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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

"O que teria acontecido com a primavera brasileira?"

Estando ele revoltado com o estado de corrupção atual (mas que vem logicamente de longa data) nas instituições, e perguntado-me acerca das razões de o Brasil ser o que é, respondi a um aluno que não é possível entender nosso país, senão lançando mão dos chamados "intérpretes do Brasil", grupo que abarca nomes como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Raimundo Faoro, Florestan Fernandes e outros. Ainda assim, não é tão fácil responder à questão do tal aluno, já que o chamado Pensamento Social Brasileiro, campo das Ciências Sociais que busca entender a formação e as transformações da sociedade tupiniquim, precisa ser constantemente atualizado.

Colocando em pauta as manifestações de rua que tomaram o Brasil em junho de 2013, consideradas como uma revolução que acordou um gigante há muito adormecido, debatíamos sobre as razões de tais manifestações terem sido rapidamente ligadas à Primavera Árabe, movimento que sacudiu vários dos países do Oriente Médio e da África alguns meses antes da forçosamente chamada "primavera brasileira". A questão, então, era acerca do que de fato teria restado do movimento que parecia ter, enfim, acordado um gigante que teimava em querer não ser incomodado. Percebendo aumentos de preços muito mais robustos do que os que instigaram a nossa "primavera", bem como atentando para a nova formação do Congresso Nacional, ainda mais conservadora e autossuficiente, com uma classe política e empresarial imersa na sujeira que teima em crescer e se mostrar sem qualquer vergonha, chegamos à conclusão de que nada de concretamente positivo tinha sido alcançado, o que nos fez buscar as razões para isso.

Assim, com o olhar voltado para as teses de alguns dos intérpretes do Brasil dos anos 1930 e 1940, percebemos que o país é, desde a colonização, um país de caráter acomodatício, isto é, no Brasil, apesar de sempre acharmos que algo vem para radicalmente modificar as estruturas sociais, sempre existiu a possibilidade de se acomodar o grito dos insatisfeitos, fazendo-os logo se esquecerem do que os levou às ruas em atos mais do que justificados. Voltando às teses sobre o Brasil, vemos que, comparando os portugueses com os espanhóis, Sérgio Buarque de Holanda defende que não houve aqui uma colonização visando transformar o meio, algo mais radical, como no caso espanhol, mas uma colonização de adaptação ao que estava posto, sem que grandes batalhas ou mudanças estruturais fossem instigadas ou tidas como necessárias.

Pelo lado de Florestan Fernandes, falando sobre uma possível revolução burguesa no Brasil, o autor defende que a revolução possível aqui não foi popular-democrática, mas burguesa-autocrática, uma vez que o novo chegou sem que o velho tivesse sido vencido, isto é, as transformações que aqui ocorreram e ocorrem não trocam o arcaico pelo novo, mas são revoltas onde a acomodação entre o novo e o arcaico acontece de forma bastante branda, deixando o poder sempre nas mãos das mesmas pessoas, aquelas que Raimundo Faoro denominou justificadamente de seus "donos". Assim, vemos se formar um povo que, já desde a colonização, desde a sua formação enquanto nação, entende, olhando para os grandes desafios oriundos de uma postura revolucionária, que "não vale a pena".

Deste modo, fica a questão de como se poderia reconstruir uma nação, refundar um país, se é que é possível pensar em algo do gênero. O problema é que, quando tal consciência política a alguns de nós chega, a tendência é que tais pessoas já tenham se sobressaído em meio a uma multidão de famintos por respostas que nunca chegam. Neste momento, as duras cenas de um teatro da crueldade se estabelecem de forma efetiva, visto que a tendência é que, querendo conservar o que conquistamos e não querendo que o incômodo de uma revolução nos atinja, cheguemos à postura ratificadora de um discurso defensor de que realmente não vale a pena.

liberdade, beleza e Graça...  


