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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

"Eu não consigo respirar"

Existe uma diferença muito grande entre a resposta que é dada ao racismo vivenciado no Brasil e aquela que é oferecida pelos estadunidenses. As duas sociedades são extremamente racistas, mas cada uma se relaciona com o tema ao seu modo, o que até já fez pensar que racismo é coisa dos Estados Unidos da América do Norte, mas não da República Federativa do Brasil, sendo essa uma das mais aberrantes falácias desta república de bruzundangas.

Para se perceber o racismo brasileiro é preciso, em primeiro lugar, ser negro - de preferência preto, já que os pardos também fazem parte deste grupo. Tendo essa característica, já é possível perceber a estrutura racial brasileira sem dificuldades, uma vez que a experiência cotidiana já justifica a diferenciação no trato, nas oportunidades oferecidas e no usufruto de benesses como o acesso aos postos de liderança, à educação de qualidade e à saúde eficiente; tudo confirmado nos números oferecidos pelo Censo e analisados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA.

Também é possível perceber o racismo brasileiro sendo uma pessoa branca, já que tal oportunidade foi oferecida a um adolescente em conflito com a lei, numa situação bastante elucidativa: justificando uma marginalidade não vivida pelos brancos, mesmo os brancos pobres, já que não se poderia mensurar a renda no episódio, uma juíza de direito brasileira, tendo diante de si um adolescente branco e de olhos claros para julgar, disse: "mas o que um rapaz branco, loiro e de olhos claros como você faz aqui?!". A pergunta da juíza se mostra, infelizmente, como simples retórica. Na cabeça dela, e na da maioria de nossa racista população, aquele lugar era para um negro; jamais para um branco. Só é "normal" um negro estar ali!

Nos Estados Unidos a coisa é mais clara. Lá, tal como cá, existe lugar e coisa de branco, bem como lugar e coisa de negro; a diferença é que o branco e o negro se assumem como diferentes na "terra da liberdade e da oportunidade". Entendem-se como diferentes, pois vivem isso, já que as abordagens policiais e as prisões contemplam muito mais os negros, assim como acontece no Brasil, só que lá eles mensuram e denunciam isso. A pobreza e a falta de oportunidades atingem mais aos negros lá, assim como acontece cá, mas na América de lá eles calculam e fazem saber disso tudo a todos.

Quando Eric Garner, um negro asmático, vendedor de cigarros, foi abordado e assassinado covardemente por um policial branco há poucos dias, um traço da sociedade estadunidense estava posto, chamando a atenção do mundo para um país que teima em querer ser exemplo de liberdade e igualdade entre os seus cidadãos. É importante notar que não se vê a situação oposta por lá; um policial negro abordando um homem branco. Isso porque lá, como cá, os postos de chefia, de melhores salários e de autoridade estão nas mãos dos brancos, ficando aos negros a tentativa de respirar em meio a um lugar que, definitivamente, parece não ter sido feito para eles. Matar asfixiado um negro desarmado, de mãos para cima, e confessando não conseguir respirar não rendeu nem o indiciamento do policial branco!

Ao presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama, que, "branqueado" por uma mentira defensora de que todos são iguais perante a lei e as oportunidades naquele país, ficará sempre a condição de ver, impotente, um seu igual - em todos os sentidos - ser morto sem defesas diante das câmeras, experimentando aquele presidente a resignação de alguém que nada pode fazer, já que sua cor não consegue fazer o que conseguiu a do pastor batista Martin Luther King Júnior, que, mesmo negro em uma terra aonde os fracos não têm vez, conseguiu viver e morrer para que os negros pudessem respirar.

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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

"Teoria social e política: pensando 2014 à luz de 2010"

O conceito de tipo ideal foi cunhado por Max Weber, um dos pais da Sociologia. Pela ideia weberiana, existe uma grade de leitura que permite ao pesquisador estudar traços do sujeito/objeto da pesquisa, de sorte a - mesmo que não o analisando em sua totalidade e realidade - poder "aumentar o grau" da lente que foca as características que fazem o sujeito/objeto ser o que é, destacando em cores fortes aquilo que, como em uma caricatura, poderia sintetizar o que está sendo estudado. 

