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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

"Sobre o meu grande amigo Guilherme e sobre a grande tia Zélia"

Escrevo esse texto chorando. Coração arrebentado. Inconsolável. Hoje eu não sou nem pastor, pois não tenho como confortar ninguém. E, como no Salmo 77, minha alma recusa consolo.
Escrevi sobre o caso João Hélio um dia desses. Na ocasião, defendi que às vezes a situação de violência não nos afeta tanto, pois, como cariocas - e brasileiros como um todo -, temos a nossa sensibilidade mortificada a cada dia, e só sofremos duramente as mazelas que atingem a nossa sociedade quando o caso é perto de nós.
Essa semana o caso foi perto de mim. Assaltantes entraram na casa de um grande amigo meu; Guilherme, estudante brilhante de História, aluno em minha sala duas vezes por semana. Amigo de longas conversas nos corredores da Universidade - tinha uma curiosidade fascinante por Teologia, o que me deixava por vezes sem almoço, mas feliz, por tentar responder. Guilherme tinha ouvidos dos melhores. Sabia escutar. Sabia falar. Sabia escrever. Sabia fazer sorrir. Hoje, sem querer, e infelizmente, mostrou que sabe também fazer chorar.
O Guilherme foi assassinado brutalmente no assalto à sua casa, na segunda-feira última. A gente teria aula juntos na terça e na quinta. Não as teremos. Com a presença do Guilherme, não as teremos nunca mais.
Na madrugada de terça, faleceu a tia Zélia; senhora prestativa que sempre ajudou na recepção dos cultos de nossa igreja - durante a semana - e na assistência social da comunidade, enquanto a saúde permitiu. Os dois derrames, a parada cardíaca e a idade de 75 anos, fizeram com que fosse mais fácil aceitarmos tal perda. Fomos perdendo a tia Zélia aos poucos. Aos poucos aceitando o choro. Não teremos mais a tia Zélia, mas sabemos que ela está na portaria do céu, distribuindo folhetos a todos os que chegam para o “Culto do meio-dia celeste”. Conforto.
Quanto ao Guilherme, não há conforto possível. Deus não me tinha preparado previamente. Não havia nenhum sinal.
Penso sempre, em relação aos assaltantes, que não existem motivos para atirar. Era só levar tudo e deixar a paz voltar. O que a gente perde, a gente compra de volta um dia. “Pode levar, moço, pode levar tudo!”.
Meu amigo lia todos os meus textos. Tinha excelentes críticas a respeito. Ponderava sempre. Ajudava demais. Eu mudava os textos por causa dele. Opinião precisa. Sábia. Sábio.
No dia do meu concílio e ordenação ao Ministério Pastoral, um dos mais importantes da minha vida, lá estava o Guilherme, marcando presença em uma data em que muitos dos meus familiares e amigos não compareceram. Foi o primeiro a chegar. Chegou antes de mim até. Ficou, como sempre, ao lado do Luis Carlos, outro grande amigo que chora muito nesse momento de dor incessante.
Um dia mandei-lhe um sermão meu na íntegra. “O mal do século”, baseado no Salmo 77, da Bíblia Sagrada - ele respeitava o fato dela ser sagrada para mim. Acabou por tornar-se sagrada também para ele, uma vez que todos os meus argumentos baseados nela, eram sempre bem aceitos por meu grande e compreensivo amigo.
O Salmo 77 fala sobre um conforto que precisa vir, mas não vem. Fala de uma tristeza infinda. Fala de mim. De nós os que sofremos pela perda do amigo. Hoje o Guilherme não precisa do Salmo, pois Deus o conforta com os próprios braços. Eu preciso do Salmo. Li-o. Novamente o leio. Espero para mim o conforto que o salmista recebeu ao se lembrar dos feitos do Senhor. Sei que a alegria virá. Eu conheço Deus. Eu acredito em Jesus.
Eu escreveria sobre o Renan Calheiros essa semana, mas, perto do Guilherme e da tia Zélia, eu o conheço como nada.

liberdade, beleza e Graça...

quinta-feira, 21 de junho de 2007

"Sobre a miss universo e sobre o padrão de beleza imposto"