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

"Je suis Charlie, mas com ressalvas"

Uma intrigante frase, dita em sala de aulas em um Seminário Teológico, nunca me saiu da cabeça: "a religião é a caixa-preta do indivíduo". Tal frase, dita por um professor na época em que eu era estudante de Teologia, coloca-se como um dos caminhos para se pensar acerca do que motivou o acontecido na redação do semanário Charlie Hebdo, em Paris, quando dois irmãos, de posicionamento islâmico radical, mataram a sangue frio 12 pessoas, dentre elas 4 dos maiores cartunistas da França, que eram os principais alvos, uma vez que há tempos colocavam sua posição de antirreligiosos em cartuns que, para muitos islâmicos, são mais do que ofensivos; são blasfêmias. 

A caixa-preta, como é sabido, é o lugar dos segredos todos, sendo que os mais importantes são aqueles ditos em situações-limite, como os momentos que antecedem a morte. O melhor e o pior do ser humano podem estar contidos naquela caixa. Tudo o que explica a vida e a morte, bem como o que faz com que uma supere a outra, se encontram à disposição dos que acessam a caixa-preta. 

Sendo acertada a frase que há tempos toma conta da minha imaginação, a religião tem o poder de ser o divisor entre a vida e a morte, entre o dito e o não dito, entre o melhor e o pior do ser humano. Assim, mexer com a religião é mexer com emoções e fomentar posturas que podem trazer à tona tudo o que uma caixa-preta pode proporcionar, com todas as implicações disso, para o bem e para o mal.

O melhor e o pior do ser humano foram vistos na redação do semanário de humor francês, já que "o melhor" de um jihadista radical em sua postura "heroica" foi visto, bem como o pior, uma vez que foram assassinadas cruelmente pessoas que mexeram na caixa-preta e pessoas que nada tinham a ver com a situação. 

Não se pode, sob nenhuma hipótese, apoiar a postura dos irmãos radicais, mas é importante que se reflita acerca do "anti" presente na postura dos cartunistas; eles não se apresentavam como um grupo que percebia a religião como apenas mais um elemento das sociedades, mas se colocavam como adversários mesmo, independentemente da religião que estivesse em foco.

Apresentando-se como "antirreligiosos", abriram caminho para o embate, já que quem é "anti" se coloca automaticamente em um confronto, chamando o agora "inimigo" para a luta. Sem esquecer que o Charlie Hebdo foi também responsável por um dos atos mais abjetos de que se tem notícia na história do cartum, ao comparar a ministra da justiça francesa Christiane Taubira a uma macaca. Assim, não tenho crise em ser Charlie na luta antiterror, mas contra Charlie na luta para a supressão do racismo e dos preconceitos no mundo.

Reconheço, desconsiderando os vacilos acima descritos, que, para um sujeito que aprendeu política muito mais através dos cartuns do que nas aulas de Ciência Política na faculdade de Ciências Sociais, tendo colecionado a revista Bundas, acompanhado o Salão de Humor de Piracicaba, admirado a sagacidade da Mafalda, se encantado com os cartuns da revista Caros Amigos, bem como "pirado" com a inteligência das tirinhas do Henfil (que só conheci no final dos anos 1990, lendo-lhe a biografia), perder os humoristas do Charlie Hebdo (inspiradores de todos os que anteriormente citei) é uma tragédia imensa.

No que poderá ser pauta para boas reflexões e debates, mais uma vez se coloca a religião no centro da arena, trazendo novamente à tona a islamofobia mundial, a xenofobia europeia e os vigorosos sorrisos de certeza da ultradireitista Marine Le Pen, fomentando um discurso com potencial para tragédias de proporções ainda maiores. Tudo porque mexeram numa caixa que tem poder para matar infinitamente mais do que qualquer tragédia aérea. Ainda viciado em cartuns, mas de luto, je suis Charlie; ainda que com ressalvas.

liberdade, beleza e Graça...


terça-feira, 9 de dezembro de 2014

"Eu não consigo respirar"

Existe uma diferença muito grande entre a resposta que é dada ao racismo vivenciado no Brasil e aquela que é oferecida pelos estadunidenses. As duas sociedades são extremamente racistas, mas cada uma se relaciona com o tema ao seu modo, o que até já fez pensar que racismo é coisa dos Estados Unidos da América do Norte, mas não da República Federativa do Brasil, sendo essa uma das mais aberrantes falácias desta república de bruzundangas.