Por esta lógica oferecida pela teoria sociológica de Weber, ainda que não consigamos falar da realidade social de forma "positiva", como pretendem as chamadas ciências duras, ao menos podemos chegar perto de fazer inferências intelectualmente honestas sobre uma realidade social, mesmo que deixando de fora aquilo que Talcott Parsons chamou de "categorias residuais", visto que não se estará falando de algo real em sua totalidade, mas de alguma coisa que, como quer o conceito, é ideal. Uma representação intelectualmente honesta de uma dada realidade social.

Pensando em tal teoria, minha proposta metodológica para analisar o eleitorado brasileiro nas últimas eleições presidenciais (2010 e 2014) levou-me a trabalhar os tipos ideais de eleitores do país pensando em duas grandes categorias de análise: o tipo ideal-ideal e o tipo ideal-flexível. Pela construção que empreendi no doutorado, o tipo ideal-ideal é aquele eleitor que escolhe uma candidatura e dela não arreda o pé, ainda que todo o universo caia sobre o seu candidato e partido de preferência. Já o tipo ideal-flexível sintetiza aquele eleitor que, a depender das circunstâncias oferecidas pelo processo eleitoral em curso, bem como das incongruências de candidatos e partidos, poderia migrar de uma candidatura para outra, ainda que tal mudança não aconteça sem o enfrentamento de crises.

Por minha análise, que começou em 2010, o eleitor tipo ideal-ideal é voto garantido, o que faz com que candidatos e partidos não se preocupem com ele, já que não o perderiam em hipótese alguma. Já o eleitor tipo ideal-flexível é aquele que deve ser trabalhado e "paparicado" ao máximo, pois concebe a ideia de mudar de candidato, mesmo que isso se dê um ou dois dias antes da votação. Ele poderia ser chamado de "indeciso" por alguns, mas não se trata disso, pois é alguém que está decidido, mas aberto às contingências que todo pleito permeado de marketing político e terrorismo eleitoral traz.

Em pesquisa de doutoramento descobri que, em termos de gênero, o tipo ideal de voto em Serra e no PSDB em 2010 era feminino. Em termos étnicos, era branco. Focando-se a região, era do sul do país. Em se tratando de renda, ganhava mais do que 5 salários mínimos por mês. Quanto à idade, tinha entre 40 e 49 anos e quanto à escolaridade, tinha ensino superior completo. Juntando tudo, tinha eu o que chamei de tipo ideal-ideal; aquela pessoa que não deixaria de votar em Serra e no PSDB de jeito algum. Já no caso de Dilma, o gênero era masculino, a cor era preta ou parda, a região era a nordeste, a renda era até um salário mínimo mensal, a idade era entre 30 e 39 anos e a escolaridade era até a quarta série primária. Estava assim construído o tipo ideal-ideal de eleitor de Dilma e do PT.

Como o tipo ideal-ideal não muda de lado, mas também não consegue mudar uma eleição, o foco dos candidatos e partidos se tornou o chamado tipo ideal-flexível, que, independentemente do gênero, da renda, da cor e da idade, era da região sudeste, tinha escolaridade superior, ainda que incompleta, e respeitava uma racionalidade que não se movia por simples paixão, como em geral acontece no tipo ideal-ideal, mas comparava os pacotes de benefícios de cada candidato, aguardando pelas contribuições oferecidas pela campanha eleitoral, pelo noticiário e pelos debates televisivos. Assim, o eleitor a ser buscado não estava tão definido e se careceria de uma articulação bastante rica de informações e pesquisas qualitativas para lhe construir respostas às demandas.