A eleição da Miss Universo 2007 foi mais um desses ricos momentos para se pensar a questão do outro enquanto “igual” ou “diferente” de nós.
Natália Guimarães, a Miss Brasil, segunda colocada no concurso no nível mundial, tinha tudo para levar a fatura; é uma linda mulher, tem todo o “padrão de beleza” aceito mundialmente e concorria com uma japonesa, cuja beleza o Ocidente não aprendera ainda a contemplar.
O que parecia um simples concurso de belas mulheres passou a ser material para ricas análises antropológicas, sociológicas e políticas.
Pensando-se em termos antropológicos, a relativização de padrões e conceitos que antes eram diferenciados e diferenciadores, em uma linha evolutiva, e que culminavam na cultura ocidental judaico-cristã, passou a ceder espaço para que outras formas de cultura e saber - no caso, a beleza dos orientais - galgassem a posição de padrão mundial.
Pensando-se em termos sociológicos, é curioso perceber como o Mercado - essa maldita e etérea instituição - tem ditado regras e concepções que, “politicamente corretas” em suas vontades e pensamentos, conseguem homogeneizar uma nova maneira de pensar. Afinal, é politicamente correto votar na japonesa, não porque ela é uma linda mulher, mas porque “é preciso abrir mercado consumidor entre os orientais, que não abrem mercado por quase nada nessa vida”. Assim, a eleição de Riyo Mori para o posto de “mulher mais bonita do mundo” (aspas minhas, afinal, a mais bonita tem de ser a da gente) não deixou de ter sorrisos amarelos e de canto de boca, daqueles que não conseguem enxergar a si mesmos no outro e ratificam o senso comum que diz: “mas japonês, chinês e coreano é tudo uma coisa só!”. Em termos sociológicos, portanto, parece existir uma força maior do que nós e que nos obriga a seguir novas regras, mesmo que, ao fim e ao cabo, com elas não concordemos.
Pensando-se em termos políticos, enfim, foi demasiado curioso ver a Miss Estados Unidos ser vaiada o tempo todo, enquanto desfilava - chegando a escorregar na passarela -, por uma platéia que, enquanto nação (o concurso aconteceu no México), não perdeu a oportunidade de mostrar a sua insatisfação em relação à política externa estadunidense, sobretudo em relação ao povo mexicano, seu vizinho fronteiriço.
Talvez seja também por conta de questões antropológicas, sociológicas e políticas que as palavras e o caráter de Jesus - um beduíno dos desertos do Oriente Médio - não surtam tanto efeito em uma sociedade radicalmente monetarizada, individualista, egoísta, mentirosa e cruel, como essa em que vivemos.
Ainda em relação às questões do concurso aqui analisado e concluindo esse pensamento, confesso, sem demagogia, que não se trata, aqui, de se execrar ou duvidar gratuitamente da intenção daqueles que votaram em Riyo Mori. Trata-se, em verdade, de se buscar as motivações outras dessa eleição - isso se de fato elas existirem - para que, ao se votar em uma africana em um próximo concurso, isso não seja feito disfarçando-se o racismo estrutural vigente no mundo, e buscando-se abrir novos mercados, mas, de fato, por conta da beleza de uma negra, que tem, também, tudo para ser aceita como uma beleza mundial.

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domingo, 10 de junho de 2007

"Da parada e da marcha"