Para se perceber o racismo brasileiro é preciso, em primeiro lugar, ser negro - de preferência preto, já que os pardos também fazem parte deste grupo. Tendo essa característica, já é possível perceber a estrutura racial brasileira sem dificuldades, uma vez que a experiência cotidiana já justifica a diferenciação no trato, nas oportunidades oferecidas e no usufruto de benesses como o acesso aos postos de liderança, à educação de qualidade e à saúde eficiente; tudo confirmado nos números oferecidos pelo Censo e analisados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA.

Também é possível perceber o racismo brasileiro sendo uma pessoa branca, já que tal oportunidade foi oferecida a um adolescente em conflito com a lei, numa situação bastante elucidativa: justificando uma marginalidade não vivida pelos brancos, mesmo os brancos pobres, já que não se poderia mensurar a renda no episódio, uma juíza de direito brasileira, tendo diante de si um adolescente branco e de olhos claros para julgar, disse: "mas o que um rapaz branco, loiro e de olhos claros como você faz aqui?!". A pergunta da juíza se mostra, infelizmente, como simples retórica. Na cabeça dela, e na da maioria de nossa racista população, aquele lugar era para um negro; jamais para um branco. Só é "normal" um negro estar ali!

Nos Estados Unidos a coisa é mais clara. Lá, tal como cá, existe lugar e coisa de branco, bem como lugar e coisa de negro; a diferença é que o branco e o negro se assumem como diferentes na "terra da liberdade e da oportunidade". Entendem-se como diferentes, pois vivem isso, já que as abordagens policiais e as prisões contemplam muito mais os negros, assim como acontece no Brasil, só que lá eles mensuram e denunciam isso. A pobreza e a falta de oportunidades atingem mais aos negros lá, assim como acontece cá, mas na América de lá eles calculam e fazem saber disso tudo a todos.

Quando Eric Garner, um negro asmático, vendedor de cigarros, foi abordado e assassinado covardemente por um policial branco há poucos dias, um traço da sociedade estadunidense estava posto, chamando a atenção do mundo para um país que teima em querer ser exemplo de liberdade e igualdade entre os seus cidadãos. É importante notar que não se vê a situação oposta por lá; um policial negro abordando um homem branco. Isso porque lá, como cá, os postos de chefia, de melhores salários e de autoridade estão nas mãos dos brancos, ficando aos negros a tentativa de respirar em meio a um lugar que, definitivamente, parece não ter sido feito para eles. Matar asfixiado um negro desarmado, de mãos para cima, e confessando não conseguir respirar não rendeu nem o indiciamento do policial branco!

Ao presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama, que, "branqueado" por uma mentira defensora de que todos são iguais perante a lei e as oportunidades naquele país, ficará sempre a condição de ver, impotente, um seu igual - em todos os sentidos - ser morto sem defesas diante das câmeras, experimentando aquele presidente a resignação de alguém que nada pode fazer, já que sua cor não consegue fazer o que conseguiu a do pastor batista Martin Luther King Júnior, que, mesmo negro em uma terra aonde os fracos não têm vez, conseguiu viver e morrer para que os negros pudessem respirar.

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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

"Teoria social e política: pensando 2014 à luz de 2010"

O conceito de tipo ideal foi cunhado por Max Weber, um dos pais da Sociologia. Pela ideia weberiana, existe uma grade de leitura que permite ao pesquisador estudar traços do sujeito/objeto da pesquisa, de sorte a - mesmo que não o analisando em sua totalidade e realidade - poder "aumentar o grau" da lente que foca as características que fazem o sujeito/objeto ser o que é, destacando em cores fortes aquilo que, como em uma caricatura, poderia sintetizar o que está sendo estudado. 

Por esta lógica oferecida pela teoria sociológica de Weber, ainda que não consigamos falar da realidade social de forma "positiva", como pretendem as chamadas ciências duras, ao menos podemos chegar perto de fazer inferências intelectualmente honestas sobre uma realidade social, mesmo que deixando de fora aquilo que Talcott Parsons chamou de "categorias residuais", visto que não se estará falando de algo real em sua totalidade, mas de alguma coisa que, como quer o conceito, é ideal. Uma representação intelectualmente honesta de uma dada realidade social.

