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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

"Caminhos da espiritualidade"

Gandhi afirmou certa vez que "se todos os livros do mundo se perdessem, mas restasse o Sermão da Montanha, a humanidade estaria salva". O líder indiano, que, mesmo sendo de tradição religiosa hinduísta, não via problemas em utilizar bons conselhos de textos de outras religiões, fazia referência a um discurso atribuído a Jesus de Nazaré, alocado nos capítulos 5, 6 e 7 do Evangelho de São Mateus, no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia.

Dentre todos os ditos de Jesus em tal discurso na montanha, o que atribui aos ouvintes a denominação de "sal da terra" e "luz do mundo" é um dos mais interessantes, uma vez que não é lido como deveria, mas "cristianizado", mesmo sem Jesus querer. A leitura evangélica, construída à luz da tradição cristã, edificada sobre o arcabouço teórico e religioso do Apóstolo São Paulo, é extremamente falha na apreensão do valor de tais palavras.

O anacronismo no processo de leitura faz com que os crentes pensem que o "sal da terra" - para dar um gosto especial ao mundo e ao mesmo tempo não o permitir apodrecer - e a "luz do mundo" - para iluminar os caminhos dos que andam na escuridão da vida, sem ver a luz que os possa esperançar - se referem aos que creem em Deus, nas palavras ditas divinas ou na religião cristã, responsável direta por privatizar tais conselhos para si.

Sendo, todavia, o discurso proferido para toda sorte de pessoas e etnias, que se amontoavam para ter uma palavra de Jesus em suas vidas, não é tal conjunto de palavras sinal de que os crentes são os responsáveis pela transformação benéfica do mundo que nos cerca, mas de que são apenas parte de um processo onde se encontram - em se tratando de uma aplicação atualizada do texto - católicos, espíritas, candomblecistas, pretos, amarelos, índios, pobres, ricos, mulheres, brancos, ateus etc.

Por mais que a leitura paulinista - feita na intenção de construir uma religião cheia de idiossincrasias e sectarismos - seja tida como um incentivo para que os crentes vivam justa e piedosamente neste mundo vil, a pregação de Jesus - que só serviria para fomentar uma espiritualidade inclusivista, já que só se interessava por apresentar o Reino de Deus - é uma porta aberta para que todos, sem distinção, se responsabilizem pela busca e cuidado com o outro, sobretudo quando este outro é considerado tão outro que não merece qualquer menção, isto é, quando se trata do meu próximo propositalmente distanciado

Jesus não falava apenas para os que criam nele; ele falava para todos aqueles que se poderiam indignar contra o pecado, sobretudo o pecado social, tão esquecido naquela época e também nos dias atuais. Porque quando a fome alheia não me toca e não me faz colocar a mão no bolso, eu peco; quando uma mulher apanha e eu não choro, envergonhado por ser homem, eu peco; quando uma pessoa é ofendida ou preterida por conta da cor de sua pele e isso não mexe com minhas entranhas, que penso caucasianas, eu peco. Se, à medida que o "evangelho" se espalha, a violência de todos os tipos cresce na mesma proporção, é sinal de que estamos pecando muito, ainda que nos entendamos "sal da terra" e "luz do mundo". Neste caso, a questão é que pecamos e achamos que não, uma vez que não bebemos, não fumamos e não transamos.

liberdade, beleza e Graça...



sexta-feira, 1 de agosto de 2014

"Da postura judaizante de um mundo evangélico perdido"

Um dito popular defende que nada é tão ruim que não possa piorar e nada é tão bom que não possa melhorar. Em se tratando de mundo evangélico brasileiro, tal dizer popular se coloca como verdade absoluta, sobretudo quando se trata da parte onde a tendência é a piora. Digo isso como "profeta-vidente", já que em texto escrito há quase dez anos eu apontava uma gradativa volta evangélica ao judaísmo, justificada na dificuldade do mundo protestante de então em lidar com a doutrina da trindade, optando ou pelo hierarquismo das três figuras divinas envolvidas no processo, ou pela subtração de duas delas.

