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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

"É válido interpretar a Bíblia literalmente?"

Há tempos venho ouvindo evangélicos radicais dizendo que acreditam na literalidade da Bíblia. Um aluno meu, em uma aula de Ciência Política, e sobre a situaçao nacional em um momento eleitoral, fez uma pergunta buscando entender a razão de "a Bíblia parecer estar do lado do bolsonarismo, já que são muitas as citações bíblicas feitas por esse grupo, que parece mesmo conseguir provar suas teses". 

Abri um parêntese na aula de Ciência Política e enveredei pela Teologia, área na qual tenho também formação. Comecei explicando que a possibilidade de se ler hoje literalmente a Bíblia se depara com a dificuldade de se entender hoje o contexto histórico dos tempos bíblicos, o que nos obrigaria a aprender sobre Exegese de textos antigos, tarefa nenhum pouco fácil, embora tenhamos muitos estudiosos que nos ajudam nessa empreitada, sendo um que admiro muito chamado Osvaldo Luiz Ribeiro, que mantém no Youtube uma excelente fonte de conhecimento chamada "Tenda do necromante".

Dada a primeira dica, prossegui mostrando que há pelo menos 3 possibilidades de se ler a Bíblia, incluindo a que busca interpretá-la literalmente, embora esta seja a que mais corre riscos de cair em contradições e incoerências. Indo, pois, a essa teoria, a chamada "Proposicional Direta", teríamos a divindade como aquele ser que "narra ou sopra o conteúdo a ser ensinado", cabendo ao escritor ou escritora do texto sagrado tão somente escrever, num gesto que mais se aproximaria da psicografia. Assim, Deus sopraria ou narraria o que quer e ao ser humano escritor caberia apenas ser usado para que forma e conteúdo divinos do texto sagrado fossem fixados para ulterior ensino. 

A segunda teoria, a Proposicional Indireta, traria uma narração divina, mas respeitando a emoção e a história do autor humano, o que faria com que o conteúdo fosse divino, mas a forma de escrever fosse humana, o que explicaria os rompantes de um "Deus mau" do Antigo Testamento, já que a maldade estaria no estado de espírito do escritor, responsável pela forma do escrito, uma vez que este estaria escrevendo muitas vezes tomado de ódio pelas circunstâncias vividas, sobretudo em tempos de dominação e escravidão a povos estrangeiros.

A terceira teoria de inspiração bíblica, a Cósmico-histórica, mostraria as leituras que o ser humano faz das manifestações da natureza no Cosmos, entendendo os autores que tais manifestações seriam "falas de Deus para os povos", sendo que tanto a forma quanto o conteúdo do texto seriam apenas "coisas da cabeça do escritor", o que isentaria Deus de ser o responsável direto pelo texto produzido. Assim, Deus seria o que o ser humano escritor entenderia que é, e estaria dizendo o que esse mesmo escritor traduziria como "palavra de Deus", sendo que o Ente sagrado não diretamente se manifestaria. 

A crise se estabelece justamente nas duas visões mais extremadas, já que, ou Deus assume sua maldade na Proposicional Direta, sendo autor das maiores atrocidades narradas no texto, como mandar rasgar a barriga de mulheres grávidas ou estourar a cabeça de bebês em pedras, ou não teria nada a ver com isso, dado que o que a ele foi atribuído é coisa meramente humana, criação de uma mente fértil e ávida por ter um específico controle social, sempre mais eficiente se for "em nome de Deus". 

Ao ser provocado, após a explicação em sala, sobre qual seria então a visão mais correta, respondi à classe de estudantes que, "se os pastores que pregam literalidade da Bíblia apedrejassem seus filhos (quando estes lhes fossem rebeldes e, por exemplo, colocassem bríncos ou tatuagens, sem o consentimento dos pais), ou se esses mesmos pastores dividissem os dízimos da igreja com viúvas, órfãos e estrangeitos, então, a leitura literal poderia ter razão". Como não fazem isso, usam a Bíblia apenas como fonte de engodo e dominação das massas, e nunca assumindo que o seu deus é também mau, pois, ao fim e ao cabo, como o deus foi construído por eles, eles é que são maus.

liberdade, beleza e Graça...