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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

"Dias de golpe: você está feliz agora?"

Um resumo breve coloca em pauta o que "conquistamos" após a imensa grita por um impeachment sem crime e após o rufar de panelas repletas de um insano ódio de classe: sete citados na Operação Lava Jato são catapultados à condição de Ministros de Estado, o novo Ministro dos Transportes é suspeito de desvio de verba para merenda escolar, o Palácio do Itamaraty oferece passaporte diplomático a pastor citado na Lava Jato, Gilmar Mendes devolve processo contra Aécio Neves à Procuradoria-Geral da República menos de 24 horas depois de recebê-lo, o Ministério da Cultura é extinto, o novo chefe de governo é acusado de homicídio e tem nada menos do que 8 processos no STF, o SUS passa à berlinda, já que o novo Ministro da Saúde, com campanha eleitoral bancada por donos de planos de saúde, defendeu que o Sistema Único de Saúde não pode ter o tamanho que tem e precisa ser repensado e diminuído. Começou assim o governo golpista de Michel Temer, e eu defendi em texto anterior que agora sim teríamos o que Temer!

Pior do que todas as informações acima, é perceber que as panelas dos que lutavam "contra a corrupção" não soam mais. O juiz Sério Moro simplesmente "sumiu" do noticiário e não há mais apoio do maior conglomerado de mídias do país, as Organizações Globo, na busca pelos corruptos de verdade, já que aquela contra a qual não há uma acusação sequer já foi jogada para o escanteio, permitindo espaço para uma elite que não aguentava mais perder eleições e não ter seus privilégios aumentados, além de não suportar mais dormir com a possibilidade de ver Lula vencer em 2018, o que fatalmente acontecerá, a não ser que a Globo consiga fechar o pacote com chave de ouro, isto é, empreender campanha para tornar Lula inelegível por 8 anos, para o que o Manchetômetro do IESP-UERJ prova não faltar fúria no noticiário global de todos os dias.

Temer acertou em cheio na escolha do seu slogan de governo. Ordem e progresso, uma máxima positivista há muito ultrapassada, mostra que, a começar pela criminalização dos movimentos sociais e a volta das balas de borracha, essa será a tônica de um governo que, sem legitimidade de urnas e sem qualquer amparo moral, passará a buscar na força aquilo que possa lhe ocultar a própria corrupção, já que a mídia golpista do país jamais cumpriria o papel de mostrar o quanto decaímos com a deposição ilegal do governo Dilma. E, para os que acham que há amparo legal, é preciso perguntar a razão de o STF não julgar o mérito da questão, já que existe uma quantidade imensa de juristas se confrontando, sendo que todos lançam mão da mesma cartilha, a Constituição da República, que obviamente não pode estar dizendo algo que seja sinônimo de "sim" e "não" ao mesmo tempo.

Brincamos com algo sério demais; ousamos tratar a democracia como algo de que se pode abrir mão a qualquer tempo, dependendo apenas da insatisfação dos grupos de sempre, aqueles que nunca deixarão de referendar o Brasil como uma terra de coronéis, uma terra que não se poderá levar a sério, pois a classe política e a mídia do nível que temos, sempre falando o contrário da boca para fora, mas diuturnamente abrindo mão da educação do povo (e propositalmente, pois, educados, não cairíamos nos golpes deles) fazem questão de corroborar nossa terra como uma imensa Republiqueta de Bananas!

liberdade, beleza e Graça...   


terça-feira, 19 de abril de 2016

"Agora, sim, há o que Temer"

A Câmara dos deputados aprovou e o Senado Federal deverá fazer o mesmo; Dilma Rousseff deverá mesmo ser afastada por 180 dias, tendo o Brasil, como resposta para a crise política, econômica e moral, um presidente que é muito mais responsável do que Dilma pela presente crise, já que, pelo que tudo indica, está envolvido com corrupção investigada pela Operação Lava Jato, além de carregar consigo um aliado que já provou ser o que de pior o mundo da política brasileira poderia produzir, Eduardo Cunha.

Em texto anterior, já citei o fato de que o impedimento da presidente só traria benefícios à grande mídia e às poucas famílias que controlam a informação no país, bem como aos corruptos e aos empresários, ávidos por um sistema de governo que retire dos trabalhadores os seus direitos, tal como foi dito pela Fiesp, que chegou a defender que o trabalhador deveria poder lanchar com uma mão e conduzir uma máquina com a outra, já que "uma hora de almoço é tempo demais".