Há alguns meses, a prefeitura de São Paulo apresentou projeto de lei que permitiria o uso da Avenida Paulista somente para três grandes eventos a cada ano. A Corrida de São Silvestre era senso comum, a Maratona de São Paulo também. Restaria espaço no calendário para mais um evento, só que dois disputavam tal posição; a Marcha para Jesus e a Parada Gay. Por uma série de motivos, que só o mercado conseguiria explicar, a Parada ficou com a última vaga. Os evangélicos ficaram, então, proibidos de usar a mais importante avenida, da maior cidade do país, em seu ajuntamento festivo. Como teólogo, pastor e futuro sociólogo, esperei com ansiedade pelos dois eventos que, curiosamente, aconteceram no mesmo final de semana; numa quinta-feira, a Marcha e no domingo, a Parada. Espremendo-se entre as ruas menores da cidade no feriado da quinta, a Marcha para Jesus reuniu 4 milhões de pessoas, segundo os organizadores, e 3,5 milhões, segundo a Polícia Militar (confesso que nunca entendi essa constante diferença). No domingo, a Parada Gay reuniu 3,5 milhões, segundo os organizadores e, muito curiosamente, não trazia os números da PM, que disse ser “possível contar na Paulista, mas não nas ruas adjacentes”. Confesso que tal informação me chamou demais a atenção. Afinal, os evangélicos não puderam sair das ruelas e mesmo assim puderam ser contados! Aquilo me “cheirava mal”, mas, ainda assim, continuei a analisar os eventos, tentando ser o mais imparcial possível. Com os 3,5 milhões - segundo a PM - dos evangélicos nas espremidas ruas, apenas 60 incidentes foram registrados (um número considerado muito ínfimo, em se tratando de tantas pessoas em um mesmo espaço). E, ainda assim, esses incidentes diziam respeito, quase sempre, a quedas de pressão arterial dos que não suportavam o intenso calor. Fora isso, nada de errado em um ambiente onde não havia cigarro, bebida alcoólica ou qualquer tipo de droga proibida. A Parada Gay registrou (tenho todas as matérias jornalísticas em meu computador) assaltos, furtos, brigas, agressões a jornalistas e a autoridades e, pasmem, teve apoio governamental até mesmo na impressão de panfletos que ensinavam a “como cheirar cocaína com segurança”! Felizmente, os panfletos foram considerados “politicamente incorretos”, e proibidos em cima da hora. Não sou homófobo e sempre tive muitos amigos gays. Esse não é, portanto, um espaço para a crítica ao movimento deles. Por outro lado, penso que chegou a hora de os evangélicos fazerem o uso legítimo da nomenclatura protestante e mostrarem que 4 milhões nas ruas não é qualquer coisa, e que é digno ser crente e fazer a opção pelo caráter de Cristo, sem ter de ser chamado a todo o momento de alienado ou manipulado. Afinal, manipulados terão de ser os números da PM, para que o Livro dos Recordes receba a Parada paulistana como a maior do mundo, superando a si mesma. Entre uma e outra, enfim, fico com a Marcha e seus quase 4 milhões. Afinal, sou um ser com alguma aversão a paradas e toda paixão pelos movimentos.

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"Parem o mundo, eu quero descer!"

Os benefícios dos avanços técnico-científicos são inegáveis. Poder falar em tempo real com alguém do outro lado do planeta realmente comove a muitos, senão a todos. Alguns louvam a tecnologia e a responsabilizam por ganhos até mesmo na esfera afetiva - com seus namoros, casamentos e afins. Todavia, a linha bastante tênue que separa o virtual do real clama por alguma atenção e, percebe-se agora, alguns preços teriam mesmo de ser cobrados por tão grandes inovações.
A pergunta que não quer calar é aquela que pretende saber se a pessoa real é aquela com a qual se convive e que se conhece desde sempre ou a apresentada pelo perfil dos orkuts da vida. Resposta sem titubeio; a do perfil é, disparada, a mais real.
Quando se começa a desvendar as “máscaras sociais”, percebe-se que o que se vê no ao vivo está muito mais distante daquilo que a pessoa realmente é do que o que se acessa virtualmente. Nos perfis virtuais a pessoa se permite ser ela mesma; fala dos sonhos, comete todos os pecados que os códigos da realidade proíbem e constrói um mundo que de fantasioso não tem quase nada.
Já afirmam muitos que as empresas têm usado os perfis virtuais para a contratação de seus funcionários. Afinal, esses poderiam - “mascarados no ao vivo” - ser mais bem analisados pelas comunidades de que participam e pelas preferências e gostos nas diferentes áreas do que em qualquer entrevista ou dinâmica de grupo.
A parte mais adoecedora do processo é a que apresenta o “novo deprimido”; um indivíduo que, quando dos momentos de abandono e carência, acessa seus scraps só para ter alguém que diga “você é lindo”; “não há ninguém assim no planeta”; “sem ti o mundo pára”. Lendo essas poucas palavras, o deprimido se vê acarinhado; visitado; cuidado; e não tão sozinho assim.
Acontece que os computadores são sempre desligados. Mas a vida continua. E a depressão, idem. A linguagem virtual “facilitou” tudo. Por que não trocar um “O que você deseja?” por um “C ké u q?”. Como conseqüência, o desempenho nas universidades. Matéria que mais reprova: Língua Portuguesa. Piadas para o Programa do Jô. Não poderia ser diferente.
E ainda tem o celular, onde as pessoas te acham em qualquer lugar. E o melhor; sem precisarem te encontrar!
Mas o mais triste mesmo é o número de “amigos” que a neomodernidade nos permite ter; alguns têm mais de 500. Outros já alcançaram o “um milhão de amigos”, do Roberto Carlos!
Triste constatação: na hora da angústia não aparece um. São virtuais demais para serem reais.
A metodologia de Jesus, que não fica ao longe analisando a lepra, mas toca o lazarento; não diz o que fazer ao cego, mas dá-lhe a visão; não indica um mega-tratamento ao surdo, mas canta-lhe uma canção que se faz ouvir; é coisa mesmo um tanto ultrapassada.
Moderno mesmo é viver uma época onde tudo tem de ser super; ultra; mega; plus. Consome-se de tudo, e da última moda. Assim, talvez se consiga viver um dia super, uma noite super, uma vida super-ficial.