Pensando em tal teoria, minha proposta metodológica para analisar o eleitorado brasileiro nas últimas eleições presidenciais (2010 e 2014) levou-me a trabalhar os tipos ideais de eleitores do país pensando em duas grandes categorias de análise: o tipo ideal-ideal e o tipo ideal-flexível. Pela construção que empreendi no doutorado, o tipo ideal-ideal é aquele eleitor que escolhe uma candidatura e dela não arreda o pé, ainda que todo o universo caia sobre o seu candidato e partido de preferência. Já o tipo ideal-flexível sintetiza aquele eleitor que, a depender das circunstâncias oferecidas pelo processo eleitoral em curso, bem como das incongruências de candidatos e partidos, poderia migrar de uma candidatura para outra, ainda que tal mudança não aconteça sem o enfrentamento de crises.

Por minha análise, que começou em 2010, o eleitor tipo ideal-ideal é voto garantido, o que faz com que candidatos e partidos não se preocupem com ele, já que não o perderiam em hipótese alguma. Já o eleitor tipo ideal-flexível é aquele que deve ser trabalhado e "paparicado" ao máximo, pois concebe a ideia de mudar de candidato, mesmo que isso se dê um ou dois dias antes da votação. Ele poderia ser chamado de "indeciso" por alguns, mas não se trata disso, pois é alguém que está decidido, mas aberto às contingências que todo pleito permeado de marketing político e terrorismo eleitoral traz.

Em pesquisa de doutoramento descobri que, em termos de gênero, o tipo ideal de voto em Serra e no PSDB em 2010 era feminino. Em termos étnicos, era branco. Focando-se a região, era do sul do país. Em se tratando de renda, ganhava mais do que 5 salários mínimos por mês. Quanto à idade, tinha entre 40 e 49 anos e quanto à escolaridade, tinha ensino superior completo. Juntando tudo, tinha eu o que chamei de tipo ideal-ideal; aquela pessoa que não deixaria de votar em Serra e no PSDB de jeito algum. Já no caso de Dilma, o gênero era masculino, a cor era preta ou parda, a região era a nordeste, a renda era até um salário mínimo mensal, a idade era entre 30 e 39 anos e a escolaridade era até a quarta série primária. Estava assim construído o tipo ideal-ideal de eleitor de Dilma e do PT.

Como o tipo ideal-ideal não muda de lado, mas também não consegue mudar uma eleição, o foco dos candidatos e partidos se tornou o chamado tipo ideal-flexível, que, independentemente do gênero, da renda, da cor e da idade, era da região sudeste, tinha escolaridade superior, ainda que incompleta, e respeitava uma racionalidade que não se movia por simples paixão, como em geral acontece no tipo ideal-ideal, mas comparava os pacotes de benefícios de cada candidato, aguardando pelas contribuições oferecidas pela campanha eleitoral, pelo noticiário e pelos debates televisivos. Assim, o eleitor a ser buscado não estava tão definido e se careceria de uma articulação bastante rica de informações e pesquisas qualitativas para lhe construir respostas às demandas.

Mudando-se de 2010 para 2014, seria possível "adivinhar", pelos números e conclusões de outrora, o resultado da eleição que viria? Não; as teorias política e a sociológica, com foco no comportamento eleitoral, não são detentoras de "profecias". Todavia, dão pistas para o que muito se aproxima de uma "adivinhação", uma vez que trabalham com os traços mais marcantes e relevantes para uma eleição, assim como pede a tipologia ideal weberiana. Deste modo, a fim de que não se realizasse o que foi concluído à luz de 2010, apenas o que é chamado em Teoria Política de "fato político" poderia mudar um resultado que poderia já ter sido previsto. Um gesto golpista de uma imprensa marrom gera fato político, mas bater em mulher e chamar uma avó de 66 anos de "leviana", também, e talvez mais, já que leviana, no Pernambuco de Eduardo Campos, maior apoiador, ainda que morto, significa "vagabunda de tudo". Se em termos de gênero o PSDB detinha o eleitorado feminino, eis que um fato político mudou a balança e fez uma eleição que era a mais favorável à oposição retornar às mãos de quem já a tinha praticamente perdido. Agradecer São Paulo pela votação e ignorar Minas Gerais também gera, para o futuro, fato político. Ganharia mais nada, se dependesse de lá! Deu mole. 