Assim, com a democracia esfacelada por um golpe branco, já que o próprio relatório do deputado Jovair Arantes diz que há dúvidas sobre se houve crime de responsabilidade, mas, na dúvida, opta-se por condenar, dados os prejuízos que a crise trouxe ao país, vemos que não é mais necessário provar a condição de culpado, mas apenas se apropriar da dúvida, já que "o país precisa de uma resposta, e com muita urgência". Todavia, a urgência da resposta deve nos fazer pensar sobre o que temos para hoje; a "chapa" Temer/Cunha parece ser o que de pior poderia acontecer ao país, sendo que Cunha se mostrou mesmo o político mais poderoso da nação, já que consegue até fazer com que sua esposa e filha não sejam presas, ainda que não tenham foro privilegiado.

O susto e a motivação para o presente texto, no entanto, não veio do que já se sabia sobre a nova "chapa", mas do que já foi especulado sobre o possível encerramento da Lava Jato, aqui por mim anteriormente "profetizado". Sim, com as investigações da Lava Jato chegando ao vice presidente Michel Temer, dificilmente o mesmo, no cargo de presidente, permitiria que sua corrupção e a de seus parceiros, sendo o principal a figura que preside a Câmara, fossem investigadas e punidas.

O que minha "profecia" não trouxe é o reconhecimento da Polícia Federal de que "o papel já foi cumprido". Em reunião em Nova York, na ONU, já foi ventilada a possibilidade de a operação conduzida pelo juiz Sérgio Moro terminar até dezembro, pois, segundo os "conselheiros", assim como aconteceu com a Operação Mãos Limpas, na Itália, "não pode se estender demais e perder o foco". Nessa direção, Moro disse que sua parte termina mesmo até dezembro, deixando para Temer e os poderosos que substituirão Dilma a tarefa de "continuar". Como foi dito no título acima, agora sim há o que Temer. Eu devo ter vocação para profeta.

liberdade, beleza e Graça...


terça-feira, 22 de março de 2016

"O momento mais propício para o fascismo"

O Brasil está em polvorosa. O momento político e econômico é deveras complicado, o que traz à tona paixões que começaram a ganhar relevo após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, quando o ódio nosso de cada dia aflorou de forma assustadora, fazendo ruir amizades de anos, quiçá, décadas, além de trazer tristes frases como a que defendia a chegada de "um vírus mortal para matar as crianças e aquele povo do nordeste", onde a presidente, democraticamente eleita, teve seu maior percentual de votos.

Do final da eleição para cá, pouca coisa mudou, já que as grandes corporações de mídia, explicitamente antigovernistas, aliadas a partidos oposicionistas - sem qualquer ética política e também atolados em corrupção - e a uma polícia federal, que, após a autonomia conquistada nos últimos anos, entendeu-se como a guardiã-mor dos anseios dos insatisfeitos com o resultado do pleito de 2014, parecendo se importar bem menos com os crimes cometidos pelos líderes oposicionistas, conseguiram fazer com que os palanques não fossem desmontados e que a vontade da maior parte da população não fosse respeitada, como se vê agora, praticamente todos os dias, sobretudo nos noticiários de televisão.

Ao invés de vibrarem com um momento político onde se tem um governo que não impede que se investiguem os atos de corrupção que desde o "achamento" do Brasil se perpetuam por terras tupiniquins, alguns acham que "tudo está ruim, pois todos os dias vemos a corrupção aparecer na televisão". Não se pode entender algo assim, já que a vontade de muitos parece ser o desaparecimento das denúncias e das investigações.

A chamada Operação Lava Jato, de patrimônio social, acabou por se transformar em um grande movimento antidemocracia e direitos conquistados, já que, com posturas anticonstitucionais que fazem vibrar os estúdios das Organizações Globo, fez reverter conquistas sociais da ordem dos direitos dos cidadãos brasileiros, o que é algo gravíssimo, como entendem vários dos sérios juristas desse país, bem como de grande parte dos integrantes da Suprema Corte, o STF.

Com um caldo social tão engrossado, pois, e com uma polarização que não consegue estabelecer diálogo, mas que se fundamenta na vontade de calar o opositor, ainda que se tenha de ir "às vias de fato", vemos se fortalecer a cada novo dia o que os sociólogos cunharam como "ódio de classe", o que em pouco tempo nos legará, sem dúvidas, alguns cadáveres.

Discutir política está se tornando cada vez mais difícil, haja vista o fato de que, movidos por paixões e pouco afeitos a um debate que se fundamente em argumentos sólidos, já que baseados em dados confirmados e documentos reconhecidamente idôneos, muitos estão na esfera pública apenas com xingamentos, ódios e armas, o que não tem permitido uma construção dialógica da saída para a crise política, econômica e moral que assola a nação.

