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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

"Parasita"

O filme Parasita, do cineasta sul coreano Bong Joon-Ho, é de fato o melhor filme de 2019. Em um primeiro momento, pensei em eleger 1917, de Sam Mendes, mas, após ver a película sul coreana, não tive como não me render à potência da obra oriental. Como forças da obra, impossível não se enxergar os muitos elementos a explicarem de modo magistral a condição humana, bem como a luta de classes, tema que aparece em cada parte deste que já nasce como um clássico do cinema contemporâneo, além de o filme oferecer metáforas bastante enriquecedoras a justificarem sua escolha como melhor filme do ano na edição 2020 do Oscar. 

O filme narra a condição de parasitismo de uma família muito pobre e que mora em um semi-porão, com pouquíssimo acesso à luz e à rua, os Kim, em relação aos Park, família rica da região alta da cidade, e que é o modelo máximo de uma possível meritocracia e disposição empreendedora de alguns indivíduos no capitalismo contemporâneo. A relação entre tais famílias tão distanciadas na questão de classe se estabelece quando o filho da família pobre consegue um trabalho como professor particular de inglês na casa dos ricos, articulando com sua irmã a possibilidade de ir empregando aos poucos toda a família, ainda que para isso ajam de modo a mentir e manipular situações e falsificar documentos.

A primeira sacada do diretor é a questão dos planos, já que os ricos e os pobres estão literalmente no plano alto e no baixo da cidade, respectivamente. Assim, todas as referências acerca do que está em cima e do que está embaixo diferenciam as classes sociais em questão, sendo a chuva um dos elementos a colocar as classes sociais em relação bastante diferenciada, já que, enquanto para os ricos, que moram no alto, a chuva se apresenta como um espetáculo da natureza, para os pobres é um suplício, uma vez que o risco de enchentes e perdas materiais, e até de vidas, sobretudo para quem mora em praticamente um porão, faz da chuva algo demasiadamente ruim e indesejado.  

Outra imagem a construir uma metáfora extremamente forte no filme é a "pedra da sorte" que aparece. Como o filme insinua, quando alguém resolve crer que um elemento da natureza tem poderes sobrenaturais, pode ser que nem perceba que o presente que pobres podem ganhar dos ricos na luta de classes sempre será algo que para nada serve e que não tem nem o valor de um prato de comida, a não ser que a relação com tal objeto inanimado se dê na base da superstição, o que acaba por fazer com que a tal pedra se torne um estorvo e até razão para que o crente no seu poder possa inclusive correr o risco de morte, quando vítima do próprio objeto em que tanto acredita.

Ainda que se pense que a luta de classes se estabeleça a culpabilizar ricos e isentar pobres, o filme é claro ao mostrar que as classes mais abastadas sempre conseguirão se manter no poder, justamente porque os pobres, ao perceberem outros em condição ainda pior - pois há os que vivem em situação ainda pior do que um semi-porão, já que vivem mesmo em um porão, e nem acesso à luz do sol têm - dificilmente se solidarizam na busca da união para o enfrentamento que se espera de quem compartilha as mesmas agruras do capitalismo selvagem que se estabeleceu dividindo ricos e pobres, mas agora também os pobres dos ainda mais pobres.

A ascensão social, apenas sonhada no final do filme, não seria possível, segundo a ideia de Joon-Ho, visto que os pobres, ainda que consigam conquistas como possuir roupas e até alguns bens que os ricos têm, nunca conseguirão se livrar de algo que os caracteriza como pobres, e que sempre os acompanhará, o que, no caso de Parasita, é o "cheiro de pobre", tão genialmente explorado na película sul coreana, e motivo para que um dos protagonistas se torne assassino ao final do filme, justamente por perceber que seu cheiro continua a ser um fator a provocar nos ricos muitíssimo mais incômodo do que a morte de uma pessoa até então muito querida por todos, mas que infelizmente continua a carregar o "insuportável cheiro". Parasita, de fato, merece fazer história.

liberdade, beleza e Graça...