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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

"Um homem do qual esse mundo não era digno"

O livro bíblico escrito aos Hebreus é uma obra enigmática, começando já pela autoria, de todos desconhecida. Por uns tempos, a obra foi até ignorada pelo cânon do Novo Testamento, já que traz polêmicas em torno da possível perda da salvação, caso o fiel não permaneça firme nos caminhos do cristianismo. Ainda assim, é inegável a contribuição de tal obra para se pensar a questão da fé.

No que a mim se apresenta como o texto mais inspirativo dessa obra, a fala sobre os heróis da fé ganha relevo, trazendo uma frase que toca fundo na alma de qualquer indivíduo: alguns cristãos, mortos após tortura cruel, foram chamados de "homens dos quais esse mundo não era digno". Não sei como um mundo tão belo e vasto pode ser indigno de alguém, mas a verdade é que o texto inspira.

Assim, inspirado pela obra aos hebreus, empreendi-me a tarefa de procurar alguém que não fosse tão distante de mim. Afinal, pouco me dizem Abraão, Sara, Moisés, Davi e os profetas do Antigo Testamento. Para mim, exemplo de fé teria de ser bem mais palpável. Eu teria de conferir-lhe a fé no dia a dia, algo que não posso com figuras bíblicas tão distantes.

Embora tenha conhecido muitas pessoas, e em várias regiões do país, apenas um homem me fez dizer que esse mundo não era digno dele: Jonas Farias. O irmão Jonas ensinou-me tudo o que penso sobre a fé cristã. Acho que nem ele sabia da importância que tinha em minha caminhada. Caminhando com rins secos por vários anos, e numa imensa fila de espera, Jonas Farias teve um transplante negado, já que uma cirrose faria com que os médicos "jogassem bons rins fora, caso os transplantassem nele". Uma frustração que não se consegue explicar e nem aceitar. Ele entendeu, ficando sem rins que funcionassem pelo resto da vida, e isso por mais de vinte anos.

Quando, graduando em Teologia, tive minha crise de fé, ao ver a Bíblia ser dissecada pelas ciências humanas, foi o irmão Jonas que, com apenas uma frase, deixou-me tranquilo da vida, e até hoje: "A Bíblia não é um livro de ciência, meu filho; é um livro de fé". Tal frase tinha a potência que faltava aos teólogos e exegetas adeptos das chamadas crítica da forma, da tradição e da redação, ainda que o autor da mesma fosse um homem simples e com pouco estudo. 

Jonas Farias faleceu sem que o mundo o conhecesse. Morreu anônimo para quase toda a população desse país. Todavia, inundam-se-me os olhos ao lembrar que vizinhos - que nem eram da mesma expressão de fé - faziam questão de gastar sua gasolina para levar aquele homem franzino na clínica de diálise. Do mesmo modo, choro ao lembrar que outros pacientes renais crônicos disputavam cadeiras na mesma sala daquele homem, já que, "após a oração e com a presença dele, parecia que a dor era menor". 

Jonas Farias aparece em várias das minhas mensagens pregadas, ainda que tenha falecido sem saber disso. Morreu sem saber da importância que tinha para minha trajetória de vida e de fé. Partiu para Deus sem saber que aquele menino perdido que lhe frequentava a casa venceu na vida e nunca se esqueceu dele, orando por sua saúde todas as manhãs e falando dele em praticamente todas as mensagens onde a fé era tema principal. Jonas Farias morreu sem saber a falta que fará para mim, pois, se para o mundo é apenas mais um que completa um ciclo na terra, para mim é o único homem que conheci pessoalmente e do qual posso falar sem qualquer dúvida: "Eis aí um homem do qual esse mundo não era digno".

liberdade, beleza e Graça...