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"O negro no mundo dos brancos"

A questão racial no Brasil sempre foi a pedra fundamental das discussões acerca da formação da identidade nacional. Foram várias as mudanças de pontos de vista ocorridas, de sorte que o negro passou “do inferno ao céu” na construção daquilo que se chama sociedade brasileira.
O curioso para nós é que as ratificações para se pensar o negro vêm de longa data e têm até “fundamento bíblico”, uma vez que - para muitos - a maldição de Caim, por ter matado seu irmão, seria “ter o nariz achatado e a pele escura”. Assim também, a maldição de Cam (nomes muito parecidos, não?), por ter “visitado a nudez” do pai, Noé, seria ser escuro e escravo dos demais irmãos seus. Leituras, no mínimo, curiosas da mesma Bíblia que usamos.
Num momento outro - e falando-se de Brasil -, o negro passou a ser alguma coisa de bastante positiva, já que seria “a parte mais forte” no processo de miscigenação, e que faria surgir o que conhecemos hoje como o brasileiro típico, isto é, o moreno, com a sua cultura muitíssimo “rica e misturada”.
Por conta dessa nova leitura, passou-se a pensar no Brasil como um país modelo para os demais, tendo em vista não haver preconceito aqui e haver, como contrapartida, uma “democracia racial”. Construiu-se, posteriormente, uma visão de que o preconceito e o racismo faziam mais mal para o agente do que para a vítima, e inventou-se o que se chamou de preconceito de ter preconceito. Assim, “os negros e os brancos não tinham porque tocar no assunto”, uma vez que ter preconceito era totalmente démodé (fora de moda).
Contudo, ninguém pode negar, sobretudo os negros, que há um preconceito velado em cada um de nós brasileiros. Prova disso é que em qualquer pesquisa que se faça sobre o racismo, mais de 80% das pessoas dizem que o Brasil é um país racista, mas menos de 20% se dizem racistas, já que “o racista, bem como o inferno, é o outro” sempre.
Jesus falou, sentou-se e comeu com todos; judeus, gentios e misturados, isto é, samaritanos. Falou com mulheres - até com as “largadas dos maridos” - e mostrou-nos o que seria de fato uma democracia racial; nada além de entender todas as pessoas como frutos de uma raça só, a raça humana.
O exemplo de Jesus, como sempre, ultrapassa as fronteiras do tempo e do espaço e deveria nos fazer refletir sobre as temporalidades do racismo; aboliu-se a escravidão no tempo curto (bastou uma canetada da princesa), demorou um pouco mais para que os negros deixassem as senzalas e os troncos, no tempo médio, mas o preconceito, claro está, é coisa a ser resolvida ainda no tempo longo. Por isso o vivemos e - infelizmente - o viveremos ainda um tanto. Reflitamos sobre.