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terça-feira, 14 de outubro de 2014

"Para uma mídia de direita, um governo de esquerda"

Pouco se discute democracia no Brasil, pelo menos conceitualmente. Infelizmente, são poucas as pessoas que entendem democracia para além do conhecido modelo de governo que preza pelo voto universal e pela atenção à escolha da maioria. Mas é interessante lembrar que, nascida na Grécia Antiga, a ideia de governo do "demos" (o povo) não era nem de longe o que se pensa e experimenta hoje em dia, pois naquela época a democracia era assim chamada, mas não aceitava o direito de todos votarem, já que poucos eram considerados cidadãos, título dado àqueles que tinham direito ao voto, algo que só proprietários de terras e de escravos experimentavam. 

A democracia, então, é uma ideia que sempre esteve em processo de desenvolvimento ou, como querem alguns, aperfeiçoamento. Deste modo, o conceito está cada vez mais distante da simplificada ideia de sufrágio universal e da escolha da maioria, já que o mesmo cada vez mais ganha novas facetas, incluindo ideias como a participação de todos - incluindo as mulheres, que nem sempre votaram - bem como a ideia de alternância no poder, o direito ao arrependimento pela escolha feita, os direitos das minorias e os chamados direitos difusos, que são aqueles que ultrapassam a esfera individual e que, por isso mesmo, são mais difíceis de ser mensurados, já que abarcam temas como o direito de respirar ar puro, o direito a um meio ambiente equilibrado etc.

No intuito de aperfeiçoar a democracia, uma das ideias é a já citada alternância no poder. É saudável para o aperfeiçoamento deste que é chamado de "o modelo de governo menos pior" a troca de governantes, já que a perpetuação de um partido ou líder no poder pode levar - e isso constantemente aconteceu na história - a uma ditadura, eivada de autoritarismos, totalitarismos etc. A alternância no poder, então, é benéfica, pois ficam os partidos da oposição no papel de fiscalizar o que está no poder, prestando um relevante serviço à população, o "demos votante", que sempre precisará de quem o defenda de possíveis tiranias. 

No caso do Brasil redemocratizado, todavia, o papel da oposição sempre foi permeado pela influência daquele que é chamado de "o quarto poder", a saber, a mídia. Posicionando-se num espaço conservador, já que quem detém o poder sempre desejará conversá-lo, não permitindo que outros possam também chegar a possuir, a mídia brasileira - pelo menos os grandes e mais conhecidos meios de comunicação - transformou-se em uma espécie de partido político, pautando o que deve e o que não deve acontecer, bem como lançando os vieses que mais lhes interessam, "trabalhando as informações" que devem chegar à população. 

Portanto, a preciosa ideia de alternância no poder, uma das bases para o aperfeiçoamento da democracia, perde força, já que a mídia, comportando-se não como um canal isento de informações, mas como um partido conservador, transforma tal ideia em algo extremamente obsoleto. Exemplo clássico disso é a atual omissão de notícias positivas sobre a situação da candidata Dilma Rousseff, a quem só é dado espaço midiático quando a notícia lhe é desfavorável, acontecendo justamente o contrário com o candidato preferido pela mídia e pelo mercado financeiro, Aécio Neves (para mais informações, sugiro o acesso ao "Manchetômetro", do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, um importante instrumento para a evitação de tal manipulação midiática).

