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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

"O mar e a ilha; Marília"

É curioso como a juventude nos faz tão abertos à criatividade, à arte. Muitos dos grandes poetas e escritores ofereceram suas obras mais sublimes em idades que pareciam não comportar tamanha genialidade. Penso que com Marília Mendonça a coisa se deu exatamente da mesma maneira, o que me faz pensar em pessoas que deixaram o melhor de si para a humanidade ainda adolescentes, do que é grande exemplo o poeta Arthur Rimbaud, que produziu suas obras mais famosas quando ainda era só um menino. 

Apesar do muito que se pode falar sobre Marília Mendonça, e dentro de uma classe intelectual que se nega a reconhecer a arte popular, pois a considera "menor", duas coisas me fizeram reparar nessa menina goiana que encantou o país e se foi com apenas 26 anos de idade. A primeira coisa que a classe intelectual se nega a enxergar é o lado positivo e encantador do apelo que obras como a de Marília têm sobre as pessoas e, a segunda, como isso impacta também movimentos sociais, como o feminista.

É inegável que Roberta Miranda abriu o caminho e veio enfrentar um estado de coisas muito mais hostil às mulheres, coisa que as lutas dos movimentos sociais evitaram que Marília enfrentasse. Todavia, Marília Mendonça tem méritos que justificam o status a ela dado em tão pouco tempo de vida e carreira, visto que conseguiu mobilizar duas frentes bem marcadas. A primeira é a que versa sobre a questão pessoal, com a autoestima, já que estamos falando de alguém que - assim como os irmãos Cézar Menotti e Fabiano - enfrentou o show business sem ter "o padrão estético adequado", uma vez que se tratava de uma menina obesa. A segunda frente é mais ampla, pois versa sobre as contribuições de Marília para o Movimento Feminista, mostrando que não é só do homem o direito de viver os amores da vida, tomar os licores da vida, narrar as peripécias amorosas vividas.

Ser obeso e encarar a exposição pública é algo que carece de muita coragem, já que, com a gordofobia espraiada por todos os cantos (e ela visitou "todos os cantos"), quase sempre a vergonha toma conta e a pessoa se torna uma ilha, isolada pelo oceano de críticas e julgamentos. Já, ter "a coragem de ser" (senteça que roubo de Paul Tillich), é se deixar virar mar, um oceano que vai levando tudo, como se fosse corriqueira a atividade de carregar o mundo consigo. Marília Mendonça conseguiu as duas coisas; a menina gorda deixou de ser ilha para ser mar. Foi mar, sem ter tido medo de contar que outrora fora ilha; foi - e para sempre será - Marília.

liberdade, beleza e Graça...  


(Ps: Minha homenagem à cantora e compositora Marília Mendonça, vítima fatal de um acidente aéreo no dia do meu aniversário, 05 de novembro. A data do texto aqui é anterior, pois eu estava devendo um escrito no blog).