Mudando-se de 2010 para 2014, seria possível "adivinhar", pelos números e conclusões de outrora, o resultado da eleição que viria? Não; as teorias política e a sociológica, com foco no comportamento eleitoral, não são detentoras de "profecias". Todavia, dão pistas para o que muito se aproxima de uma "adivinhação", uma vez que trabalham com os traços mais marcantes e relevantes para uma eleição, assim como pede a tipologia ideal weberiana. Deste modo, a fim de que não se realizasse o que foi concluído à luz de 2010, apenas o que é chamado em Teoria Política de "fato político" poderia mudar um resultado que poderia já ter sido previsto. Um gesto golpista de uma imprensa marrom gera fato político, mas bater em mulher e chamar uma avó de 66 anos de "leviana", também, e talvez mais, já que leviana, no Pernambuco de Eduardo Campos, maior apoiador, ainda que morto, significa "vagabunda de tudo". Se em termos de gênero o PSDB detinha o eleitorado feminino, eis que um fato político mudou a balança e fez uma eleição que era a mais favorável à oposição retornar às mãos de quem já a tinha praticamente perdido. Agradecer São Paulo pela votação e ignorar Minas Gerais também gera, para o futuro, fato político. Ganharia mais nada, se dependesse de lá! Deu mole. 

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terça-feira, 14 de outubro de 2014

"Para uma mídia de direita, um governo de esquerda"

Pouco se discute democracia no Brasil, pelo menos conceitualmente. Infelizmente, são poucas as pessoas que entendem democracia para além do conhecido modelo de governo que preza pelo voto universal e pela atenção à escolha da maioria. Mas é interessante lembrar que, nascida na Grécia Antiga, a ideia de governo do "demos" (o povo) não era nem de longe o que se pensa e experimenta hoje em dia, pois naquela época a democracia era assim chamada, mas não aceitava o direito de todos votarem, já que poucos eram considerados cidadãos, título dado àqueles que tinham direito ao voto, algo que só proprietários de terras e de escravos experimentavam. 

A democracia, então, é uma ideia que sempre esteve em processo de desenvolvimento ou, como querem alguns, aperfeiçoamento. Deste modo, o conceito está cada vez mais distante da simplificada ideia de sufrágio universal e da escolha da maioria, já que o mesmo cada vez mais ganha novas facetas, incluindo ideias como a participação de todos - incluindo as mulheres, que nem sempre votaram - bem como a ideia de alternância no poder, o direito ao arrependimento pela escolha feita, os direitos das minorias e os chamados direitos difusos, que são aqueles que ultrapassam a esfera individual e que, por isso mesmo, são mais difíceis de ser mensurados, já que abarcam temas como o direito de respirar ar puro, o direito a um meio ambiente equilibrado etc.

No intuito de aperfeiçoar a democracia, uma das ideias é a já citada alternância no poder. É saudável para o aperfeiçoamento deste que é chamado de "o modelo de governo menos pior" a troca de governantes, já que a perpetuação de um partido ou líder no poder pode levar - e isso constantemente aconteceu na história - a uma ditadura, eivada de autoritarismos, totalitarismos etc. A alternância no poder, então, é benéfica, pois ficam os partidos da oposição no papel de fiscalizar o que está no poder, prestando um relevante serviço à população, o "demos votante", que sempre precisará de quem o defenda de possíveis tiranias. 

No caso do Brasil redemocratizado, todavia, o papel da oposição sempre foi permeado pela influência daquele que é chamado de "o quarto poder", a saber, a mídia. Posicionando-se num espaço conservador, já que quem detém o poder sempre desejará conversá-lo, não permitindo que outros possam também chegar a possuir, a mídia brasileira - pelo menos os grandes e mais conhecidos meios de comunicação - transformou-se em uma espécie de partido político, pautando o que deve e o que não deve acontecer, bem como lançando os vieses que mais lhes interessam, "trabalhando as informações" que devem chegar à população. 

Portanto, a preciosa ideia de alternância no poder, uma das bases para o aperfeiçoamento da democracia, perde força, já que a mídia, comportando-se não como um canal isento de informações, mas como um partido conservador, transforma tal ideia em algo extremamente obsoleto. Exemplo clássico disso é a atual omissão de notícias positivas sobre a situação da candidata Dilma Rousseff, a quem só é dado espaço midiático quando a notícia lhe é desfavorável, acontecendo justamente o contrário com o candidato preferido pela mídia e pelo mercado financeiro, Aécio Neves (para mais informações, sugiro o acesso ao "Manchetômetro", do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, um importante instrumento para a evitação de tal manipulação midiática).

