Quem sou eu

Minha foto
Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

"Meu segundo discurso como patrono de turma"

Queridas e queridos estudantes, na minha terra, quando a gente convida alguém para ser patrono, essa pessoa não fala na formatura. Assim, se fosse na minha terra, a paraninfa falaria a vocês hoje, mas eu ficaria calado. Ainda bem que não estamos na minha terra. É que eu gostaria muito de dizer-lhes algumas palavras nessa noite. Ah, mas, por outro lado, na minha terra o patrono dá nome à turma. Assim, vocês não seriam mais o 3A, mas a turma Professor Cleinton Roberto de Souza. Nesse sentido, eu prefiro a tradição da minha terra. Não por questões de vaidade, mas porque seria uma honra imensa ter meu nome atrelado a essa turma. É uma grande turma para se ser lembrado por ela, para se ter o  nome ligado a ela. Eu vou sentir falta de vocês. 

Sabe, meninos, existe uma passagem bíblica em que o apóstolo Paulo escreve ao povo de uma cidade chamada Corinto, e nessa passagem ele afirma que entregou a eles, os coríntios, a mesma coisa que ele, Paulo, tinha recebido de Jesus, seu mestre. Diz assim: "Porque eu recebi do Senhor o que também lhes entreguei", e prossegue falando sobre a última ceia de Jesus na terra, momento que retratou a comunhão entre um mestre e seus discípulos. Acho que hoje é a nossa última ceia. Quando eu lembro dessa fala de Paulo, desse versículo bíblico, eu lembro de mim e de vocês; da relação que conseguimos construir em dois anos e meio, já que cheguei a vocês apenas no meio do primeiro ano desse seu Ensino Médio. 

A razão de pensar nisso diz respeito a uma frustração que tive. Isso porque eu não posso afirmar, como o apóstolo Paulo, que entreguei a vocês o que também recebi, pois não tive professores que olhassem a educação em Filosofia e Sociologia como eu olho. Como é sabido de vocês, quando eu estava no Ensino Médio, a gente jogava bola no horário dessas aulas, ou as mesmas eram apenas espaços para que cada um desse uma opinião pessoal sobre algum tema social, ganhando todos a mesma nota 8, independentemente da resposta dada. Não entendo porque 8 até hoje. Mas entendo que aquilo não era educação. Não pensaram em mim. Não pensavam nos estudantes. Por isso, nesses dois anos e meio, não lhes entreguei o que também recebi, pois não recebi. Precisei começar do zero. Entregar algo que não me tinha sido anteriormente entregue. Eu precisava criar algo, inventar um jeito de entregar o conhecimento que eu achava que vocês mereciam receber. E foi o que eu tentei fazer nesse pequeno espaço de tempo. Só vocês podem dizer se tudo deu certo. 

A vida, meninos, é feita de encontros. E de despedidas. Se a gente aproveitar o encontro, se a gente viver muito o momento, com todas as forças, a despedida é leve, e é como algo mágico; é como algo sagrado. Eu quero que essa noite seja mágica, que seja sagrada para cada um de vocês. Costumo dizer que quando a gente coloca alguém como uma pessoa que tem algo a nos dizer, e que nos ensina algo, quando a gente estabelece uma relação de ouvir o que alguém tem a dizer, a gente sacraliza o chão entre nós e essa pessoa. Eu quero agradecer a cada um de vocês por terem feito isso. Encontrei bons ouvidos em vocês. Vocês tiveram a humildade de ouvir um cara que chegou com o bonde já andando, que caiu meio que de paraquedas no meio de vocês, e vocês sacralizaram o nosso chão. 

Nessa noite tão especial de comemoração, de festa e de luz, a única certeza que tenho é a de que não me economizei em nada para com vocês. Dei tudo o que eu tinha para ser o melhor professor possível e, se não consegui ser melhor, é porque não sei ir além do ponto em que chegamos juntos, pois, se eu pudesse entregar mais de mim, podem ter certeza, eu de todo o teria feito. E essa minha vontade de entregar tudo o que eu pudesse lhes dar para a melhor formação possível me faz lembrar de uma cena maravilhosa no final do filme "A lista de Schindler", em que o protagonista, Oscar Schindler, se encontra com as 1200 pessoas que ele conseguiu salvar da morte pelos nazistas. Mas, ao contrário de comemorar a vida daqueles 1200 judeus, Schindler percebe que ainda usava um relógio e um anel. Olhando para si e para o que ainda possuía, Schindler diz: "Eu fiquei com esse anel; eu poderia ter salvado mais uma pessoa. Eu fiquei com esse relógio; talvez eu conseguisse salvar mais uns 5 ou 10". Consolado por aqueles que livrou da morte, Schindler ouve: "Você fez o melhor que pôde; estamos vivos, e somos 1200".

Queridos estudantes, metaforicamente falando, chego a essa formatura sem relógio. Chego sem anel. Eu entreguei tudo o que pude; não guardei nada. O que tinha de Filosofia, foi. O que tinha de Sociologia, foi. Não me economizei em nada. Tenho a paz de consciência de poder falar "porque eu lhes entreguei aquilo que nem eu mesmo recebi". E sem nenhum arrependimento. Podem ter certeza, fi-lo cheio de alegria e na certeza de que meu compromisso, que é com a educação pública, gratuita e de qualidade, e para todos, foi cumprido ao máximo, à risca. Enfim, tenha a plena convicção, turma Professor Cleinton Roberto de Souza, se eu pudesse, se eu soubesse fazer melhor, eu teria feito; eu teria lhes oferecido algo ainda melhor. Porque vocês sempre fizeram por merecer. "Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria. Isso pra mim é viver". Muito obrigado.

liberdade, beleza e Graça...