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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

"Enquanto calei, envelheceram-se os meus ossos dentro de mim"

Pelos jornais de outros países, o acontecido não seria característica do Brasil, mas dos Estados Unidos. Sempre foi típico na América de lá - talvez pela grande facilidade de acesso a armas de fogo - o triste fato de adolescentes e jovens entrarem armados em colégios, matando, pelos motivos mais variados e aparentemente "banais", grupos inteiros de pessoas indefesas. Se não era algo a acontecer por aqui, agora aconteceu, infelizmente. Já tinha ocorrido em um cinema paulistano há alguns anos, mas a incitação da violência por um filme e o desequilíbrio emocional de um jovem "justificavam" aquela tragédia.
No caso atual, no entanto, ao se falar com várias pessoas que conviviam com o jovem Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, é impossível encontrar vestígios de violência ou algo que pudesse denegrir a imagem dócil do rapaz. Porém, a vida do jovem que ontem assassinou brutal e covardemente 12 crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro Realengo, no Rio de Janeiro, era uma bomba-relógio prestes a explodir.
Se a contribuição de Sigmund Freud é contestada por muitos, não se pode, por outro lado, negar a imensa influência que perdas e complexos da infância geram em cada um de nós, sobretudo em se tratando de religião e sexualidade, que - muito curiosamente - sempre aparecem em casos como o ocorrido ontem no Rio de Janeiro. Há indícios de que o mesmo aconteceu no massacre da Escola Columbine, nos Estados Unidos, sobre o qual também tratamos aqui (ver "Uma década de tiros em Columbine", postado em abril de 2009, e ver o filme "Elefante", de Gus Van Sant).
O jovem Wellington era solitário e casto. Pelas informações de todos os que o conheceram, nunca andava acompanhado de amigos ou namorada. Carregava consigo um silêncio surdo e impenetrável e uma forte carga religiosa, expressa na singularidade da mistura - pelos relatos deixados por ele no bilhete que nos ficou de espólio - de islamismo e religiões evangélicas. No que tange à sexualidade, parece mesmo que o jovem nunca a explorou com alguém, pelo menos não voluntariamente; se involuntariamente, não ficou dito.
Sexo e religião; talvez as partes mais sensíveis da caixa-preta que é o ser humano. Nada na dimensão humana consegue fazer matar e morrer tanto quanto esses dois construtos, sobretudo se vierem jungidos a humilhações de qualquer natureza. Assim, estaremos sempre vítimas de nossa própria doença, pois, embora a maioria não tenha provocado, a presença desses dois "fantasmas" será sempre uma realidade. Não é difícil encontrarmos pessoas que, por conta de algum abuso de ordem sexual ou de influência religiosa equivocada, por menores que tenham sido, são verdadeiras "bombas caladas". Mas ninguém cala para sempre, a não ser que não se incomode com o envelhecer de ossos dentro de si.
O salmo bíblico de número 32, no versículo 3, traz uma sentença bastante apropriada para esse momento: "Enquanto calei, envelheceram-se os meus ossos dentro de mim, por conta do meu gemido de dia e de noite". Sabemos que, infelizmente, dentro e fora de boas famílias e até de boas e sérias igrejas, são muitas as pessoas que calam e guardam dentro de si os ossos que envelheceram e que adoecem de morte e para a morte.
Que neste momento de dor e lágrimas, os meninos, meninas, homens e mulheres do Brasil possam encontrar refúgio, ouvido e ombro amigo para que consigam se "desarmar de si mesmos". Que o Senhor Jesus tenha piedade de Wellington Menezes, de sua família - que tristemente ficou à distância, não percebendo os pedidos de socorro de um jovem solitário e carente de afeto e amor -, das famílias enlutadas e das indefesas crianças, que tristemente perdemos sem razão aparente. Estamos em luto.

liberdade, beleza e Graça...