No intuito, pois, de buscar a fiscalização e o acompanhamento das atividades do governo, a fim de que suas posturas sejam de perto monitoradas, se torna mais lógica e democrática uma continuidade da gestão Dilma Rousseff, já que dela a grande mídia se tornou uma atenta fiscal (o que é bom, pois sem isso não se prende os corruptos e nem se fomenta a luta por melhorias, algo que os partidos de oposição não têm conseguido fazer). A fim de se buscar confirmação para tal tese, é muitíssimo interessante perceber a grande mídia se postando como adversária ferrenha de Dilma, o que poderá ser referendado pelas excelentes e democráticas contribuições do "Manchetômetro". Por tudo isso, então, se a mídia é de direita e conservadora, o partido a governar tem de ser de esquerda e progressista - valendo o mesmo para a relação mídia de esquerda/governo de direita - o que contribuirá muito mais para o aperfeiçoamento daquele que ainda é o melhor sistema de governo, a saber, a democracia. Eu voto 13.

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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

"Quem tem medo do Silas Malafaia?"

Às vésperas de mais uma eleição presidencial, é curioso perceber algo que poucos conseguem enxergar no discurso extremamente autoritário e ameaçador de um dos mais conhecidos líderes religiosos do país, o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia. Dizendo-se eleitor do candidato Pastor Everaldo, no primeiro turno, e da ex-senadora Marina Silva, no segundo, Malafaia ergue a voz dizendo que "é preciso tomar cuidado com o voto dos 22 milhões de evangélicos do Brasil". Todavia, ao contrário do que quer tal líder - e também do que acreditam os que nele enxergam crédito - o poder do chamado voto religioso, sobretudo o evangélico, é praticamente nulo numa eleição majoritária.

Analisando dados de dois institutos de pesquisa acerca da eleição presidencial de 2010, onde o discurso religioso estava ainda mais forte do que no atual pleito, foi possível perceber que o peso do voto religioso é muito mais qualitativo do que quantitativo. Isso se refere ao fato de que, ao contrário do que quer o discurso de sua liderança, a força numérica do voto religioso praticamente não se faz notar, ainda que qualitativamente se deve ter uma grande habilidade em lidar com questões religiosas, já que a preocupação deverá ser sempre a evitação do chamado "fato político". Um fato político, sim, pode mudar radicalmente uma eleição, visto que este, em se tratando de religião, mexe com aquilo que o teólogo e psicólogo Edson Fernando de Almeida chama de "a caixa preta do indivíduo".

Geraria um fato político se um dos presidenciáveis dissesse que é ateu, por exemplo, ou se decidisse chutar uma santa ou algo que se assemelhasse a isso. Sendo ateu, mas não confessando tal situação - sobretudo se preferir autodeclarar-se "católico", como a maioria - um candidato não correrá o risco de ter a religião como fator a lhe atrapalhar a eleição, independentemente de qual religião "confessar", já que o importante é "acreditar em Deus". Em termos quantitativos, no entanto, os números de 2010 mostram que menos de 2% dos eleitores que se confessaram seguidores de alguma religião declararam seguir a indicação política do seu líder ou igreja. Assim, cai por terra a retórica reacionária da "ameaça malafaiana", uma vez que já é possível perceber que o discurso de tão carismático líder não consegue contagiar os 22 milhões de eleitores que ele pensa controlar.

Seguindo a teoria de Albert Hirschman, o que faz Silas Malafaia é lançar mão da chamada retórica reacionária da intransigência, que se divide, segundo aquele autor, em três tipos: a retórica da perversidade, aquela onde o discurso "progressista" na verdade só busca mudar aquilo que é conveniente aos detentores do poder, a retórica da futilidade, que é aquela que defende que uma mudança não servirá para nada e que é melhor manter o atual estado de coisas, e a retórica da ameaça, onde se planta o medo de que uma luta por direitos poderá fazer perder até o pouco que já se conquistou.