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"O baixio das nossas coisas mais bestas"

“A Bíblia tem razão; o ser humano está apodrecendo”. Foi com essa frase na cabeça que saí do cinema após ver um dos filmes mais fortes da minha vida; “Baixio das bestas”, do cineasta pernambucano Cláudio Assis. Lembrei-me da Bíblia por conta da situação degradante do ser humano; da situação (ainda) muito humilhante da mulher; e lembrei-me também por causa das palavras e gestos de Jesus em direção à humanidade e, em especial, à mulher, oprimida desde sempre.
Contrapor o filme de Cláudio Assis à postura de Jesus foi a única saída encontrada para que o entendimento de antagonismos tão radicais se desse. No filme, Assis mostra o quanto o ser humano pode ser mau em relação ao seu igual. Na Bíblia, os gestos e as palavras de Jesus apresentam a possibilidade - creio que a mais viável - de os homens serem extremamente bons para com os seus semelhantes.
O filme é forte. Pesado. Ácido, eu diria. Mas é real. Tristemente real. Um trabalho da melhor qualidade feito por Assis, e com uma atuação magistral de Caio Blat, que conseguiu atingir a maturidade artística, em seu melhor trabalho até aqui. Por essas e por muitas outras, a película não merecia sofrer a violência de ser preterida na maioria das salas pelo tão distante de nós “Homem Aranha 3”, apesar do choque e da potência que suas cenas apresentam.
Trata-se de um filme-denúncia. É preciso entender isso. Uma película que se passa na zona da mata pernambucana e que mostra a realidade dos trabalhadores da cana-de-açúcar e dos cantadores e dançadores do maracatu.
A realidade degradante do ser humano é mostrada em relações de incesto, estupro, abuso de menores, prostituição e violência extremada contra a mulher.
A luta de classes aparece na relação dos latifundiários da cana e os outros “donos do poder” em contraposição aos oprimidos que fazem, com o melhor e o pior de si, a manutenção desse nosso triste estado de coisas.
Pensar a realidade como anacrônica, entendendo que a opressão dos indivíduos do sexo mais dócil é coisa do passado, é sair da sala afirmando que se trata apenas de mais um “filme apelativo”. O que não é uma verdade.
Aquela é a realidade de muitos cantos desse triste país que, não se importando com o sofrimento alheio, diz quase sempre: “Isso é só cinema”. Mas não é cinema. É o pior de nós. É o fim do homem. A morte dele.
As palavras de Jesus, em contrapartida, mostram a redenção da mulher, execrada no filme. Essas mesmas palavras também redimem o homem, opressor e oprimido na película. As palavras de Jesus libertam. Libertam o homem do mal. Libertam o homem do mundo. Libertam o homem de si mesmo - que é a libertação mais forte que se pode experimentar.
Para Jesus a mulher é gente. E, por incrível que possa parecer, o homem opressor, apresentado no filme de Assis, também o é. Ambos carentes de um gesto daquele que muda tudo; o Infinito Particular, o Verbo encarnado.
Esse texto não pretende muita coisa além de incentivar a visita à película de Cláudio Assis. Lembrando, é claro, que para isso três condições serão fundamentais: ter 18 anos, ter um olhar crítico sobre mais essa realidade nacional e ter estômago. Muito estômago.

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"O papa é pop, mas o Estado é laico"