Por isso, a atenção com o momento é crucial, já que, inebriados por uma mídia que constrói o que Gustave Le Bon chamou, em sua obra Psicologia das Multidões, de efeito de multidão, onde a razão perde espaço e fornece bases para que se aja sem pensar nas consequências, cometendo-se até assassinatos, dos quais depois se arrependerá, vários estão já a defender o fim das conquistas sociais democraticamente trazidas ao povo, retrocedendo a um tempo em que se podia inferiorizar alguns grupos. Se os pobres e negros são os maiores representantes do eleitorado de Dilma Rousseff, o que impede que grupos fascistas, antes calados, mas agora empoderamos por um ódio fomentado em horário nobre, comecem a atuar naquilo que mais gostam: "eliminar gente que escolheu mal"? Reflitamos, pois.

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

"Um homem do qual esse mundo não era digno"

O livro bíblico escrito aos Hebreus é uma obra enigmática, começando já pela autoria, de todos desconhecida. Por uns tempos, a obra foi até ignorada pelo cânon do Novo Testamento, já que traz polêmicas em torno da possível perda da salvação, caso o fiel não permaneça firme nos caminhos do cristianismo. Ainda assim, é inegável a contribuição de tal obra para se pensar a questão da fé.

No que a mim se apresenta como o texto mais inspirativo dessa obra, a fala sobre os heróis da fé ganha relevo, trazendo uma frase que toca fundo na alma de qualquer indivíduo: alguns cristãos, mortos após tortura cruel, foram chamados de "homens dos quais esse mundo não era digno". Não sei como um mundo tão belo e vasto pode ser indigno de alguém, mas a verdade é que o texto inspira.

Assim, inspirado pela obra aos hebreus, empreendi-me a tarefa de procurar alguém que não fosse tão distante de mim. Afinal, pouco me dizem Abraão, Sara, Moisés, Davi e os profetas do Antigo Testamento. Para mim, exemplo de fé teria de ser bem mais palpável. Eu teria de conferir-lhe a fé no dia a dia, algo que não posso com figuras bíblicas tão distantes.

Embora tenha conhecido muitas pessoas, e em várias regiões do país, apenas um homem me fez dizer que esse mundo não era digno dele: Jonas Farias. O irmão Jonas ensinou-me tudo o que penso sobre a fé cristã. Acho que nem ele sabia da importância que tinha em minha caminhada. Caminhando com rins secos por vários anos, e numa imensa fila de espera, Jonas Farias teve um transplante negado, já que uma cirrose faria com que os médicos "jogassem bons rins fora, caso os transplantassem nele". Uma frustração que não se consegue explicar e nem aceitar. Ele entendeu, ficando sem rins que funcionassem pelo resto da vida, e isso por mais de vinte anos.

Quando, graduando em Teologia, tive minha crise de fé, ao ver a Bíblia ser dissecada pelas ciências humanas, foi o irmão Jonas que, com apenas uma frase, deixou-me tranquilo da vida, e até hoje: "A Bíblia não é um livro de ciência, meu filho; é um livro de fé". Tal frase tinha a potência que faltava aos teólogos e exegetas adeptos das chamadas crítica da forma, da tradição e da redação, ainda que o autor da mesma fosse um homem simples e com pouco estudo. 

Jonas Farias faleceu sem que o mundo o conhecesse. Morreu anônimo para quase toda a população desse país. Todavia, inundam-se-me os olhos ao lembrar que vizinhos - que nem eram da mesma expressão de fé - faziam questão de gastar sua gasolina para levar aquele homem franzino na clínica de diálise. Do mesmo modo, choro ao lembrar que outros pacientes renais crônicos disputavam cadeiras na mesma sala daquele homem, já que, "após a oração e com a presença dele, parecia que a dor era menor". 

Jonas Farias aparece em várias das minhas mensagens pregadas, ainda que tenha falecido sem saber disso. Morreu sem saber da importância que tinha para minha trajetória de vida e de fé. Partiu para Deus sem saber que aquele menino perdido que lhe frequentava a casa venceu na vida e nunca se esqueceu dele, orando por sua saúde todas as manhãs e falando dele em praticamente todas as mensagens onde a fé era tema principal. Jonas Farias morreu sem saber a falta que fará para mim, pois, se para o mundo é apenas mais um que completa um ciclo na terra, para mim é o único homem que conheci pessoalmente e do qual posso falar sem qualquer dúvida: "Eis aí um homem do qual esse mundo não era digno".

