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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

"Do direito e da coragem de ser"

Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei nº 5.003, de 2001, da deputada federal Iara Bernardi (PT-SP), que "determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas". É o conhecido projeto contra a homofobia.
Como justificativa, o projeto defende que "a orientação sexual é direito personalíssimo, atributo inerente e inegável à pessoa humana. E como direito fundamental, surge o prolongamento dos direitos da personalidade, como direitos imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e igualitária. Não trata-se aqui de defender o que é certo ou errado. Trata-se de respeitar as diferenças e assegurar a todos o direito de cidadania.Temos como responsabilidade a elaboração de leis que levem em conta a diversidade da população brasileira. Nossa principal função como parlamentares é assegurar direitos, independentemente de nossas escolhas ou valores pessoais. Temos que discutir e assegurar direitos humanos sem hierarquizá-los. Homens, mulheres, portadores de deficiência, homossexuais, negros/negras, crianças e adolescente são sujeitos sociais, portanto sujeitos de direitos".
É fundamental, para o enriquecimento do debate, que se volte um tanto no tempo para que, chegando-se à Revolução Francesa, se consiga acessar a tentativa de aplicação do tripé do pensar dos filósofos da política, chamados de contratualistas.
Pensadores como Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau contribuíram em demasia para a instauração do sonho revolucionário da liberdade, igualdade e fraternidade.
A fraternidade, sabido é, é o mais distante dos sonhos, sobretudo em uma sociedade individualista, desigual e corrupta como a brasileira. Ser fraterno, na verdade, tornou-se um expediente obsoleto; tornou-se notícia de jornal ou é coisa para apenas uma semana no ano; a semana da Campanha da Fraternidade, da CNBB.
É melhor, portanto, que esse texto fique atrelado apenas à controvérsia entre liberdade e igualdade, já que é disso que, em última análise, se trata o tal projeto de lei, tema da discussão que se pretende estabelecer aqui.
Muito grande é a discussão em Ciência Política sobre até onde a igualdade interfere na questão da liberdade dos indivíduos. Sempre foi uma grande preocupação dos “amantes da democracia” a forma como a igualdade nos países comunistas, como Cuba, por exemplo, acaba por cercear a liberdade individual. Não se poderia ter e ser o que se quer, pois é preciso que todos sejam iguais, tendo direitos iguais.
O projeto de Iara Bernardi, portanto, lança forte luz sobre uma discussão que parecia “sem importância”, mas que é fundamental para que se pense a formação da sociedade brasileira.
É legítima a defesa de direitos iguais para todos. Todavia, é imprescindível que a igualdade de direitos não afete a liberdade de pensamento e escolha.
A liberdade dos gays, lésbicas, trans e pans sexuais não pode, em hipótese alguma, cercear o direito das pessoas que pensam de forma diferente e que gostariam de ter a liberdade de continuar a pregar o que a Bíblia diz, por exemplo, no particular dos evangélicos, grandes “vilões” na história que se estabeleceu desde a criação do projeto de lei da deputada petista.
O tema é delicado demais, mas, à luz dos dizeres de um desses movimentos gays, o argumento de que "até algum tempo atrás, para encontrar amigos e namorar sem serem molestados, gays e lésbicas confinavam-se em um trecho de praia ou em pequenos bares, saunas ou cinemas localizados nos centros das grandes cidades brasileiras. Tais lugares sempre funcionaram para os homossexuais como espaços de proteção contra a homofobia", mostra que o que se pretende é o direito da manifestação pública da opção sexual.
É importantíssimo que se diga que o que impede a manifestação de amor de pessoas de tais movimentos não é uma lei qualquer, mas uma coercitividade de mais um fato social. Na verdade, em alguns locais, como o bairro de Ipanema, por exemplo, tal fato social não tem esse poder de coerção, uma vez que, por lá, o fato já é outro.
O melhor, portanto - e na opinião particular deste autor, claro -, é esperar que o tempo traga a mudança do fato social que tem impedido tais manifestações, pois, se a “barra for forçada” antes que a sociedade absorva o novo fato - que logo virá, é óbvio -, um grande retrocesso se dará em uma sociedade que não é a melhor do mundo, mas tem conseguido absorver, aos poucos, as suas grandes diferenças.
Lembrando, é claro, que, uma vez que a busca é pela manifestação pública de um pensamento diferente, é bom que se comece a pensar no “direito de manifestação pública” também dos nazistas, racistas e outros que, pensando de formas bastante diferentes, têm também - seguindo-se a lógica do pensamento apresentado até aqui - o direito de ser e de se manifestar.