A visita do Papa Bento XVI ao maior país católico do mundo serviu, mais do que qualquer outra coisa, para quebrar uma série de paradigmas e pré-noções de uma boa quantidade de pessoas que não tinham ainda muito o que dizer. Quase tudo o que se pensava acerca do líder-mor do catolicismo romano caiu por terra, quando o velho Joseph Ratzinger desembarcou nessas terras.
Bento XVI, ao contrário do que se pensava antes, esbanjou simpatia, encontrou-se animadamente com jovens, quebrou protocolos para estar mais perto do povo e despistou, inteligentemente, todos aqueles que não queriam fazer mais do que colocá-lo em uma “sinuca de bico”, como diria o ditado popular, com “perguntas difíceis”.
Embora tenha conseguido provar que pode ser tão “pop” quanto o foi Carol Woytila, o falecido João Paulo II, Bento XVI não conseguiu convencer os adeptos de seu sistema religioso de que o seu pensar continua coerente e que, portanto, não precisa de mudanças imediatas - mudanças essas que Lutero já apregoava no século XVI.
O atual Papa entende que uma mulher não pode interromper uma gestação, mesmo quando sua vida corre, com todas as provas médicas, sério risco; entende que qualquer método contraconceptivo é nocivo, mesmo que o contingente populacional esteja à beira do colapso, e provocando cada vez mais uma péssima distribuição de renda; e “ameaçou” os traficantes de drogas, afirmando que “eles terão de se entender com Deus”, isentando - irresponsavelmente - de culpa as autoridades e o Estado brasileiro.
Contudo, os dois pontos mais altos da visita papal ao país dizem respeito ao pedido do líder católico para que o presidente Lula declarasse que o Brasil é um país católico, e à briga entre Rede Globo e Rede Record de televisão em torno da visita do “sucessor de Pedro” (as aspas são de propósito, uma vez que o papado foi instituído muitos séculos depois da morte do simples pescador que acompanhava Jesus).
Ao se pensar em atrelar religião e Estado com tal pedido ao presidente, Bento XVI teve de ouvir, já não com o mesmo sorriso nos lábios, que “o país é de maioria católica, mas é, e continuará a ser, laico”. No segundo ponto alto da visita, a Rede Record nada mais fez do que sensacionalizar o momento, colocando-se ferozmente favorável à questão do aborto, e isso sem qualquer critério ético, visto que o que importava era atacar a Globo. Atacada, essa última respondeu na mesma moeda, fazendo questão de enfatizar o momento em que o Papa chamava os protestantes e os outros não católicos de seitas, algo que é como um xingamento para todos aqueles que pensam de maneira diferente da maioria católica.
De ponto positivo, ficou a possibilidade de se continuar a ter no país um espaço para todos os pontos de vista, já que, graças a Deus, não somos um país dividido entre católicos e protestantes, como querem a Record e a Globo, mas uma nação que é tudo ao mesmo tempo agora.

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"O valor estava na Palavra"

A prisão do casal Estevam e Sônia Hernandez, líderes fundadores da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, trouxe para nós, os protestantes, um bom momento e motivo para reflexão. Muitos têm falado sobre o escândalo e abordado o episódio com os vieses mais curiosos, embora sempre sem muito oferecerem, além da ferrenha crítica de todos os dias.
Alguns críticos focam suas luzes em ilustres membros daquela igreja, mostrando que, apesar de tudo, até um milionário jogador da seleção brasileira de futebol está jejuando e orando pelo “apóstolo” e pela “bispa” (as aspas são de propósito, já que apóstolo não existe mais, uma vez que essa nomenclatura é para aqueles que tiveram contato direto com Jesus – Paulo aparece como “abortivo” e é outro caso – e “bispa” é simplesmente um crasso erro de português, já que o feminino de bispo é episcopisa).
O foco de outros, como o jornalista José Simão, da Folha de São Paulo, é o deboche. Ele zomba do evangelho dizendo que “agora, das duas paradas mais faladas do Brasil, a parada gay é a mais confiável, derrubando a marcha para Jesus da “Igreja Evangélica Enriquecer em Cristo””.
O foco que pretendo apresentar está na Palavra. A Bíblia que, levada pelo casal, continha em seu interior uma boa quantidade dos dólares não declarados pelos líderes da Renascer. Esse detalhe curioso me fez lembrar de um tempo em que eu guardava o salário dentro de meus livros e dizia de peito cheio – e metido a intelectual – “meu tesouro está nos livros”. E estava mesmo. Só que literalmente.
O tesouro dos líderes da Renascer também estava no Livro. Mas, percebe-se, o tesouro deixou de ser o próprio Livro faz tempo.
É difícil para nós, do mesmo movimento chamado evangélico, recebermos todas as críticas das pessoas que não diferenciam os segmentos religiosos e sempre acabam dizendo que “crente é tudo safado” e que “pastor é tudo ladrão”. Assim, cabe aqui dizer que não podemos compactuar com o discurso de uma igreja que culpa o diabo pela “perseguição” de seus “ungidos”, sendo que esses mesmos “ungidos” têm um patrimônio líquido de 18 milhões de reais, haras para cavalos de raça e mansões na Flórida, mesmo que tendo uma dívida que, só de aluguel de salões para cultos, está em torno de 12 milhões de reais.
Quem está de pé, cuide para que não caia, diz a Bíblia. Portanto, mais do que criticar, essa é uma convocação do povo de Deus para orarmos pelos Hernandez. Orar para que ao abrirem a Palavra da próxima vez – sobretudo se for na presença de desconhecidos, como aqueles policiais americanos – eles encontrem um tesouro perdido. E não precisa ser em dólar, visto que, em se tratando de Bíblia, só as letrinhas bastam.

