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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

"Bacurau"

Passar duas horas em uma sala de cinema vendo o filme brasileiro Bacurau é entender muito do que somos enquanto povo e nação. Afinal, poucos filmes conseguiriam ser tão eficientes ao retratar o Brasil de modo atemporal - mostrando o que sempre fomos - e, ao mesmo tempo, dialogar de modo tão profícuo com o  momento político que vivemos no país, ainda que o filme intente falar do "futuro". Por conta disso, se alguém me perguntar do que trata o filme, não tenho como dizer outra coisa, senão o óbvio não tão óbvio: "trata-se do Brasil". Um Brasil; o que resiste. Fala de resistência. Todos os aspectos que o ato de resistir pode apresentar.

A película de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles retrata a vida de uma cidade do sertão do estado de Pernambuco, a fictícia Bacurau, sendo que, ao mesmo tempo, retrata cada vila, cada município, cada estado, cada canto de um país que, pelo filme, acaba por ser o mesmo em qualquer circunstância, o que faz com que a obra nasça já com todas as credenciais para se tornar premiada por onde passar, recebendo a alcunha de um clássico do cinema brasileiro.

Tudo isso se dá por causa das metáforas apresentadas e pela catarse pela qual parecem passar os diretores e roteiristas, uma vez que ambos escancaram tudo o que deve ser escancarado ao se pensar um lugar esquecido pelo poder público, um lugar sobre o qual os de fora não querem saber, já que o orgulho da cidade, o museu que todos incentivam à visitação, não recebe qualquer atenção dos forasteiros, que, mesmo quando são brasileiros, teimam em considerar um local do país como inferior, "fora do mapa", em especial quando se trata da região nordeste. 

É claro que o Brasil atual e a polarização política aparecem no filme, sobretudo quando se trata de falar sobre figuras como Lunga, que nada mais é do que um líder perseguido pela justiça, mas que é defendido com unhas e dentes pelo povo, já que tem o poder de catalizar a indignação popular e fomentar a luta resistente contra a invasão estrangeira. Claro que o próprio nome Lunga faz menção ao ex-presidente Lula, também em embate com a justiça brasileira, mas defendido com unhas e dentes por milhões de pessoas, em especial pela população do nordeste, de onde ele também vem. Para além de Lula, nomes como Marielle e Anderson são citados no filme, quando da homenagem do povoado aos mortos do local, o que traz, do modo muito exemplar, a política para dentro do filme. 

Em um dos mais interessantes momentos da obra, surgem brasileiros que, não querendo ser comparados aos seus patrícios, mas considerando-se mais parecidos com os estadunidenses, são pelos estrangeiros execrados, já que os exploradores vindos do exterior sempre nos verão como inferiores e com marcas muito peculiares, ainda que pensemos que falamos um inglês "sem sotaque" ou mostremos o quão branca também pode ser a nossa pele de "colonizados por alemães ou americanos". Interessantíssimo ver que, ainda que muitos nos rebaixemos diante de estrangeiros, buscando algum elemento de solidariedade, o filme mostra que os exploradores nunca nos quererão como iguais.

Se a resistência se estabelece com a arma que os próprios estrangeiros criaram, também é interessante perceber que a tecnologia não conseguirá se estabelecer como mais importante do que a coesão social de um povo que resiste à invasão de oportunistas, ainda que um povoado não apareça no mapa ou que não tenha sinal de internet. Também é interessante notar que o local de proteção e de revide é a escola, que no filme se torna o espaço em que todos podem se refugiar, já que quem tem a educação como proteção sempre terá como resistir aos desmandos dos que vêm de fora e menosprezam um povo. 

Em meio a tantas metáforas, pois, fica a dica para que valorizemos o que é nosso, nunca abandonando a nossa história, assim como o povo de Bacurau valorizava o museu que guardava seu passado. Que também saibamos que quem nasce em um lugar desconhecido e desvalorizado por muitos não é outra coisa, senão "gente", e que, ainda que queiram nos diminuir, tratando tudo o que é nosso no diminutivo, possamos mostrar que Bacurau é um pássaro, e não um "passarinho", e que, embora pareça, não está em extinção, pois só sai à noite, já que consegue enxergar e se fazer perceber até mesmo no escuro; em tempos obscuros. 

liberdade, beleza e Graça...



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