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quinta-feira, 19 de julho de 2007

"A velocidade; no vôo e no Pan"

Os Jogos Pan-Americanos e o acidente com o vôo 3054 da Tam conseguiram, em um mesmo momento, contrapor glória e tragédia, dando significados bastante diferentes para uma mesma palavra; velocidade. As disputas que acontecem no Rio de Janeiro e a tragédia ocorrida em São Paulo fizeram com que as duas maiores cidades do país buscassem por respostas antagônicas em um mesmo conceito. A velocidade deveria ter sido menor em São Paulo e sempre poderá ser maior, nesses dias de jogos, no Rio de Janeiro.
Por ter sido alta demais, perderam-se muito e muitos na maior cidade brasileira. Por conta de ser baixa demais, a velocidade sempre ratificará a recusa da melhor medalha, na atual capital esportiva da nação.
Entre uma e outra, é claro que, por conta dessa tal velocidade, a dor sempre será maior para aqueles que não terão mais a oportunidade de encontrar a calmaria e o remanso dos braços da família. O outro lado, por conta das novas oportunidades que a vida sempre dá, terá outras grandes chances de ser mais rápido e eficiente.
O mais difícil, ao se lutar contra o relógio, é que não se tem o direito de curtir a dor, pois o mundo pede agilidade no esquecimento das tragédias, além de grande poder de superação, apesar de toda dificuldade que esses momentos impõem. A luta das duas cidades é contra o tempo agora. Mas de formas bastante diferentes, claro.
Só que é preciso parar. É necessário que se pare um pouco para pensar no que tem acontecido. É urgente que se pense nas prioridades que a nação tem, pois, sabido é, as melhorias no setor aéreo brasileiro não puderam retirar nenhuma parte dos 3 bilhões de reais que os jogos precisavam receber. Como se não bastasse, a tragédia fora anunciada por uma outra poucos meses antes. Só que agora, aos olhos do poder público nacional, a tragédia com o vôo 1907 da Gol parece ter se tornado “apenas a segunda”.
Em São Paulo, uma reforma decente e completa na pista do Aeroporto de Congonhas “daria muito prejuízo”. A melhoria no quadro de funcionários e melhores condições de trabalho e salário para os controladores de vôo também sairiam muito caro.
Em contrapartida, no Rio de Janeiro, segundo denúncia da revista Caros Amigos, um orçamento de 720 milhões pode chegar aos 3 bilhões sem problemas. A contratação de uma empresa de segurança para os jogos pode ser sem licitação. A empresa organizadora pode pertencer ao presidente do COB, sem dificuldades. Contratar familiares do mesmo Carlos Arthur Nuzman, sem licitação, para o figurino dos atletas, e outros familiares, com um contrato de 720 mil reais, só para dar a idéia de como seriam as medalhas, também está “dentro da conformidade”. Gastar 22 milhões do dinheiro público em passagens para cartolas dos comitês pan-americanos também é “bastante natural”. Negociar 20% “por fora” com uma empresa de alimentação francesa, pareceu também um “bom negócio”, mas foi melhor não expor tanto o presidente do COB.
Talvez fosse, por tudo isso, necessário instaurar uma CPI do PAN e tentar fazê-la andar lado a lado com a CPI do apagão (da catástrofe e do caos) aéreo. Mas, se isso ocorresse mesmo, quem garante que tal Comissão Parlamentar de Inquérito não seria presidida pelo Renan Calheiros?
O melhor, enfim, é chorar junto. É respeitar o luto dos que sofrem com a velocidade alta do pouso em Congonhas e extremamente baixa do governo em oferecer respostas. Além disso, é pedir, do Altíssimo, misericórdia, pois, para assuntos como esses, o governo dessa nação parece ser e estar totalmente impotente e desacreditado.