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sexta-feira, 8 de junho de 2007

"Da arte de falar e fazer"

Em todos os lugares e momentos dessa vida é possível encontrar-se pessoas que têm um talento admirável; possuem a arte de falar e fazer. Para a infelicidade nossa de todos os dias, essas pessoas são em menor número do que um outro grupo; aquele composto das pessoas que falam, mas não fazem.
A igreja é uma instituição que não conseguiu - mas deveria - fugir a essa triste regra. Se a constatação entristece, ao menos é possível encontrar-se o diagnóstico: as pessoas gostam de falar para que outras possam fazer. Mas elas mesmo, que deveriam fazer algo, nada fazem.
Após fazer-se tal triste diagnóstico, consegue-se ainda chegar ao sujeito da ação (de falar, e não de fazer, claro). O grande “vencedor” nessa categoria de vida é o saudosista. O saudosista tem saudade do que foi; e do que fez. Invariavelmente, tem saudade do que não é mais e do que não faz mais.
Após tal compreensão, é claro que novos horizontes se abrem. Afinal, se existem pessoas que falam o tempo todo, esperando que outras façam, ao menos se tem um grupo que vê o que precisa ser feito. Alguns existem que fazem, mas apenas se souberem o que se tem para fazer.
Assim, fica-se com dois grupos - separados e estanques - que poderão nunca se encontrar, pois os que falam não fazem e os que fazem não sabem o quê e nem onde.
De lado a lado, não é difícil ouvir-se frases do tipo; “No meu tempo era assim”, “Antigamente tinha isso”, “Noutros tempos já foi melhor”, “Se eu soubesse teria feito” ou - com a contribuição do presidente Lula - “Eu não sabia de nada”.
Grupo bom mesmo é aquele que não fica falando o tempo todo: “Antigamente tínhamos arrastão evangelístico”, mas que, se percebendo inativo, diz: “Que tal um arrastão evangelístico no domingo? Eu estou dentro!”. É gente disposta a ver a realidade que a cerca, e que tem coragem de dizer, e que tem coragem de fazer.
Pode ser - e sinceramente percebo que sim - que tenhamos os três grupos em nosso arraial, embora seja possível perceber que o terceiro grupo é sempre, e em todo lugar, o mais escasso. O grande trabalho de nossas vidas será proporcionar o encontro dos grupos. Para que tenhamos gente que vê, gente que fala e gente que faz.

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"Sobre a crueldade, e sobre a maldita perda da memória"

Três episódios. Três grandes perdas. Três momentos estarrecedores na vida de um povo que - por uma série de motivos - desaprendeu a indignação. Ou, antes, até se indigna, mas por um período bem pequeno de tempo. Todos os dias uma série de fatos acontecem e nada mais fazem do que moldar o jeito carioca e, por que não dizer, brasileiro de ser. Só que passam. Os momentos passam. Apenas.
Um espaço bem pequeno de tempo passou e já é possível perguntar: Como era mesmo o nome daquele menino que virou um “bolo de carne” ao ser cruelmente arrastado por sete quilômetros? Quantas eram e quais eram os nomes das mulheres que tiveram suas vidas ceifadas pela queda de uma marquise de um hotel em Copacabana? Quais os nomes e qual a nacionalidade daqueles estrangeiros que foram assassinados por um jovem, adotado por eles, e no qual eles investiram muito durante seus anos de vida e estada no Brasil? O tempo passou e essas pessoas já não são. Não são vivas; não são nomes; não nos são memória.
Descobre-se a cada dia que a razão da existência é ter algo em que acreditar. É fazer parte de um grupo de pressão social e se engajar numa luta que, mesmo tendo tudo para dar errado, só pela possibilidade de dar certo, já faz da vida algo de grande valia.
Verdade é que, ao contrário do que tem acontecido, um episódio como o de João Hélio deveria ser motivo para uma fundação; talvez um “Instituto João Hélio Fernandes para a prevenção da violência contra a criança presa no cinto de segurança”. Ou uma “Associação de moradoras copacabanenses que passam debaixo das marquises acompanhando velhinhas”. Ou ainda, “Grupo de apoio aos franceses que adotam crianças brasileiras, e que são roubados por elas”. É quase piada, mas é sério. Infelizmente.
O grande mal deste século é mesmo a falta de memória, que é o que faz das pessoas indignadas por algo totalmente esquecidas do mesmo em pouco passar de dias.
Para nós, universitários, privilegiados por chegarmos à formação superior (só 3% da população tupiniquim consegue tal feito), as vidas que se perderam são de extremada importância. Não apenas pelo grau maior ou menor de crueldade, como aconteceu com a maioria que gritou durante três dias por João Hélio, e que não se lembrará do menino “Zé” que morreu hoje, de tuberculose, no Souza Aguiar. O simples fato de qualquer pessoa morrer sem ter a oportunidade de conhecer as palavras redentoras do ser, sem conseguirem informação e formação, sem poderem escrever o que pensam e sabem em um espaço plural como esse, nos deveria fazer chorar. Chorar muito.
Somos um grupo de pressão social. Deveríamos fazer mesmo a tal pressão. É o mínimo. Somos do grupo que deve protestar pela audição de palavras que libertam, curam e salvam da crueldade do estado de natureza humano. Por isso, o protesto nosso de cada dia deve ser muito maior, pois morrer esfaqueado pelo filho adotivo; arrastado pelo cinto de segurança; com concreto de marquise de luxo na cabeça; por falta de leito nos hospitais públicos ou em um Iraque injustamente invadido, deveriam nos soar da mesma maneira; quebrando o nosso coração e rachando a nossa cara.