Malafaia traz a perversidade, pois seu discurso não tem nada de progressista e, ao contrário, só referenda a conveniência dos donos dos meios de comunicação e de uma direita conservadora e preconceituosa. Malafaia traz a futilidade, pois entende que não adianta de nada o "barulho" feito por um bando de "ditadores gays", pois, ao fim e ao cabo, "Deus vai mostrar quem está com a verdade". Malafaia traz a ameaça, pois chega a afirmar que as conquistas sociais já alcançadas podem ser perdidas por conta de uma desobediência ao que ele acha ser "a única verdade que Deus quer ver acontecer no Brasil". Enfim, Malafaia traz o Everaldo e a Marina, mas, a manter-se a tendência das pesquisas e o "peso" do voto religioso em eleições majoritárias, serão apenas mais dois irmãos descendo a serra para dar as mãos ao Serra.

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terça-feira, 9 de setembro de 2014

"Porque voto na Dilma, do PT, e não na Luciana, do meu PSOL"

Justificar o voto em um partido que não é o principal em sua preferência é uma das mais difíceis tarefas a se executar. Por conta disso, é preciso trabalhar seriamente o arcabouço teórico-empírico de que se dispõe, bem como se ancorar em dados que ajudem a fugir do lugar comum oferecido pela opinião publicada dos grandes meios de comunicação, sempre ávidos por transformar suas ideias particulares em opinião pública.

O partido que mais fala ao meu coração e ideologia política é o PSOL, mas, apesar disso, não é o partido que recebe meus votos em se tratando de eleições majoritárias. A justificativa é simples: ao contrário do que pretende o arcabouço da teoria marxiana, o PSOL não consegue dialogar com as grandes massas, público do qual se pretende inveterado defensor, mas apenas com uma elite intelectual de esquerda, que, sejamos francos, não decide eleição alguma. Infelizmente, quase nada do discurso do meu partido consegue entrar na cabeça do eleitor médio, sobretudo o mais pobre, que é quem, ao fim e ao cabo, decide uma eleição.

Prova disso é que pesquisa recente do Instituto Datafolha mostra que apenas 4% da população brasileira se consideram de esquerda, ficando os que se consideram de direita com 11% e o grande grupo, aquele que de fato decide uma eleição, com 85% de eleitores, os quais se encontram num espectro que contempla as chamadas centro-direita e centro-esquerda, lugar de um discurso que, para o PSOL, já é "totalmente cooptado pelo grande capital". Assim, sem conseguir falar às massas, o PSOL tem, como fundamental papel, a oposição responsável que uma democracia em aperfeiçoamento precisa ter. Afinal, ter como oposição partidos como o DEM e o PSDB é como ouvir palavras contrárias da parte do próprio inventor do discurso agora confrontado.

Em termos empíricos, por outro lado, é importante focar a postura dos grandes bancos e da grande mídia em relação ao PT, o que, por si só, já justifica a situação de tal partido como progressista e mais atrelada às questões dos menos favorecidos, dado que é justamente contra isso que o capital financeiro e os mais fortes meios de comunicação se têm colocado. Para além disso, também é importante lançar luz sobre o alcance de políticas públicas que, embora ainda careçam de aperfeiçoamento na gestão, têm conseguido tirar um imenso contingente de brasileiros da pobreza extrema, com contrapartida na escolarização e manutenção em dia da vacinação das crianças brasileiras (Bolsa-Família), bem como conseguido dar resposta à carência em relação aos cuidados médicos mais básicos (Mais Médicos), ajudando ainda na realização do sonho da casa própria (Minha Casa Minha Vida) e fomentando a conquista do ensino superior, tão importante para a inserção no mercado de trabalho e na tão comentada e desejada cidadania plena (Prouni).

Considerando, então, que o PSOL não fala às massas e será sempre mais importante como detentor de cadeiras na Câmara e no Senado, apresentando-se como o mais relevante partido de oposição do país, e considerando também que a candidatura de Marina Silva representa (ainda que como abortivo, já que o plano de Eduardo Campos lhe foi "oferecido" como um "presente de grego") a vontade dos bancos, do agronegócio (contra tudo o que ela sempre pregou, enquanto ambientalista) e de uma visão extremamente conservadora da vida (temendo a retórica reacionária da ameaça dos Silas Malafaias da vida), estar ao lado dos menos favorecidos e dos que mais precisam de políticas públicas é sinônimo de referendar a candidatura de Dilma Rousseff, para quem meu voto vai se direcionar nos dois turnos que virão. E, se meus irmãos evangélicos me perguntarem sobre minha postura de ignorar as candidaturas do Pastor Everaldo e da irmã Marina, só terei uma resposta: não sou crente o suficiente para votar em "Deus".