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quarta-feira, 11 de julho de 2007

"Sobre as declarações do Vaticano e um pouco de Teologia"

A Congregação para a Doutrina da Fé, responsável pela tutela da doutrina e da moral católico-romana, afirmou em documento oficial essa semana que “a igreja católica romana é a única igreja de Cristo”. As outras, fora da égide papal, seriam “apenas comunidades eclesiais”.
Os assuntos teológicos são sempre muito áridos, mas tentarei ser o mais claro e acessível possível, entendendo que esse espaço é feito para leigos em busca de alguma reflexão, e não para especialistas em Teologia ou outra área qualquer.
Lançando mão da língua grega (o Novo Testamento foi escrito nessa língua e em aramaico, e não em latim), trago à luz um dos textos-base para um eventual papado começado em Pedro, o apóstolo. O texto traz Jesus afirmando “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (São Mateus 16:18).
O grande problema é que o catolicismo romano não usa a língua original, mas uma tradução para o latim, feita por um seu adepto, São Jerônimo. Na tradução, Jerônimo não diferencia, no dito de Jesus, a relação entre duas palavras gregas: petrus (pedregulho) e petra (rocha). Jesus, ao ouvir de Pedro, no verso anterior, que ele, Jesus, era o Messias, o filho do Deus vivo, responde: “tu és um pedregulho, e (ou mas) sobre esta rocha edificarei a minha igreja (...) e te darei as chaves do Reino de Deus...”.
O texto em questão oferece, na tradução direta, pelo menos, três possibilidades. Primeira: Jesus estaria dizendo que sobre a rocha - que seria a declaração de Pedro de que Jesus é o Cristo, filho de Deus - ele edificaria a sua Igreja. Assim, a verdadeira Igreja de Cristo seria constituída daqueles que fizessem tal declaração. Segunda: Jesus estaria falando que sobre si mesmo seria edificada a sua Igreja, uma vez que ele é chamado em todo o texto sagrado de petra, rocha, e o texto está propondo um antagonismo com petrus, pedregulho, que seria o substantivo referente ao apóstolo. Terceiro: Jesus estaria dizendo que sobre Pedro estaria sendo edificada a Igreja, já que tal Igreja seria composta de gente como o apóstolo. Importantíssimo lembrar que é como o apóstolo e não pelo apóstolo, que é apenas um petrus. A edificação seria pela petra, o próprio Jesus.
Aliado a isso, surge a informação, logo na seqüência do texto, de que as chaves do Reino seriam dadas a Pedro. Tal informação, porém, não reflete apenas a tão difundida idéia de poder, tão querida pelos católicos, mas também a idéia de que Pedro estaria ganhando a salvação. A chave de entrada no Reino, portanto, lhe estaria sendo dada. Por conta da tal declaração, que reconhecia Jesus como o Messias de Deus, Pedro estaria ganhando a chave para entrar e não a incumbência de “ficar à porta”, julgando quem entra e quem não entra, como quer o exclusivismo católico.
Lembro, ainda, que o catolicismo chegou a ter três grandes bispos ao mesmo tempo e que o exclusivismo da cúria romana só surgiu em definitivo com o cisma, após o século X da era cristã, mas esboçado, na pessoa de Leão I, e ratificado em Gregório I, já nos séculos V e VI, respectivamente.
O papado, como o conhecemos hoje, nada tem a ver, portanto, com uma seqüência cronológica que vigoraria desde Pedro, uma vez que só foi instalado em 1054, quando do cisma com a parte oriental da igreja católica, os ortodoxos.
Após a declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, então, não posso deixar de dizer que houve um grande retrocesso no diálogo que poderia se estabelecer entre os cristãos, e que foi tão incentivado no Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965, quando se estabeleceu a possibilidade da tolerância.
Entendo, por tudo isso, que a verdadeira Igreja de Cristo é aquela composta de gente que declara Jesus como o filho do Deus vivo; de gente que, após tal declaração, ganha as chaves do Reino; e daqueles que se entendem meros pedregulhos, carentes da ação tolerante da Rocha, que é o próprio Cristo.
Creio que de todos os povos, línguas e nações virão pessoas para a composição de tal Igreja. E, pelos ditos, práticas e caráter de Jesus, creio também que só poderiam ficar de fora aqueles que ratificarem as besteiras infelizes e intolerantes, defendidas pelo Vaticano e pelo meu colega de vocação, Joseph Ratzinger, também conhecido como Bento XVI.

