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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 23 de julho de 2013

"Estado laico não é igreja despolitizada"

Em momentos como o que é vivido atualmente no Brasil - com a visita do papa Francisco à (ainda) maior nação católica do mundo - o debate sobre o laicismo do Estado volta à tona. Por conta disso, abundam nos meios de comunicação os textos acerca de temas-tabu para a igreja, tais como aborto, pílula anticoncepcional, casamento gay e adoção por casais homoafetivos, bem como se apresentam temáticas sobre a ainda forte influência da religião nas políticas públicas do Estado.

A pergunta que se coloca, então, é: se o Estado é laico, por que essa preocupação tão grande sobre o que a igreja tem a dizer acerca das coisas de uma nação que se diz não mais regida pela religião? A resposta é simples: tudo isso acontece pura e simplesmente porque o Estado não é laico; a igreja ainda manda, e manda muito! O Brasil nunca foi laico, e dificilmente será. Os crucifixos ainda abundam nas repartições públicas, incluindo as câmaras legislativas, o que mostra que toda e qualquer decisão tomada, pelo menos simbolicamente, estará sempre referendada pelo viés religioso. E ai daquele ou daquela que tentar retirar tais amuletos do lugar!

Aceitando, pois, o laicismo "de mentirinha" do Estado brasileiro, o foco passa a ser de que forma o Estado se deixa envolver pela igreja e de que maneiras o mesmo Estado invade o campo da fé. Qualquer cabeça pensante sabe que será impossível falar em Estado laico com uma Câmara e um Senado repletos de religiosos dos mais variados matizes, como é o caso brasileiro. Assim, se torna necessária a desmistificação da ideia de laicismo estatal, visto que tal ideia pode muito negativamente influenciar cabeças menos esclarecidas, haja vista o fato de que pode se confundir a separação em relação ao Estado com separação em relação à política, o que faria da religião o pior inimigo de nossas almas.

Por mais que nossos líderes religiosos tenham pouco acesso (e talvez também pouco anseio) à boa formação e quase nunca busquem por uma informação mais crítica, se atendo quase sempre a uma forma muitíssimo manipulada de acessar o mundo (em geral, via televisão aberta), isso não dá a eles o direito de contribuir para uma alienação ainda maior das classes menos favorecidas, maior contingente das igrejas brasileiras. Num momento político como o que vive o Brasil, ignorar o clamor das ruas, oferecendo apenas um "vamos orar", é quase uma postura fascista. Concordando com uma ideia do pensador italiano Antonio Gramsci, se um líder religioso usa a religião de forma a ignorar a situação de opressão do povo, referendando que tudo deve ficar como está, deverá ser destituído do púlpito, assim como um capitalista que oprime seus trabalhadores deverá ser destituído da fábrica.

É triste olhar para as igrejas e, conversando com as pessoas, incluindo os jovens, que já votam, perceber que elas não sabem o que significam as siglas dos partidos políticos e muito menos qual ideologia e bandeiras os mesmos defendem. A bem da verdade, nem os líderes - salvo raríssimas exceções - têm tais informações. Pensar que separação da igreja em relação ao Estado é isso, é contribuir para o inferno na terra, é voltar ao medievalismo religioso, contemplando também agora (e Lutero deve estar se revirando na tumba) o neo-medievalismo evangélico (não dá para usar protestante aqui, pois os evangélicos não são mais protestantes). 

Então, lançando mão do conceito de intelectual orgânico, do mesmo Antonio Gramsci já aqui citado, fica aqui proposta uma saída um tanto interessante ao imbróglio que aqui foi analisado: para além da catequese - de qualquer denominação religiosa, mas sobretudo a evangélica, que cada dia mais toma a nação, desbancando o catolicismo de sempre - que as igrejas adotem aulas de política e debates sobre questões que são caras ao país e que definitivamente possam mudar estruturalmente essa nação tão desigual. Que a Escola Bíblica Dominical guarde pelo menos um domingo por mês para se tornar Escola Política Dominical

Isso poderá realmente mudar a nação, já que os católicos só fazem diminuir - e a Teologia da Libertação se tornou praticamente desconhecida dos atuais católicos - e o crescimento vertiginoso dos evangélicos é mais motivo para vergonha do que para júbilo. Agora, para os que não gostarem da ideia aqui apresentada, fica uma "nova" opção: ligue a tevê para ver o bispo Macedo, o pastor Silas Malafaia, o missionário RR Soares, o apóstolo Valdemiro ou até mesmo a Canção Nova, que, aproveitando-se da festa da presença do papa Francisco no Brasil, está oferecendo indulgências (e estão chamando de indulgências para pagar pecados mesmo, tal como na Idade Média!) em troca de dinheiro e ouro, que estão sendo pedidos pelos empolgados padres de plantão. Se preferir, então, já que esta é uma nação democrática, oferte seu dinheiro e seu ouro e contribua para o inferno na terra, antes de ir para os quintos dele mesmo!

liberdade, beleza e Graça...

3 comentários:

Liana disse...

"Que a Escola Bíblica Dominical guarde pelo menos um domingo por mês para se tornar Escola Política Dominical." Isso seria fantástico! Quando eu dava aula na EBD e comecei a estudar de verdade, pensava muito nisso. Como somos - os crentes - carentes de informação, de história, de conhecimento amplo. Sei que não devemos resumir nossa vida cristã nisso, mas como nos acrescentaria e como seríamos mais relevantes na sociedade...
Um super texto!

Cleinton disse...

Concordo contigo, Liana. Precisamos urgentemente de uma busca pelo conhecimento, pois os nossos púlpitos estão cada vez mais alienados e alienadores, o que está matando o povo, ainda que este se entenda "ganhando vida". Acho, ratificando suas palavras, que nossa relevância social aumentaria muitíssimo se ouvíssemos as ruas. Mas não ouvimos; nosso discurso está pronto e é "imexível".

katyelly disse...

Qual seria a postura ideal de um político cristão? Ele teria que se tornar neutro e trabalhar da forma mais ética possível(e isso implica rejeitar parte dos seus dogmas a favor de uma democracia); quer dizer, o melhor exemplo de um político cristão seria ele ser muito coerente e verdadeiro neste sistema político,talvez deixando de lado parte de sua crença religiosa, como qualquer um que fosse bom no cargo? O que tem em nossa crença protestante que poderia fazer a diferença neste sentido?