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terça-feira, 19 de agosto de 2014

"Caminhos da espiritualidade"

Gandhi afirmou certa vez que "se todos os livros do mundo se perdessem, mas restasse o Sermão da Montanha, a humanidade estaria salva". O líder indiano, que, mesmo sendo de tradição religiosa hinduísta, não via problemas em utilizar bons conselhos de textos de outras religiões, fazia referência a um discurso atribuído a Jesus de Nazaré, alocado nos capítulos 5, 6 e 7 do Evangelho de São Mateus, no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia.

Dentre todos os ditos de Jesus em tal discurso na montanha, o que atribui aos ouvintes a denominação de "sal da terra" e "luz do mundo" é um dos mais interessantes, uma vez que não é lido como deveria, mas "cristianizado", mesmo sem Jesus querer. A leitura evangélica, construída à luz da tradição cristã, edificada sobre o arcabouço teórico e religioso do Apóstolo São Paulo, é extremamente falha na apreensão do valor de tais palavras.

O anacronismo no processo de leitura faz com que os crentes pensem que o "sal da terra" - para dar um gosto especial ao mundo e ao mesmo tempo não o permitir apodrecer - e a "luz do mundo" - para iluminar os caminhos dos que andam na escuridão da vida, sem ver a luz que os possa esperançar - se referem aos que creem em Deus, nas palavras ditas divinas ou na religião cristã, responsável direta por privatizar tais conselhos para si.

Sendo, todavia, o discurso proferido para toda sorte de pessoas e etnias, que se amontoavam para ter uma palavra de Jesus em suas vidas, não é tal conjunto de palavras sinal de que os crentes são os responsáveis pela transformação benéfica do mundo que nos cerca, mas de que são apenas parte de um processo onde se encontram - em se tratando de uma aplicação atualizada do texto - católicos, espíritas, candomblecistas, pretos, amarelos, índios, pobres, ricos, mulheres, brancos, ateus etc.

Por mais que a leitura paulinista - feita na intenção de construir uma religião cheia de idiossincrasias e sectarismos - seja tida como um incentivo para que os crentes vivam justa e piedosamente neste mundo vil, a pregação de Jesus - que só serviria para fomentar uma espiritualidade inclusivista, já que só se interessava por apresentar o Reino de Deus - é uma porta aberta para que todos, sem distinção, se responsabilizem pela busca e cuidado com o outro, sobretudo quando este outro é considerado tão outro que não merece qualquer menção, isto é, quando se trata do meu próximo propositalmente distanciado

Jesus não falava apenas para os que criam nele; ele falava para todos aqueles que se poderiam indignar contra o pecado, sobretudo o pecado social, tão esquecido naquela época e também nos dias atuais. Porque quando a fome alheia não me toca e não me faz colocar a mão no bolso, eu peco; quando uma mulher apanha e eu não choro, envergonhado por ser homem, eu peco; quando uma pessoa é ofendida ou preterida por conta da cor de sua pele e isso não mexe com minhas entranhas, que penso caucasianas, eu peco. Se, à medida que o "evangelho" se espalha, a violência de todos os tipos cresce na mesma proporção, é sinal de que estamos pecando muito, ainda que nos entendamos "sal da terra" e "luz do mundo". Neste caso, a questão é que pecamos e achamos que não, uma vez que não bebemos, não fumamos e não transamos.

