Quem sou eu

Minha foto
Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

“As grandes tragédias e o poder de isentar os verdadeiros culpados”

As épocas em que vivenciamos momentos dramáticos conseguem mostrar um poder ambivalente. Para o bem e para o mal, tais momentos trazem sempre possibilidades de reflexão e mudanças. Todavia, é curioso como quase sempre as oportunidades de se mudarem as estruturas nos escapam. E é essa a nossa grande infelicidade.
As tragédias do Morro do Bumba, do Morro do Céu e de outras encostas perigosas de Niterói e adjacências trazem à tona a reflexão sobre a tese que dá razão a este escrito; mais uma vez nos escapará a oportunidade de discutir e refletir acerca de um dos maiores males que o nosso tempo experimenta: a desigualdade social, que no caso de Niterói se mostra muito fortemente na especulação imobiliária e na impossibilidade de se cooperar para a instauração de um projeto de habitação popular decente.
De todas as coisas que foram ditas acerca das tragédias que vitimaram nossa cidade, a mais curiosa foi a frase que já parecia pronta nas bocas de um grande número de pessoas: “Mas por que será que essa gente vai construir suas casas justamente em cima do lixão?!”. O grande problema dessa mal-dita frase é que ela acaba por culpabilizar ainda mais àqueles que já perderam seus entes queridos – em alguns casos, famílias inteiras – juntos de todo o bem material que possuíam, e não sendo nenhum pouco fácil de recuperar, dadas as condições econômicas cada vez mais acachapantes da estrutura capitalista.
Por isso, embora pudéssemos citar grandes teóricos das Ciências Sociais, escolhemos trazer à tona a frase do eterno carnavalesco Joãozinho Trinta: “Quem gosta de pobreza é intelectual, pobre gosta é de glamour”. É esta a frase que deveria ser entendida por grande parte da nossa sociedade, que ainda acha que os moradores dos locais citados acima gostam de morar no lixo e o fazem por opção. Se sairmos a perguntar, encontraremos pobres querendo morar apenas em Icaraí, São Francisco, Charitas e outros bairros nobres de nossa bela cidade. A pobreza não é, pois, o sonho dos mais explorados e socialmente esquecidos.
Aos intelectuais – exceto os “orgânicos”, na teorização de Antonio Gramsci, pois são militantes e ativamente participantes dos dramas dos mais desvalidos – parece mesmo caber apenas continuar a viver da possibilidade de teorizar acerca da pobreza alheia.
O que parece ser ainda pior neste drama todo é a impossibilidade de se falar nos verdadeiros culpados. Ter um governador que, se dizendo emocionado, defende que “não é hora de procurar culpados” é mesmo uma contradição. O argumento da emoção parece ter força para isentar quem precisa ser punido! Mas como não procurar os culpados e saber das razões de suas culpas, se outras tragédias poderão vir justamente por conta do mesmo drama social?
Sim, há um culpado; em um outro governo foi feito um estudo que condenava a área que ulteriormente viria a ser urbanizada pelo governo atual, que não deu a menor atenção ao laudo científico deixado pelo governo opositor. Será que não há culpados aí?
Ainda querendo culpar os mais pobres, alguém disse que foi feito um convite para que muitas famílias se mudassem para uma localidade muito distante, a fim de que pudessem estar em segurança, mas muitas não quiseram. Acontece que morar longe do trabalho é outro problema, já que os mais ricos não gostam de contratar gente que mora longe. Poucos falam acerca disso, mas não são poucos os que perdem as possibilidades de se empregarem, visto que moram em localidades muito distantes e gastariam muito tempo e dinheiro de transporte para chegarem ao trabalho. É o famoso “morar mal”. Quem mora longe dos ricos mora mal, tanto quanto quem mora perto, mas nas encostas. É um drama a ser discutido e resolvido ainda.
Para tornar ainda mais trágico o texto aqui apresentado, é lamentável ver pastores (e não são poucos) que abrem a Bíblia e encontram razões para acabar com o resto de esperança dos mais empobrecidos, ao lerem "interpretando"- e culpabilizando novamente os já des-graçados dessa estrutura desigual - textos como: “O que constrói sua casa sobre fundamento não sólido sofrerá com as enchentes e é isso o que os pobres estão fazendo”. Este texto nada tem a ver com construção material e a Palavra de Deus tem coisas belíssimas a serem lidas neste momento e a servirem de consolo a todos.

