Toda grande tragédia tem um particular modo de se apresentar: primeiro vêm os números, depois vêm os rostos, depois vêm as histórias. Na madrugada de ontem, dia 27 de janeiro, mais uma delas, infelizmente, ocorreu; trouxe números (assustadores demais até), trouxe rostos (belos demais até), trouxe histórias (ávidas de vida demais até). Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, uma boate superlotada recebia o show de uma banda regional. Segundo informações dos mais variados meios de comunicação, havia gente demais, material anti-incêndio de menos (na verdade, os extintores estavam vazios e não havia saída de emergência), artefatos inflamáveis para todos os lados, do teto ao chão, e havia, também, um miserável sinalizador; uma espécie de fogo de artifício incumbido de trazer "efeitos especiais" aos olhos dos presentes.
O "se" apareceu, como sempre, na tentativa de se buscar os culpados e de se evitar o que não pode mais ser evitado. "Se os seguranças não tivessem travado as portas, para que não se saísse sem pagar, as pessoas poderiam ter saído com vida"; "se a vigilância do poder público funcionasse em casas privadas, aquela boate nem estaria aberta, já que estava em situação demasiado irregular"; "se os fogos de artifício fossem proibidos em lugares fechados, isso não teria ocorrido aqui, assim como não teria ocorrido em várias partes do mundo, onde o mesmo tipo de tragédia já ocorreu". Com dor no coração, e também participando da indignação que a todos toma, é preciso ser forte para afirmar que, pelo menos para Santa Maria, o "se" não pode ajudar em mais nada, uma vez que mais de duzentos e trinta caixões desceram à cova hoje, subvertendo uma ordem que ninguém gosta de ver subvertida: os pais, com corações arrebentados e com interrogação surda no olhar, enterrando seus muitos e jovens filhos.
Da indignação ao ódio; do sentimento de perda - que jamais conseguiremos compartilhar totalmente com as famílias enlutadas - à busca por um lampejo que possa trazer esperança, fica a tentativa de cavar, decepcionado, no vernáculo, algo que possa expressar o tamanho do rombo no peito, a quantidade de peso que se perde em líquido. Sem sucesso, só a poesia de um também jovem, também gaúcho, Fabrício Carpinejar, para tentar dar alento: "Morri em Santa Maria hoje/ Quem não morreu?/ Morri na Rua dos Andradas, 1925/ Numa ladeira encrespada de fumaça". Estamos em luto.
liberdade, beleza e Graça...
Ps: Queria que a postagem de número 100 deste blog fosse sobre algo feliz. Não deu.
Ps: Queria que a postagem de número 100 deste blog fosse sobre algo feliz. Não deu.