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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

"Da postura judaizante de um mundo evangélico perdido"

Um dito popular defende que nada é tão ruim que não possa piorar e nada é tão bom que não possa melhorar. Em se tratando de mundo evangélico brasileiro, tal dizer popular se coloca como verdade absoluta, sobretudo quando se trata da parte onde a tendência é a piora. Digo isso como "profeta-vidente", já que em texto escrito há quase dez anos eu apontava uma gradativa volta evangélica ao judaísmo, justificada na dificuldade do mundo protestante de então em lidar com a doutrina da trindade, optando ou pelo hierarquismo das três figuras divinas envolvidas no processo, ou pela subtração de duas delas.

Tentando explicar melhor; em texto de outrora, defendi eu que o movimento protestante se divide em três categorias, sendo que cada uma delas se apropria seriamente apenas de uma das três pessoas da trindade, uma vez que a dificuldade para lidar com tal dogma sempre colocou a todos em uma situação demasiado desconfortável. Assim, os protestantes tradicionais (históricos ou conservadores, como denominam muitos) se apropriariam da figura do Deus Filho, Jesus Cristo, atribuindo a ele uma proeminência não experimentada pelo Deus Pai e pelo Deus Espírito Santo, sendo tudo feito e pensado "em nome de Jesus". 

Já o movimento pentecostal, se apropriaria de forma singular da pessoa do Espírito Santo, visto que tal segmento é mais chegado à parte mística do crer evangélico, enfatizando dons espirituais, e com grande foco na glossolália, o dom de "línguas estranhas", deixando de lado a religiosidade "fria" do movimento mais tradicional. Os neopentecostais, por sua vez, começavam há mais de uma década um forte retorno ao judaísmo, incluindo nos seus cultos o toque do chofar, a valorização da Arca da Aliança e um foco especial nas conquistas do povo de Israel, sempre apoiado pelo Deus Pai, durante sua peregrinação pela terra em tempos há muito idos.   

Na linha neopentecostal, sua mais conhecida representante, a Igreja Universal do Reino de Deus, liderada pelo bispo Edir Macedo, acaba por mais uma vez ratificar minha "profecia" de outrora; a IURD inaugurou no dia 31 de julho de 2014 a sua versão do "Templo de Salomão", imitando dimensões e características do templo sagrado para os judeus, do qual não resta hoje em Jerusalém sequer uma parede, sequer um muro para lamentações. Em termos arquitetônicos, o empreendimento do bispo é de uma beleza de fazer brilhar os olhos de crentes e incrédulos. Em termos religiosos, todavia, tal empreitada trouxe mais um problema para o pensar e o agir dos evangélicos brasileiros.

Como não poderia deixar de ser, o primeiro a pregar no novo templo foi o próprio Bispo Macedo, surgindo como uma versão fake do rabinato israelita, já que trazia uma longa e branca barba, bem como um quipá na cabeça, mostrando que a caminhada da igreja cristã rumo à Reforma deu uma guinada que coloca Jesus e o Espírito como novos coadjuvantes do Deus Pai, veterotestamentário, dos judeus. Em suma, nada na igreja de Macedo é protestante; tudo lá é qualquer outra coisa, mesmo que a coisa nada tenha a ver com o que queriam os reformadores que Edir Macedo professa seguir, ainda que de longe. 

O problema de tudo isso é que os judeus não aceitam o que a IURD fez, bem como não reconhecem como de Salomão o que foi construído no bairro do Bráz, em São Paulo. Assim, sem o apoio do mundo protestante, já que a igreja do Bispo Macedo não caminha por tal senda luterana, sem a simpatia judaica, já que tal réplica de templo poderá até ser chamada de uma profanação religiosa, e sem o apoio católico, já que o chute na santa jamais será esquecido, restará a Macedo e seu séquito uma linha religiosa única no Brasil de todos os santos. A se seguir tal tendência, não será absurda a ideia "macediana" de um céu da Universal aqui na terra. Nesta futura versão megalomaníaca do Bispo, teremos ruas de ouro a cobrir alguma metrópole brasileira, bem como portas de pedras preciosas e outros adereços apresentados no livro de Apocalipse. Conseguindo isso, enfim, Macedo terá alcançado a "imitação do céu". Quanto a nós outros, que não compactuamos com as loucuras do Bispo, experimentaremos em breve, e já aqui na terra, a terrível presença do inferno.

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