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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

"A socialização do mal e o chumbinho que não consegue matar"

Tratar as pessoas em situação de rua tem sido um desafio imenso para os gestores públicos das grandes cidades brasileiras. Repletas de usuários de crack, menores em conflito com a lei e viciados nas mais variadas drogas, ilícitas ou não, as ruas estão a clamar por posturas que coloquem em destaque a discussão entre o público e o privado, numa das mais difíceis reflexões acerca da vida contemporânea. 

Quando a criminalidade aumenta, e sobretudo quando isso é percebido como fruto de ações de responsabilidade dessa população desprovida de políticas públicas que a possam retirar da situação de rua, atitudes antagônicas se apresentam, contemplando discursos que vão da visão socializadora do problema, com foco em políticas públicas, à visão higienizadora, muitíssimo cara à postura privatista das novas classes médias, tão preocupadas apenas consigo mesmas e com o bem estar dos seus "iguais".

A crise que se estabelece diz respeito a se considerar ou não o outro como um igual. Se o outro não é um igual, como aconteceu na Alemanha de Hitler, é possível eliminá-lo sem qualquer peso na consciência, visto que se estará fazendo até um favor à sociedade, que teima cada vez mais por "limpeza", seja ela étnica ou social. Não se focando a criação de CREAS - Centros de Referência Especializados de Assistência Social ou CRAS - Centros de Referência e Assistência Social, já que muito do recurso público deve ser ali alocado, o foco passa a ser uma visão mais "econômica" e que "limpa as cidades" daquilo que as "enfeia".

Nessa linha de pensar, um cidadão paulistano transmutou em ação a ideia higienizadora da nova classe média; num ato "solidário" para com um conhecido mendigo de sua região, o cidadão resolveu passear em seu carro pelas ruas infestadas de "pessoas a se eliminar" e doar uma garrafa de cachaça com um frasco de chumbinho (veneno para matar ratos) dissolvido no cobiçado líquido a ser consumido por um cidadão já desprovido de quase tudo.

O final antológico dessa macabra história é inspirador e merece novos materiais para discussões e debates, pois um verdadeiro "milagre" aconteceu; o mendigo não morreu, apesar da grande quantidade de chumbinho dissolvida na bebida. Isso porque a mendicância tem algo de sublime a ensinar a uma classe média privatista e higienizadora: jamais se usufrui sozinho de um sofrimento ou de uma benesse. O mendigo não tinha a mesma visão de mundo do cidadão que lhe ofereceu a bebida e dividiu o líquido com seus companheiros de rua. Final da história: ninguém morreu, apesar de todos terem passado mal, pois o veneno foi dividido entre várias pessoas. Moral de uma história que precisa, e muito, inspirar a todos: quem é solidário e atenta para o seu próximo jamais será morto por veneno para ratos. Chumbinho foi feito para matar apenas dois tipos de ser: os ratos e os que comem e bebem tudo sozinhos. 

liberdade, beleza e Graça...