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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

"Teoria social e política: pensando 2014 à luz de 2010"

O conceito de tipo ideal foi cunhado por Max Weber, um dos pais da Sociologia. Pela ideia weberiana, existe uma grade de leitura que permite ao pesquisador estudar traços do sujeito/objeto da pesquisa, de sorte a - mesmo que não o analisando em sua totalidade e realidade - poder "aumentar o grau" da lente que foca as características que fazem o sujeito/objeto ser o que é, destacando em cores fortes aquilo que, como em uma caricatura, poderia sintetizar o que está sendo estudado. 

Por esta lógica oferecida pela teoria sociológica de Weber, ainda que não consigamos falar da realidade social de forma "positiva", como pretendem as chamadas ciências duras, ao menos podemos chegar perto de fazer inferências intelectualmente honestas sobre uma realidade social, mesmo que deixando de fora aquilo que Talcott Parsons chamou de "categorias residuais", visto que não se estará falando de algo real em sua totalidade, mas de alguma coisa que, como quer o conceito, é ideal. Uma representação intelectualmente honesta de uma dada realidade social.

Pensando em tal teoria, minha proposta metodológica para analisar o eleitorado brasileiro nas últimas eleições presidenciais (2010 e 2014) levou-me a trabalhar os tipos ideais de eleitores do país pensando em duas grandes categorias de análise: o tipo ideal-ideal e o tipo ideal-flexível. Pela construção que empreendi no doutorado, o tipo ideal-ideal é aquele eleitor que escolhe uma candidatura e dela não arreda o pé, ainda que todo o universo caia sobre o seu candidato e partido de preferência. Já o tipo ideal-flexível sintetiza aquele eleitor que, a depender das circunstâncias oferecidas pelo processo eleitoral em curso, bem como das incongruências de candidatos e partidos, poderia migrar de uma candidatura para outra, ainda que tal mudança não aconteça sem o enfrentamento de crises.

Por minha análise, que começou em 2010, o eleitor tipo ideal-ideal é voto garantido, o que faz com que candidatos e partidos não se preocupem com ele, já que não o perderiam em hipótese alguma. Já o eleitor tipo ideal-flexível é aquele que deve ser trabalhado e "paparicado" ao máximo, pois concebe a ideia de mudar de candidato, mesmo que isso se dê um ou dois dias antes da votação. Ele poderia ser chamado de "indeciso" por alguns, mas não se trata disso, pois é alguém que está decidido, mas aberto às contingências que todo pleito permeado de marketing político e terrorismo eleitoral traz.

Em pesquisa de doutoramento descobri que, em termos de gênero, o tipo ideal de voto em Serra e no PSDB em 2010 era feminino. Em termos étnicos, era branco. Focando-se a região, era do sul do país. Em se tratando de renda, ganhava mais do que 5 salários mínimos por mês. Quanto à idade, tinha entre 40 e 49 anos e quanto à escolaridade, tinha ensino superior completo. Juntando tudo, tinha eu o que chamei de tipo ideal-ideal; aquela pessoa que não deixaria de votar em Serra e no PSDB de jeito algum. Já no caso de Dilma, o gênero era masculino, a cor era preta ou parda, a região era a nordeste, a renda era até um salário mínimo mensal, a idade era entre 30 e 39 anos e a escolaridade era até a quarta série primária. Estava assim construído o tipo ideal-ideal de eleitor de Dilma e do PT.

Como o tipo ideal-ideal não muda de lado, mas também não consegue mudar uma eleição, o foco dos candidatos e partidos se tornou o chamado tipo ideal-flexível, que, independentemente do gênero, da renda, da cor e da idade, era da região sudeste, tinha escolaridade superior, ainda que incompleta, e respeitava uma racionalidade que não se movia por simples paixão, como em geral acontece no tipo ideal-ideal, mas comparava os pacotes de benefícios de cada candidato, aguardando pelas contribuições oferecidas pela campanha eleitoral, pelo noticiário e pelos debates televisivos. Assim, o eleitor a ser buscado não estava tão definido e se careceria de uma articulação bastante rica de informações e pesquisas qualitativas para lhe construir respostas às demandas.

Mudando-se de 2010 para 2014, seria possível "adivinhar", pelos números e conclusões de outrora, o resultado da eleição que viria? Não; as teorias política e a sociológica, com foco no comportamento eleitoral, não são detentoras de "profecias". Todavia, dão pistas para o que muito se aproxima de uma "adivinhação", uma vez que trabalham com os traços mais marcantes e relevantes para uma eleição, assim como pede a tipologia ideal weberiana. Deste modo, a fim de que não se realizasse o que foi concluído à luz de 2010, apenas o que é chamado em Teoria Política de "fato político" poderia mudar um resultado que poderia já ter sido previsto. Um gesto golpista de uma imprensa marrom gera fato político, mas bater em mulher e chamar uma avó de 66 anos de "leviana", também, e talvez mais, já que leviana, no Pernambuco de Eduardo Campos, maior apoiador, ainda que morto, significa "vagabunda de tudo". Se em termos de gênero o PSDB detinha o eleitorado feminino, eis que um fato político mudou a balança e fez uma eleição que era a mais favorável à oposição retornar às mãos de quem já a tinha praticamente perdido. Agradecer São Paulo pela votação e ignorar Minas Gerais também gera, para o futuro, fato político. Ganharia mais nada, se dependesse de lá! Deu mole. 

liberdade, beleza e Graça...