No intuito, pois, de buscar a fiscalização e o acompanhamento das atividades do governo, a fim de que suas posturas sejam de perto monitoradas, se torna mais lógica e democrática uma continuidade da gestão Dilma Rousseff, já que dela a grande mídia se tornou uma atenta fiscal (o que é bom, pois sem isso não se prende os corruptos e nem se fomenta a luta por melhorias, algo que os partidos de oposição não têm conseguido fazer). A fim de se buscar confirmação para tal tese, é muitíssimo interessante perceber a grande mídia se postando como adversária ferrenha de Dilma, o que poderá ser referendado pelas excelentes e democráticas contribuições do "Manchetômetro". Por tudo isso, então, se a mídia é de direita e conservadora, o partido a governar tem de ser de esquerda e progressista - valendo o mesmo para a relação mídia de esquerda/governo de direita - o que contribuirá muito mais para o aperfeiçoamento daquele que ainda é o melhor sistema de governo, a saber, a democracia. Eu voto 13.

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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

"Quem tem medo do Silas Malafaia?"

Às vésperas de mais uma eleição presidencial, é curioso perceber algo que poucos conseguem enxergar no discurso extremamente autoritário e ameaçador de um dos mais conhecidos líderes religiosos do país, o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia. Dizendo-se eleitor do candidato Pastor Everaldo, no primeiro turno, e da ex-senadora Marina Silva, no segundo, Malafaia ergue a voz dizendo que "é preciso tomar cuidado com o voto dos 22 milhões de evangélicos do Brasil". Todavia, ao contrário do que quer tal líder - e também do que acreditam os que nele enxergam crédito - o poder do chamado voto religioso, sobretudo o evangélico, é praticamente nulo numa eleição majoritária.

Analisando dados de dois institutos de pesquisa acerca da eleição presidencial de 2010, onde o discurso religioso estava ainda mais forte do que no atual pleito, foi possível perceber que o peso do voto religioso é muito mais qualitativo do que quantitativo. Isso se refere ao fato de que, ao contrário do que quer o discurso de sua liderança, a força numérica do voto religioso praticamente não se faz notar, ainda que qualitativamente se deve ter uma grande habilidade em lidar com questões religiosas, já que a preocupação deverá ser sempre a evitação do chamado "fato político". Um fato político, sim, pode mudar radicalmente uma eleição, visto que este, em se tratando de religião, mexe com aquilo que o teólogo e psicólogo Edson Fernando de Almeida chama de "a caixa preta do indivíduo".

Geraria um fato político se um dos presidenciáveis dissesse que é ateu, por exemplo, ou se decidisse chutar uma santa ou algo que se assemelhasse a isso. Sendo ateu, mas não confessando tal situação - sobretudo se preferir autodeclarar-se "católico", como a maioria - um candidato não correrá o risco de ter a religião como fator a lhe atrapalhar a eleição, independentemente de qual religião "confessar", já que o importante é "acreditar em Deus". Em termos quantitativos, no entanto, os números de 2010 mostram que menos de 2% dos eleitores que se confessaram seguidores de alguma religião declararam seguir a indicação política do seu líder ou igreja. Assim, cai por terra a retórica reacionária da "ameaça malafaiana", uma vez que já é possível perceber que o discurso de tão carismático líder não consegue contagiar os 22 milhões de eleitores que ele pensa controlar.

Seguindo a teoria de Albert Hirschman, o que faz Silas Malafaia é lançar mão da chamada retórica reacionária da intransigência, que se divide, segundo aquele autor, em três tipos: a retórica da perversidade, aquela onde o discurso "progressista" na verdade só busca mudar aquilo que é conveniente aos detentores do poder, a retórica da futilidade, que é aquela que defende que uma mudança não servirá para nada e que é melhor manter o atual estado de coisas, e a retórica da ameaça, onde se planta o medo de que uma luta por direitos poderá fazer perder até o pouco que já se conquistou.

Malafaia traz a perversidade, pois seu discurso não tem nada de progressista e, ao contrário, só referenda a conveniência dos donos dos meios de comunicação e de uma direita conservadora e preconceituosa. Malafaia traz a futilidade, pois entende que não adianta de nada o "barulho" feito por um bando de "ditadores gays", pois, ao fim e ao cabo, "Deus vai mostrar quem está com a verdade". Malafaia traz a ameaça, pois chega a afirmar que as conquistas sociais já alcançadas podem ser perdidas por conta de uma desobediência ao que ele acha ser "a única verdade que Deus quer ver acontecer no Brasil". Enfim, Malafaia traz o Everaldo e a Marina, mas, a manter-se a tendência das pesquisas e o "peso" do voto religioso em eleições majoritárias, serão apenas mais dois irmãos descendo a serra para dar as mãos ao Serra.