liberdade, beleza e Graça...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

“Freud, AIDS e religião; tudo junto, numa articulação por Romanos”

Uma das questões mais intrigantes na vivência da religiosidade cristã – e talvez também de muitas outras vivências religiosas, das quais temos menos conhecimento – sempre foi a razão para que uma pessoa fosse desligada de uma determinada comunidade de fé. Por anos e anos o único motivo que justificava um desligamento era, por incrível que hoje possa parecer nos grandes centros, a gravidez fora do casamento. Em geral então, os adolescentes e jovens eram as maiores vítimas deste doloroso processo. Embora a crença cristã não faça diferenciação entre um pecado e outro, ainda não se tornou pública uma exclusão por causa de fofoca, inveja ou outro pecado “mais brando”, o que parece ser sim uma contradição.
A leitura da obra de Sigmund Freud, pai da psicanálise, talvez ajude a explicar porque o sexo e as questões inerentes à sexualidade sempre conseguiram ter tanta força entre os religiosos, sejam eles cristãos ou outros.
Freud entende que o básico da existência humana está ligado aos traumas e perdas na primeira infância e às pulsões sexuais que, em maior ou menor medida, são recalcadas ou sublimadas para que uma vivência “mais decente” se dê no mundo da vida. Deste modo, as fases genital e de descoberta da sexualidade, que tanto assustam a alguns adultos, por conta de mostrarem que o ser humano vai “cedo demais” aos lugares onde só se deveria ir na vida adulta, foram um importante foco de estudos do pai da psicanálise.
A força da questão sexual também é apresentada na Bíblia. A carta do apóstolo Paulo aos romanos mostra algo que nos faz pensar nisto que já foi apresentado como obra e tese de Sigmund Freud em finais do século XIX e início do XX; a sexualidade é mesmo foco de importância capital também no livro sagrado dos cristãos. Tanto assim é, que o primeiro capítulo de Aos romanos mostra que a forma que Deus usou para apresentar a sua decepção com um grupo de pessoas desobedientes foi a “entrega destes às suas próprias paixões sexuais, deixando surgir até relações entre mulheres e mulheres e homens e homens”. A homossexualidade estava, pois, posta para a crítica ulterior.
Nos anos 1980, quando a AIDS chegou, desconhecida e assustadora, o texto de Romanos foi utilizado por vários segmentos religiosos para transformar os gays em uma "maldição do século", responsáveis diretos pela mão de Deus que estava então “pesando sobre a humanidade”. Não foram poucos os que ligaram a doença até então implacável ao texto do primeiro capítulo de Romanos.
Hoje, embora um participante de um destes chamados shows de “realidade” tenha afirmado que "a AIDS é coisa só de gays”, é sabido que a doença é coisa de muita gente séria, que contraiu o vírus desde o nascimento, por exemplo, e também de gente desprevenida e com parcerias sexuais irresponsáveis. Nos anos 1980, os gays foram entendidos como “o grande mal” por conta do desconhecimento em relação à nova doença e por conta do número de parceiros que em geral tinham. Contudo, já é sabido que, sendo homo ou sendo heterossexual, o número de parceiros e a irresponsabilidade continuam a ser os elementos básicos a se culpar.
Enfim, o que a nossa leitura hoje da Bíblia mostra é que Freud tem sim razão, pois, entregues aos seus próprios desejos e paixões, os seres humanos investem logo num ponto que para Freud e para Paulo é um ponto nevrálgico: a sexualidade, com todas as possibilidades que ela oferece, agradando ou não ao chamado caráter divino.
É bom lembrar, no entanto, que o foco desta parte de Romanos é a idolatria. É por causa da troca de Javé por outros deuses, adeptos do culto ao corpo e da fertilidade sexual, que o tal “abandono de Deus” se deu. Mas aí o assunto já ficaria longo demais.

liberdade, beleza e Graça...