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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 9 de abril de 2013

"Marco Feliciano: do que realmente interessa nele"

O deputado e pastor Marco Feliciano conseguiu muito mais do que os 15 minutos de fama profetizados pelo grande Andy Warhol. Não se fala noutra coisa e as mídias insistem em bater numa tecla que não traz nada que realmente possa edificar o nosso pensar. Quase tudo é preconceito, ditadura de pensamento único e postura antievangélica radical. Afinal, praticamente ninguém toca no assunto que é a base para quase tudo o que o infeliz Feliciano crê e espalha como verdade; a saber, sua teologia. 

Alguns entenderam meu texto anterior, também sobre o tal pastor e deputado, como sendo um texto conservador e que "não batia como deveria". No entanto, nada no texto merece retoque analítico, pois o processo democrático deve abarcar - também - figuras como o pastor e deputado que aqui nos é tema de reflexão. Ainda assim, concordo que o texto deveria ter colocado em xeque o que é o mais importante nisso tudo: as razões de tal deputado pensar como pensa sobre os temas que agora lhe são muitíssimo caros.

Como meu foco maior de pesquisas são as relações raciais, meu interesse aqui será a parte em que Feliciano toca na questão da negritude, que ele trata como maldita, já que esta se mostra - sobretudo na África - como o oposto do que seria a manifestação da bênção de Deus. Para entendermos tal pensamento, é necessário buscarmos algumas referências que nos possam auxiliar. Encontro em Max Weber uma delas. 

A ética protestante apregoada por Weber seria uma das razões do surgimento do capitalismo de mercado, o que se tornou um dos pilares da chamada Modernidade. Por tal ética, como é sabido, a bênção divina não fica protelada para uma vida após a morte, visto que uma das "provas da salvação" seria justamente a prosperidade terrena, o que veio a confrontar radicalmente a visão católica da Idade Média. 

O continente africano, como não é difícil perceber, apesar de riquíssimo em minerais e riquezas outras, sofre de extremada pobreza. Na linguagem de Feliciano, sofre de uma maldição que tem um início e uma sequência bastante claros e delimitados: a maldição de Caim, no mito de origem bíblico, no Édem, e a maldição de Cam (curioso que os nomes se pareçam, não?), no episódio em que o filho Cam "visita a nudez" do pai, Noé (embora alguns pensem que isso significa que Cam viu o pai nu, um estudo da língua hebraica nos revela que Cam fez sexo com o pai). Para além destes dois textos, um outro em Cantares também foi motivo de racialização, mas poucos tocam neste texto, já que ele não traz nomes e é considerado "apenas um poema".

Para que Marco Feliciano fale menos besteiras, então, é necessário que reveja sua teologia, visto que, tanto em Gênesis quanto em Cantares, os textos bíblicos que ele usa para justificar uma "maldição dos negros" não referendam tal crença, pois em nenhum caso a escravização de um povo pelo outro significa escravização negra! Como deveria ser sabido por tal deputado e pastor, a escravização negra é um tema bastante moderno perto do tema escravidão. A escravidão não começa com os negros e negras africanos, mas muito antes, quando todo povo derrotado - fosse ariano, negro, índio, mongol etc. - era feito escravo e pagador de tributos. Dizer, portanto, que "a maldição de Caim e Cam foi ficarem com o nariz achatado e a pele escura" não passa de mais uma das muitas imbecilidades trazida pelos religiosos protestantes racistas que colonizaram religiosamente o Brasil

Como bem defende o teólogo e exegeta Osvaldo Luiz Ribeiro, no livro Religião, racismo e etnicidade, organizado por este que vos escreve, "não há qualquer base para a racialização do texto de Cantares, bem como de outros que foram utilizados para tal questão, como é o caso de Gênesis". Assim, a informação de que nariz achatado e pele escura são referências de maldição divina é, no mínimo, motivo para um debate mais sério sobre o que fala e pensa o deputado e pastor Marco Feliciano. Agora, se for para ficar na superfície do debate, é melhor ficar calado e deixar o homem trabalhar em paz, pois homem beijando homem e mulher beijando mulher não mudam a teologia e o pensamento de ninguém.

liberdade, beleza e Graça... 


2 comentários:

Liana disse...

Verdade, o problema das declarações de Feliciano está na Teologia dele. Lembro de mim e das besteiras em que já cri e falei. Não sei se como parlamentar ele será diferente, deixará a religião de lado e vai trabalhar pró-povo... porém, com o discurso religioso que vem trazendo, tenho receios, ou melhor não acredito, para ser sincera, que ele vá executar um bom trabalho na Comissão que preside, já que já tem uma mente "separatista".
Acho as manifestações válidas, desde que com respeito e um bom diálogo.
Esse negócio de Democracia...rsrs... nem os democráticos sabem bem o que é isso! Dá pra reduzir tudo na maldade humana??

Carlos Medeiros disse...

Caríssimo, quer dizer que a interpretação racista é equivocada (concordo) e a homofóbica nem vale a pena discutir, por ser besteira (discordo)? Será que não seria possível fazer uma boa revisão teológica de tudo o que implique em discriminação a seres humanos, sob qualquer prisma? Quando a religiosidade aceitará o princípio da tolerência e da caridade? Grande abraço do seu velho - e provocador - amigo do mestrado na UFF.