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sábado, 16 de janeiro de 2016

"As cotas, na verdade, são dos brancos"

Em contato com meus novos alunos, descobri algo que muito interessa a um pesquisador de relações raciais no Brasil: os alunos e alunas negros e cotistas têm vergonha da cota utilizada para que conseguissem entrar no Instituto Federal do Espírito Santo, onde agora leciono. Quando perguntados sobre os cotistas da sala, um surdo silêncio toma conta do ambiente, ainda que, ao fim e ao cabo, todos saibam bem quem são esses que "entraram com uma vantagem".

A fim de combater a falsa ideia de que os brancos são prejudicados quando entram negros no sistema escolar público federal, anunciei em alto e bom som que, enquanto negro (pardo que sou), gostaria de ter entrado no IFES via cotas raciais, mas a cota no caso do meu concurso foi para deficientes físicos, sendo que nenhum candidato com deficiência se inscreveu para o certame.

Com todos os cotistas mais à vontade para se apresentarem, começamos a falar sobre em que medida existe uma vantagem ou desvantagem trazida pela política que muito tem chamado a atenção nos últimos anos. Ao falar da vantagem, descobrimos que as vagas não são dos negros por eles serem negros, independentemente da nota que tirarem no exame de admissão. Na verdade, os negros têm 20% de pontos à frente dos não-negros, o que impede que "um negro com qualquer nota entre", como creem alguns. 

Fazendo um exercício matemático sobre as desvantagens que o negro sofre numa estrutura racista, descobrimos que, em termos de acesso à educação - sobretudo superior -, à saúde, às maiores rendas e aos cargos de liderança, os negros ficam em uma desvantagem que em média gira na casa dos 40%, o que pode ser corroborado por várias pesquisas sobre as desigualdades raciais no Brasil, tendo destaque as obras de Rafael Guerreiro Osório sobre a desigualdade racial de renda.

Assim, se numa média os negros têm desvantagem de 40% em relação aos brancos, no que diz respeito a acessar os bens públicos da nação, ter 20% de vantagem em um concurso ou prova de ingresso em órgãos públicos os faria entrar ainda com 20% de desvantagem, o que se configuraria em uma facilidade maior aos brancos, em qualquer certame, ainda que as cotas para negros e negras estejam instituídas.

Portanto, antes de pensar que o negro que entra "tira a vaga que é do branco", é importante espalhar a ideia de que a vaga conquistada é do negro mesmo, uma vez que, levando a matemática e a estatística a ferro e a fogo, a estrutura racista do Brasil nos prova que, ao fim e ao cabo, as cotas raciais são um privilégio imenso dado aos nossos brancos!

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

"O impeachment só serve aos corruptos"

Uma das tarefas mais difíceis que enfrentamos hoje é convencer as pessoas de que estamos em um dos melhores momentos de nossa história. Isso porque parece claramente que vivemos o contrário. Se atentarmos para as razões que justificam a crença popular de que tudo está "como nunca antes na história desse país", perceberemos que há um raciocínio bastante lógico, mas não compreensível à maioria da população, dado que acostumamo-nos a não ver e a não saber das coisas que permeiam o mundo dos políticos, o mundo dos que detêm o poder na nação.

Por causa do acima exposto, não é raro encontrarmos pessoas que desejam ardentemente o fim da Operação Lava Jato, no intuito de que a corrupção "desapareça". Para essas pessoas, o melhor seria tirar Dilma do poder e "zerar tudo". No entanto, começar do zero seria dispensar o maior patrimônio brasileiro dos últimos tempos, pois a operação comandada pelo juiz Sérgio Moro está para o Brasil como a quimioterapia está para o câncer. 

Assim, raciocinemos hipoteticamente na direção da fala popular, sem crítica e sem dados que a corroborem: Dilma retirada, Temer assumindo, troca do ministro da justiça, promoção de Sérgio Moro a desembargador, ou coisa que o valha, e, enfim, fim das investigações, já que algo para além de retirar uma presidente democraticamente eleita não seria alvo para ninguém, uma vez que a estrutura social e política já estaria totalmente travestida de "almejada correção". 

É muitíssimo difícil convencer as pessoas de que Dilma precisa ficar e a Lava Jato continuar, já que o brasileiro médio não compreende que a corrupção aparecer é muito melhor do que continuarmos como se ela não existisse, falácia posta desde os tempos de Cabral. É preciso mostrar que uma polícia federal independente (que prende também petistas e aliados do governo) não é coisa que sempre aconteceu por essas terras. E é preciso convencer o povo de que falta pouco, bem pouco. Com a cúpula do PMDB presa, o que pode acontecer já em fevereiro, teremos enfim a oportunidade de passar, pelo menos em parte, o país a limpo.

