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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

"Três crianças de uma sociedade que faliu"

Numa semana, uma adolescente foi estuprada por um grupo, que pode ter chegado a trinta pessoas. Na outra, um menino de 11 anos foi morto pela polícia militar de São Paulo, baleado na cabeça. Noutra semana, ainda, um adolescente funkeiro, concedendo uma entrevista, disse que, se a jornalista quisesse, ele a poderia estuprar, "quebrando-a ao meio", num motel, tão logo a entrevista terminasse.

Ao pensarmos sobre a mentalidade dos brasileiros, podemos ter a temática da infância como algo a nos mostrar quem somos e o que temos como caro em nossa sociedade, o que nos levará, infelizmente, à conclusão de que nossa sociedade faliu há tempos. Isso porque a forma como as histórias narradas acima são apreendidas e "justificadas" pelos cidadãos brasileiros tem a capacidade de nos chocar ainda mais do que as próprias histórias. 

O machismo nosso de cada dia faz com que as redes sociais virtuais apresentem "justificativas" para o estupro coletivo acontecido no Rio de Janeiro, uma vez que a "culpa" pode ser pelo fato de a menina ser funkeira, usar roupa curta, topar sair com gente que frequenta baile funk, aceitar transar na casa do namorado etc. Por outro lado, também se consegue "justificar" o tiro na cabeça de um menino de 11 anos, já que "a cidade precisa se livrar da criminalidade" e de crianças que "não terão mesmo futuro", fazendo a polícia o "serviço que precisa ser feito", a fim de limpar a cidade, proporcionando uma vida melhor aos "cidadãos de bem". Do mesmo modo, perceber que, ao propor estupro a uma profissional em plena atividade laboral, um adolescente pode receber o título de "viril" e "símbolo sexual", também mostra o adoecimento de uma sociedade que não sabe mais para onde caminha.

Embora tenha ficado cada vez mais difícil falar em "coisas de antigamente", ser conservador ainda tem seu lugar, sobretudo pela necessidade de não se aceitar passivamente a falência de uma visão totalizante, pelo menos em termos éticos. Isso porque é impossível acessar com precisão a visão fragmentada de sociedade da chamada pós-modernidade, bem como ter clareza sobre a vida a ser vivida, após a leitura pós-estruturalista (com as inerentes dificuldades em se apreender a fluidez e a liquidez do mundo atual), sem que se veja tentado a voltar aos tempos em que uma visão mais englobante, socialmente compartilhada, determinava o que era uma família e o que significava o certo, o justo, o adequado, o belo.

Na fragmentação e liquidez da época atual, envolvida em redes sociais virtuais, perdemo-nos em narrativas que não se conseguem firmar para além de 144 caracteres, fomentando uma sociedade monossilábica, onde exigir uma explicação que justifique as escolhas se tornou motivo de revolta, quiçá, de chacota. Afinal, todos os posicionamentos parecem ser corretos, ainda que não se possa embasar a muitos deles em dados e com um mínimo de historicidade e ética. Por conta disso, então, o foco sempre estará na possibilidade de não se ter foco ou base argumentativa para o que quer que seja, o que nos leva a analisar "os motivos que a garota deu para o seu próprio estupro", "a vida sem futuro que o menino baleado já levava" e a "inspiração viril" do sex symbol do funk, Mc Biel.

liberdade, beleza e Graça...