Tentando explicar melhor; em texto de outrora, defendi eu que o movimento protestante se divide em três categorias, sendo que cada uma delas se apropria seriamente apenas de uma das três pessoas da trindade, uma vez que a dificuldade para lidar com tal dogma sempre colocou a todos em uma situação demasiado desconfortável. Assim, os protestantes tradicionais (históricos ou conservadores, como denominam muitos) se apropriariam da figura do Deus Filho, Jesus Cristo, atribuindo a ele uma proeminência não experimentada pelo Deus Pai e pelo Deus Espírito Santo, sendo tudo feito e pensado "em nome de Jesus". 

Já o movimento pentecostal, se apropriaria de forma singular da pessoa do Espírito Santo, visto que tal segmento é mais chegado à parte mística do crer evangélico, enfatizando dons espirituais, e com grande foco na glossolália, o dom de "línguas estranhas", deixando de lado a religiosidade "fria" do movimento mais tradicional. Os neopentecostais, por sua vez, começavam há mais de uma década um forte retorno ao judaísmo, incluindo nos seus cultos o toque do chofar, a valorização da Arca da Aliança e um foco especial nas conquistas do povo de Israel, sempre apoiado pelo Deus Pai, durante sua peregrinação pela terra em tempos há muito idos.   

Na linha neopentecostal, sua mais conhecida representante, a Igreja Universal do Reino de Deus, liderada pelo bispo Edir Macedo, acaba por mais uma vez ratificar minha "profecia" de outrora; a IURD inaugurou no dia 31 de julho de 2014 a sua versão do "Templo de Salomão", imitando dimensões e características do templo sagrado para os judeus, do qual não resta hoje em Jerusalém sequer uma parede, sequer um muro para lamentações. Em termos arquitetônicos, o empreendimento do bispo é de uma beleza de fazer brilhar os olhos de crentes e incrédulos. Em termos religiosos, todavia, tal empreitada trouxe mais um problema para o pensar e o agir dos evangélicos brasileiros.

Como não poderia deixar de ser, o primeiro a pregar no novo templo foi o próprio Bispo Macedo, surgindo como uma versão fake do rabinato israelita, já que trazia uma longa e branca barba, bem como um quipá na cabeça, mostrando que a caminhada da igreja cristã rumo à Reforma deu uma guinada que coloca Jesus e o Espírito como novos coadjuvantes do Deus Pai, veterotestamentário, dos judeus. Em suma, nada na igreja de Macedo é protestante; tudo lá é qualquer outra coisa, mesmo que a coisa nada tenha a ver com o que queriam os reformadores que Edir Macedo professa seguir, ainda que de longe. 

O problema de tudo isso é que os judeus não aceitam o que a IURD fez, bem como não reconhecem como de Salomão o que foi construído no bairro do Bráz, em São Paulo. Assim, sem o apoio do mundo protestante, já que a igreja do Bispo Macedo não caminha por tal senda luterana, sem a simpatia judaica, já que tal réplica de templo poderá até ser chamada de uma profanação religiosa, e sem o apoio católico, já que o chute na santa jamais será esquecido, restará a Macedo e seu séquito uma linha religiosa única no Brasil de todos os santos. A se seguir tal tendência, não será absurda a ideia "macediana" de um céu da Universal aqui na terra. Nesta futura versão megalomaníaca do Bispo, teremos ruas de ouro a cobrir alguma metrópole brasileira, bem como portas de pedras preciosas e outros adereços apresentados no livro de Apocalipse. Conseguindo isso, enfim, Macedo terá alcançado a "imitação do céu". Quanto a nós outros, que não compactuamos com as loucuras do Bispo, experimentaremos em breve, e já aqui na terra, a terrível presença do inferno.

liberdade, beleza e Graça...