patriota, ele "vencerá o pleito com 51% dos votos válidos, já no primeiro turno". O mais interessante nessa fala de Daciolo é que a mesma é atribuída a um milagre que Deus fará em cima da hora, pois, "assim como colocou um simples cabo dos bombeiros como deputado federal, o colocará agora na cadeira de presidente da nação".

Não sou de fazer desafios e nem de duvidar de coisas sagradas, todavia, entendo que é impossível acontecer o que o cabo afirma que acontecerá. O duro é que, se de fato não acontecer, a imagem de Deus ficará muito "arranhada", já que seria impossível Deus dizer que uma coisa vai acontecer, sendo que a mesma, no final das contas, acaba não acontecendo. Mas isso não é novo, pois o cabo já tinha dito que em nome de Jesus Cristo oraria e a deputada Mara Gabrilli, tetraplégica desde 1994, após acidente de automóvel, ficaria curada em poucos minutos, pois ele se dirigiria a um lugar particular para orar por ela, que se levantaria e andaria logo depois, o que nunca aconteceu. Daciolo defendeu-se, dizendo que "ela vai andar um dia, mas não é agora, pois não é o tempo de Deus".

Assim, a deputada não andou, bem como o cabo Daciolo não ganhará a eleição, pois não é o  tempo para nenhuma das duas coisas, que, no curso natural da vida, deverão nunca acontecer, o que não assusta a deputada, que disse que "está bem resolvida e aprendeu a viver como deficiente". Mas, então, o que acontecerá com Deus? Nada. Deus não está nisso. Falamos e sentimos o que queremos que Deus fale e sinta, mas ele, ao fim e ao cabo, não age como agimos, não sente como sentimos, não faz como fazemos, não pensa como pensamos. Assim, Daciolo sairá da eleição com menos de 1% dos votos válidos, tal como aconteceu com seu colega evangélico, o pastor Everaldo, que, na eleição passada, também apelando ao sagrado para se eleger, ficou com o número pífio de 0,75% dos votos na disputa que agora cabe ao cabo, justificando a tese que defende que, tal como mulher não vota necessariamente em mulher e negro não vota necessariamente em negro, evangélico não vota necessariamente em evangélico, jogando por terra as crenças de Waldomiros e Malafaias. 

Muitos evangélicos se sentirão envergonhados, pois Daciolo, o atual representante de tal segmento social, tem sido mais um motivo de chacota nacional do que uma alternativa para um país chafurdado na descrença em relação à política e aos políticos. No entanto, é preciso fazer algo para "defender o cabo", pois, por mais que isso não seja suficiente para pagar a vergonha em que o mesmo tem se colocado, virando mais motivo de memes do que de reflexão sobre as mazelas do país, Daciolo é coerente com o que crê e pensa, confrontando inclusive a bancada evangélica, uma das mais corruptas da Câmara Federal. 

Se a crítica coerente do cabo não é suficiente para que abramos nossos olhos para o péssimo resultado da mistura entre política e religião no país, ao menos sua ética de convicção, conceito weberiano, nos colocará em compasso de espera, já que,  embora eu divide do que fala e acredita o cabo, pelo menos tenho de ser inspirado pela coerência dele, já que, se o mesmo tiver mesmo razão, o verei presidente a partir do dia 7, o que calará minha boca, boca de um intelectual que terá de admitir que precisa muito de Deus, uma vez que, atendendo ao projeto de nação do novo presidente, estará à espera do segundo grande milagre: a caminhada emocionante e inspiradora de Mara Gabrilli.

liberdade, beleza e Graça...