Com o enfraquecimento dos movimentos sociais, por conta de uma sagaz retórica reacionária que prega que "não adianta nada protestar, pois nada vai mudar", dificilmente se imaginaria uma tomada de posição como a que acontece há alguns dias no país. O povo, enfim, tomou as ruas e passou a exigir uma atenção que só estava sendo dada a algumas obras "para inglês ver", obras essas para a copa do mundo de futebol que se aproxima e que será aqui mesmo no Brasil.
O movimento que hoje sacode o país começou por conta de um aumento considerado abusivo para o transporte público na cidade de São Paulo, a mais próspera da nação. Dos vinte centavos que provocaram a indignação do Movimento Passe Livre, no entanto, pouco resta hoje, visto que são vários os grupos pleiteando direitos, o que só fez universalizar o levante social que agora toma as ruas e as mais variadas mídias, sobretudo as eletrônicas.
Faltando exato um ano para as eleições, um movimento dessa magnitude não poderá ser ignorado, haja vista o fato de que é um levante popular que pode ser computado para o mal ou para o bem, a depender da sagacidade da classe política. Pelo início das respostas da polícia militar paulista, o saldo se fez bastante negativo, o que fez com que o governador Geraldo Alckmin repensasse a truculência por ele incitada na semana passada, truculência essa que chegou a ser bastante elogiada pelo governador do PSDB.
A grande mídia, como sempre, e respeitando o seu caráter reacionário de longa data, tratou logo de chamar os manifestantes de "vândalos irresponsáveis", chegando a dizer que a maioria dos jovens que lá se encontravam se manifestavam por algo que nem usam, visto que são de classe média e nem se utilizam do transporte público. A pergunta que fica é: quem disse que uma pessoa só pode se manifestar quando o assunto lhe diz respeito diretamente? Porventura a dor alheia deve ser ignorada e a política adotada deve ser a do "farinha pouca, meu pirão primeiro"?
Muito mais sagazes do que o governador paulista, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente Lula e a atual presidenta Dilma Rousseff manifestaram-se de forma a contradizer aquilo que agora até o governador Alckimin quer contradizer. Para FHC, "chamar os manifestantes de baderneiros é um erro". Para Lula, "ninguém consciente pode ser contra o movimento". Para Dilma, "manifestações pacíficas são legítimas no país". É claro que tudo se passa apenas agora, depois que o melhor e o pior já aconteceram; a polícia já bateu, o povo já se indignou e a mídia (ah, a grande mídia...) já mudou de lado!
Por mais que seja uma maldade proferir tal frase, tem tiro no olho que vale a pena ser tomado! Isso porque é o tipo de tiro que é tomado pelas "pessoas certas", isto é, por quem, na visão dos que almejam os votos, não deveriam nunca tomar. Em meio aos confrontos entre a tropa de choque e os manifestantes paulistanos, dois jornalistas da Folha de S. Paulo foram atingidos com balas de borracha nos olhos, o que pode fazer com que um deles perca a visão. Tal acontecimento fez mudar radicalmente a abordagem e posição dos meios de comunicação, que passaram a focar o abuso e a truculência policial, já que sentiram na pele dos seus o que é estar à mercê de uma polícia militar que só faz jus à uma época em que a palavra direito servia apenas para a justificação de torturas, exílios e mortes cruéis.
O melhor de tudo é que a reação em cadeia, que não estava programada, aconteceu e já são várias as metrópoles com ruas e monumentos tomados por manifestantes. Agora não são apenas os vinte centavos paulistanos que contam, mas um montante engasgado de direitos não contemplados; educação, saúde, segurança pública, transporte digno e resposta responsável pela gastança com obras faraônicas para eventos que jamais terão a potência de um povo educado e saudável. É provável que as manifestações não cheguem a todo o resultado esperado e que os vinte centavos paulistanos venham mesmo a ser pagos pelos que não deveriam pagar mais por algo já bastante caro, embora extremamente precário. No entanto, é bom que se veja que o movimento popular não morreu. É bom saber que o povo ainda tem gana de ir às ruas e exigir um mínimo de respeito de quem parece não estar "nem aí para a hora do Brasil". Pode ser que não consigamos pagar menos por um transporte já bastante indecente, mas só de saber que o povo acordou, já dá um alento na alma, traz lágrimas sinceras aos olhos. O povo está nas ruas, meu Deus! O povo está vivo! Ainda é possível sonhar.
liberdade, beleza e Graça...