A Lava Jato chegou ao Eduardo Cunha, o mais sórdido e ousado dos políticos, e já aponta para os milhões que o vice-presidente Michel Temer também teria recebido em propinas. Se acontecer agora o impedimento da presidente, com Temer assumindo, será que poderíamos contar com o prosseguimento das investigações que já chegaram ao vice e provavelmente levarão Cunha ao presídio em fevereiro? É claro que não; tudo iria para a "operação abafa", como sempre na história desse país. Assim, é preciso proteger a operação judicial em curso, pois dificilmente teremos uma nova oportunidade para passar o Brasil a limpo. 

Não existem razões constitucionais para um impeachment, uma vez que não há uso de dinheiro público para o enriquecimento pessoal da presidente, fato que ocorreu com Collor de Melo. Quem entende do rito sabe que o mesmo não se justifica juridicamente no caso de Dilma. Se pedalada fiscal tivesse de gerar impedimento, Fernando Henrique Cardoso, Lula e praticamente todos os governadores e prefeitos da nação teriam de ser retirados do poder, pois também alocaram/alocam recursos de uma área em outra, o que não configura-se em crime de responsabilidade, desde que não haja o enriquecimento pessoal de tais políticos. 

Assim, bater panelas, achando que democracia se faz com golpe, ainda que "branco", é simplesmente jogar fora as grandes conquistas que a nossa jovem democracia já alcançou, sendo que a liberdade para a atuação da Polícia Federal, incluindo a autonomia para colocar deputados e senadores da República na cadeia, inclusive os do próprio partido da presidente e outros de partidos aliados, é um ganho democrático que dificilmente teríamos com governos dados menos ao povo e mais ao empresariado e à lógica de mercado, tão envolvidos na operação que dá razão a esse texto. Por conta disso, então, parafraseio um dito de outrora, quando o governo de Lula também era alvo de tentativas de derrubada: deixem a mulher trabalhar!

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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

"E chegou o grande dia"

Era o meu aniversário e eu descia bem cedinho de um ônibus na rodoviária Novo Rio, na cidade do Rio de Janeiro, para aquele que seria um dia com algo bem mais importante do que fazer mais um ano de vida; eu seria Doutor em Sociologia, tão logo o sol desaparecesse naquela quinta-feira, 05 de novembro, dia da cultura e do cinema brasileiro.

Tornar-me doutor era um sonho de muitos anos. Para falar a verdade, poderia até ser algo impensado para um jovem que passou a infância em um orfanato no interior de São Paulo, e que há poucos anos estava capinando pés de laranja em São José do Rio Preto. Filho de uma família de analfabetos funcionais, colar grau de doutor era a honra que faltava ao meu povo, gente de tão poucas letras.

Relembrar os momentos em que, com a enxada na mão, eu olhava para o horizonte e perguntava a mim mesmo se eu seria alguém na vida um dia, foi algo fantástico, pois enfim eu poderia dizer: "sim, acho que agora deu certo; posso falar que sou alguém". Não que apenas colar tal grau me faria "alguém", mas, tendo em vista a situação em que eu me encontrava há anos, o título de doutor era algo para além de um grande sonho bom.

Os amigos não puderam lá estar, já que estavam em horário de trabalho, mas confesso que tal solidão foi até benéfica, pois a ansiedade com a situação me faria ainda mais nervoso, caso eu encontrasse "torcedores" no local. Assim, ninguém viu. Se eu não tivesse a ata para provar, poderiam até duvidar que o ocorrido tenha mesmo se dado. Comer sozinho no Giraffas da rodoviária, aguardando o ônibus sair de volta para Vitória, foi também algo emblemático. A primeira grande solidão de um doutor.

Cumprindo a promessa de que eu me daria um chapéu panamá de presente, agora sou um homem que usa tal acessório. Talvez o chapéu me envelheça, é certo, mas tem coisas que só a "velhice" deveria mesmo trazer. Assim, de panamá na cabeça, agradeço a Deus por ter me possibilitado chegar tão longe, sentindo-me feliz por estar em um grupo que, dadas as circunstâncias de outrora, teria tudo para não me receber. Todavia, sendo agora recebido, confirmo a poesia da Elisa Lucinda, defendendo categoricamente que "sei que não dá para mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final". Eu quero.

liberdade, beleza e Graça...