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quinta-feira, 5 de julho de 2007

"De Renan Ca(na)lheiros e Joaquim Hor(roríz)vel"

A Bíblia traz a história de uma mulher pega em adultério. O desfecho de tal episódio é curiosíssimo; Jesus, ao ter a palavra, diz aos homens, já prontos para apedrejar: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”. Conta a Bíblia que, um a um, foram saindo todos os acusadores e a mulher ficou só, à espera da sentença do mestre. Jesus a dispensou em paz, aconselhando-a a não pecar mais, e dizendo, ainda, que, se os outros não a estavam acusando mais, tampouco ele o faria.
Esse texto bíblico me veio à mente nesses dias em que o Senado Federal está em polvorosa com o seu presidente chafurdado em denúncias de corrupção. O que mais chamou a atenção nas reportagens a respeito foram algumas frases antológicas de Renan Calheiros: “Do Senado eu não arredo o pé”; “Renúncia é uma palavra que não existe no meu dicionário”.
Só essas duas frases já seriam suficientes para que se conseguisse enxergar o espírito de coronelismo que vigora desde sempre na política nacional brasileira. Mas, para piorar, e também para enriquecer o debate, eis que Calheiros - com os olhos fitos nos colegas de Congresso Nacional - diz: “Minhas vísceras estão sendo expostas aqui. Mas eu não permitirei que as vísceras dos nobres senadores e do Senado Federal dessa República sejam expostas!”.
Embora esse pareça um gesto heróico de um mártir à beira da morte, por trás das palavras do senador as entrelinhas falam alto: “Estou aqui, acusado de adulterar na minha função nessa República, mas aquele dentre vocês que não tiver pecado, que me atire a primeira pedra”. Tal como no episódio bíblico, um a um, foram saindo todos os acusadores de Renan Calheiros e, logo no dia seguinte, os jornais estampavam manchetes dizendo que os parlamentares não encontraram razões fortes o suficiente para pedirem a renúncia do presidente do Senado. E, se não falaram “não peques mais”, ao menos disseram “vá, ou melhor, fique em paz”. Todos parecem, portanto, ter muitos “pecados”.
Outro senador, Joaquim Roriz, que já renunciou, disse que ao negociar 2,2 milhões em um telefonema com outro elemento “do bando”, o fez “apenas comprando um bezerro”. Foi descoberto, portanto, o paradeiro do bezerro de ouro, adorado como deus, na história do êxodo do povo de Israel, também encontrada na Bíblia. Os senadores, nesses tempos, me parecem “bastante bíblicos”.
Renan Calheiros é acusado de pagar pensão alimentícia - para sua filha com a ex-amante - e contas pessoais com dinheiro de uma empreiteira que presta serviços para o governo, o que é ilegal. É também acusado de utilizar notas frias para comprovar sua receita de venda de gado em Alagoas, o que também é ilegal. É ainda acusado de enriquecimento ilícito - em 1978 ele declarou suas posses: na época só possuía um fusca. Já nos dias de hoje...
O P-SOL promove uma campanha em nível nacional chamada “Fora Renan!”, e o senador, apesar de dizer “estão querendo assassinar a minha honra”, não permite que suas contas sejam vasculhadas para que as provas de todas as acusações sejam ou não encontradas.
Portanto, ou a sociedade civil faz um grande barulho para que as acusações sejam apuradas com rigor e ética, e impõe a palavra renúncia ao dicionário do presidente do Senado, ou no vocabulário de toda a nação começará a ganhar espaço uma nova palavra: a corrupta, corruptora e infeliz “renância”.

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