liberdade, beleza e Graça...

"Sobre João Hélio Fernandes e alguns "demônios""

É impressionante a maneira como alguns acontecimentos conseguem mudar radicalmente a opinião pública brasileira, fazendo-a - vez por outra - tocar em assuntos tidos já como mortos e enterrados. A barbárie que vitimou o menino João Hélio Fernandes, de apenas seis anos de idade, foi um desses acontecimentos.
São muitas as passeatas, os artigos e os e-mails que tentam dar conta do acontecimento, e que não fazem outra coisa a não ser pedir “justiça”.
A indignação que toma conta do país produz riquezas em expressões e fatos, e consegue ainda fazer produzir análises e espaços para ricos e enriquecedores debates.
Na ânsia de ser o mais politicamente correto possível, alguns profissionais têm colocado seus dotes à disposição da sociedade civil, em busca de uma resposta para fatos como a morte do menino João Hélio. As discussões acerca da pena de morte, da prisão perpétua e da maioridade penal estão, portanto, na crista da onda.
Para um país como o Brasil, onde o cultivo da memória é uma aberração, em pouco tempo se esquecerá a barbárie que hoje nos assola a alma, e se estará pensando novamente em “qual será a chave mais fácil no campeonato brasileiro” ou “quem será o próximo eliminado do Big Brother”.
O pior de tudo o que acontece agora não é, em minha modesta opinião, o fato de uma criança ser arrastada e despedaçada por sete quilômetros, sendo chamada de “o nosso boneco de Judas”, mas o fato de que a sensibilidade nossa de cada dia também passou a ser uma espécie de “sentimento em extinção”.
Quando cheguei ao Rio de Janeiro, vindo do interior de São Paulo, doze anos atrás, passei por uma situação demasiado curiosa; ao ver um corpo esquartejado, na foto de manchete do jornal O povo, tive vontade de vomitar. Doze anos mais tarde, a mesma foto ou o caso João Hélio não fazem mais efeito em mim. Eu não vomito mais por essas “coisas cotidianas”. Minha sensibilidade morreu. Foi assassinada. Violentada, digo.
O mal do Rio de Janeiro e do Brasil não é a morte de um menino inocente e nem a forma bárbara como ela se dá, mas a perda da sensibilidade, que faz de nós pessoas que não mais vomitam com certas cenas de carnificina e que – consequentemente – são potenciais candidatos a “assassinos do próximo João”. Que virá; é claro, e infelizmente.
Os advogados não vão resolver. Os juízes, tampouco. A justiça terrena não pode fazer muito. Só um grito esganiçado de "piedade, Jesus!" poderá nos valer nessa hora.
Só mesmo pregando Jesus ressurreto será possível ser “o país do futuro” e não apenas o do futebol e do voyeurismo.

liberdade, beleza e Graça...

Cleinton