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terça-feira, 9 de setembro de 2014

"Porque voto na Dilma, do PT, e não na Luciana, do meu PSOL"

Justificar o voto em um partido que não é o principal em sua preferência é uma das mais difíceis tarefas a se executar. Por conta disso, é preciso trabalhar seriamente o arcabouço teórico-empírico de que se dispõe, bem como se ancorar em dados que ajudem a fugir do lugar comum oferecido pela opinião publicada dos grandes meios de comunicação, sempre ávidos por transformar suas ideias particulares em opinião pública.

O partido que mais fala ao meu coração e ideologia política é o PSOL, mas, apesar disso, não é o partido que recebe meus votos em se tratando de eleições majoritárias. A justificativa é simples: ao contrário do que pretende o arcabouço da teoria marxiana, o PSOL não consegue dialogar com as grandes massas, público do qual se pretende inveterado defensor, mas apenas com uma elite intelectual de esquerda, que, sejamos francos, não decide eleição alguma. Infelizmente, quase nada do discurso do meu partido consegue entrar na cabeça do eleitor médio, sobretudo o mais pobre, que é quem, ao fim e ao cabo, decide uma eleição.

Prova disso é que pesquisa recente do Instituto Datafolha mostra que apenas 4% da população brasileira se consideram de esquerda, ficando os que se consideram de direita com 11% e o grande grupo, aquele que de fato decide uma eleição, com 85% de eleitores, os quais se encontram num espectro que contempla as chamadas centro-direita e centro-esquerda, lugar de um discurso que, para o PSOL, já é "totalmente cooptado pelo grande capital". Assim, sem conseguir falar às massas, o PSOL tem, como fundamental papel, a oposição responsável que uma democracia em aperfeiçoamento precisa ter. Afinal, ter como oposição partidos como o DEM e o PSDB é como ouvir palavras contrárias da parte do próprio inventor do discurso agora confrontado.

Em termos empíricos, por outro lado, é importante focar a postura dos grandes bancos e da grande mídia em relação ao PT, o que, por si só, já justifica a situação de tal partido como progressista e mais atrelada às questões dos menos favorecidos, dado que é justamente contra isso que o capital financeiro e os mais fortes meios de comunicação se têm colocado. Para além disso, também é importante lançar luz sobre o alcance de políticas públicas que, embora ainda careçam de aperfeiçoamento na gestão, têm conseguido tirar um imenso contingente de brasileiros da pobreza extrema, com contrapartida na escolarização e manutenção em dia da vacinação das crianças brasileiras (Bolsa-Família), bem como conseguido dar resposta à carência em relação aos cuidados médicos mais básicos (Mais Médicos), ajudando ainda na realização do sonho da casa própria (Minha Casa Minha Vida) e fomentando a conquista do ensino superior, tão importante para a inserção no mercado de trabalho e na tão comentada e desejada cidadania plena (Prouni).

Considerando, então, que o PSOL não fala às massas e será sempre mais importante como detentor de cadeiras na Câmara e no Senado, apresentando-se como o mais relevante partido de oposição do país, e considerando também que a candidatura de Marina Silva representa (ainda que como abortivo, já que o plano de Eduardo Campos lhe foi "oferecido" como um "presente de grego") a vontade dos bancos, do agronegócio (contra tudo o que ela sempre pregou, enquanto ambientalista) e de uma visão extremamente conservadora da vida (temendo a retórica reacionária da ameaça dos Silas Malafaias da vida), estar ao lado dos menos favorecidos e dos que mais precisam de políticas públicas é sinônimo de referendar a candidatura de Dilma Rousseff, para quem meu voto vai se direcionar nos dois turnos que virão. E, se meus irmãos evangélicos me perguntarem sobre minha postura de ignorar as candidaturas do Pastor Everaldo e da irmã Marina, só terei uma resposta: não sou crente o suficiente para votar em "Deus".


liberdade, beleza e Graça...