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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

“Freud, AIDS e religião; tudo junto, numa articulação por Romanos”

Uma das questões mais intrigantes na vivência da religiosidade cristã – e talvez também de muitas outras vivências religiosas, das quais temos menos conhecimento – sempre foi a razão para que uma pessoa fosse desligada de uma determinada comunidade de fé. Por anos e anos o único motivo que justificava um desligamento era, por incrível que hoje possa parecer nos grandes centros, a gravidez fora do casamento. Em geral então, os adolescentes e jovens eram as maiores vítimas deste doloroso processo. Embora a crença cristã não faça diferenciação entre um pecado e outro, ainda não se tornou pública uma exclusão por causa de fofoca, inveja ou outro pecado “mais brando”, o que parece ser sim uma contradição.
A leitura da obra de Sigmund Freud, pai da psicanálise, talvez ajude a explicar porque o sexo e as questões inerentes à sexualidade sempre conseguiram ter tanta força entre os religiosos, sejam eles cristãos ou outros.
Freud entende que o básico da existência humana está ligado aos traumas e perdas na primeira infância e às pulsões sexuais que, em maior ou menor medida, são recalcadas ou sublimadas para que uma vivência “mais decente” se dê no mundo da vida. Deste modo, as fases genital e de descoberta da sexualidade, que tanto assustam a alguns adultos, por conta de mostrarem que o ser humano vai “cedo demais” aos lugares onde só se deveria ir na vida adulta, foram um importante foco de estudos do pai da psicanálise.
A força da questão sexual também é apresentada na Bíblia. A carta do apóstolo Paulo aos romanos mostra algo que nos faz pensar nisto que já foi apresentado como obra e tese de Sigmund Freud em finais do século XIX e início do XX; a sexualidade é mesmo foco de importância capital também no livro sagrado dos cristãos. Tanto assim é, que o primeiro capítulo de Aos romanos mostra que a forma que Deus usou para apresentar a sua decepção com um grupo de pessoas desobedientes foi a “entrega destes às suas próprias paixões sexuais, deixando surgir até relações entre mulheres e mulheres e homens e homens”. A homossexualidade estava, pois, posta para a crítica ulterior.
Nos anos 1980, quando a AIDS chegou, desconhecida e assustadora, o texto de Romanos foi utilizado por vários segmentos religiosos para transformar os gays em uma "maldição do século", responsáveis diretos pela mão de Deus que estava então “pesando sobre a humanidade”. Não foram poucos os que ligaram a doença até então implacável ao texto do primeiro capítulo de Romanos.
Hoje, embora um participante de um destes chamados shows de “realidade” tenha afirmado que "a AIDS é coisa só de gays”, é sabido que a doença é coisa de muita gente séria, que contraiu o vírus desde o nascimento, por exemplo, e também de gente desprevenida e com parcerias sexuais irresponsáveis. Nos anos 1980, os gays foram entendidos como “o grande mal” por conta do desconhecimento em relação à nova doença e por conta do número de parceiros que em geral tinham. Contudo, já é sabido que, sendo homo ou sendo heterossexual, o número de parceiros e a irresponsabilidade continuam a ser os elementos básicos a se culpar.
Enfim, o que a nossa leitura hoje da Bíblia mostra é que Freud tem sim razão, pois, entregues aos seus próprios desejos e paixões, os seres humanos investem logo num ponto que para Freud e para Paulo é um ponto nevrálgico: a sexualidade, com todas as possibilidades que ela oferece, agradando ou não ao chamado caráter divino.
É bom lembrar, no entanto, que o foco desta parte de Romanos é a idolatria. É por causa da troca de Javé por outros deuses, adeptos do culto ao corpo e da fertilidade sexual, que o tal “abandono de Deus” se deu. Mas aí o assunto já ficaria longo demais.

liberdade, beleza e Graça...

6 comentários:

Anônimo disse...

É interessante como tudo "já estava escrito"...
Seriam as pessoas de hoje e também as observadas por Freud "abandonadas" por Deus como ao povo mencionado por Paulo em Romanos 1?
Se não, o que as diferem ? Se sim, qual a idolatria que esta deixando Deus de lado?
Will

Cleinton disse...

olá, will.
acho que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. enquanto freud fala de pulsões naturais até inconscientes desde a mais tenra idade, paulo fala de uma verdadeira "bacanal" buscada após a recusa de uma monolatria. Deus não abandonaria as crianças por conta de uma pulsão natural, mas abandonou os seres humanos às suas paixões por causa da adoração a outras entidades que não ele. minha articulação por Romanos foi uma tentativa, embora possa ser criticada, já que freud tinha a religião como um surto psicótico. usei freud por causa do aporte teórico, mas, em relação a paulo e à religião, ele não poderia ser chamado de "amigo", entende?
freud é muito útil por conta de ter ele percebido que o sexo nos foi imputado como pecado e interdito, mesmo onde não o é.
grande abraço, cara.

liberdade, beleza e Graça...

Liana disse...

Se o comentário vale ponto, tá aqui! Agora, lembrando das aulas, tenho me sentido um Colombo. Compramos uma calopsita, linda ave, albina purinha. Nos interessamos por ela justamente por ser uma ave dócil e que interage com a gente. A nossa é brava e só quer saber de bicar! Tá difícil conquistá-la e fiquei com raiva querendo devovê-la. Triste né, a bichinha dentro de uma gaiola com um monte de mãos querendo pegá-la com as asinhas cortadas sem poder voar e ainda tendo que me fazer satisfeita...
Abraços, professor!

Cleinton disse...

olá, liana.
obrigado pela visita e leitura.
cara, tenho de dizer uma coisa na boa, desejando que você não fique brava comigo: para mim, pássaro bom é pássaro solto!
eu, se fosse essa ave, esperaria minha asa crescer e bicaria todo mundo até me soltarem!! rsrsr
há braços, aluna.

liberdade, beleza e Graça...

Anônimo disse...

Eis uma ótima postagem. Freud já montava o Complexo de Édipo, e explicava que quando uma criança atinge o período sexual, geralmente sente atração física e sexual pela pessoa de sexo oposto na família. Esse período sexual fálico é no mínimo perigoso. Na identificação negativa desse caso, o medo de perder aquele a quem hostilizamos faz com que nos identificamos com o sexo oposto, e isso com certeza gerará um comportamento homossexual. Sair dos impulsos e dos instintos e entrar na racionalidade não é tarefa pra qualquer um. rs.

Enfim, segundo Freud, o ser humano é, em sua natureza, ou seja, sem a influência da cultura como inibidor dos instintos, promíscuo e bissexual. E isso eu não concordo. Hahahaha.

Forte abraço, Clei!

Cleinton disse...

valeu, muléke!!
grande hígor, eu posso até ser bissexual, mas meu lado feminino é gay, entente? rsrsrsrs
há braços, cara.

liberdade, beleza e Graça...