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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

"Do Projeto Escola sem Partido"

Para além do momento político brasileiro, que terá desdobramentos sociais ainda não imaginados, dadas as manifestações contra a destituição da presidente Dilma Rousseff - que tenderão, pelo que já se começa a ver, a tomar as ruas das principais cidades da nação -, outro tema bastante caro tomou e ainda tomará as pautas nos próximos dias. Trata-se do projeto chamado Escola sem Partido. 

Com pilares bastante conservadores a sustentá-lo, tal projeto visa colocar limites ao que os professores ensinam em sala de aula, sobretudo em se tratando de questões políticas e fomentação de crítica ao sistema social vigente. Para tal, o Escola sem Partido entende que deve ser vedado ao professor proferir qualquer opinião pessoal, qualquer ideia que possa parecer de seu interesse próprio, incluindo-se aí as preferências ideológicas, políticas, morais, religiosas ou partidárias. Também fica a ele vedado beneficiar ou prejudicar qualquer estudante por conta de sua convicção política, ideológica, religiosa ou moral, bem como fica colocada a obrigatoriedade de os professores apresentarem da mesma forma e com a mesma intensidade as diferentes correntes do pensamento acerca de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, assim como fica o professor obrigado a oferecer um ensino que esteja de acordo com as convicções morais dos pais dos estudantes. 

Embora à primeira vista o projeto pareça ser razoável e até fazer sentido em alguns aspectos, o que se pode perceber é que uma formação crítica ao sistema social vigente não poderá encontrar lugar nas salas de aula, visto que o foco do combate são os pensamentos chamados de esquerda ou socialistas. A prova disso é que a religião - que quase sempre tendeu a demonizar qualquer pensamento à esquerda, visto que este sempre foi considerado um pensamento ateu  - o que contradiz excelentes escritos de Engels, Rosa Luxemburgo e Gramsci - entra como mote para que uma moralidade de cunho religioso e extremamente conservadora se estabeleça como mais racional do que uma crítica ao estado desigual de coisas numa nação onde o abismo entre ricos e pobres é imenso.

Ao falar do Escola sem Partido, a antropóloga Yvonne Maggie diz que "trata-se na verdade de um debate entre laicidade, ideologia e religião nas escolas". Por isso, na contramão do que pretendem os idealizadores do Escola sem Partido, uma visão mais progressista, além de criticar a intromissão na atividade docente, que tolhe a liberdade de expressão dos professores e enfraquece a fomentação da crítica, defendem, como quer a promotora federal de direitos humanos Deborah Duprat, que  "a criança vai para a escola porque a educação em casa é insuficiente, ela precisa conviver com outras visões de mundo". Como é sabido, a pauta conservadora, como a do Escola sem Partido, não abre espaço para visões que se diferenciem das suas, negando opiniões contrárias à homogeneização do pensar, bem como a inclusão dos pleitos de grupos minoritários e muitos dos movimentos sociais. 

Em um momento político deveras delicado, no qual a manipulação midiática de fatos e a transformação de opiniões publicadas em opinião pública se dá de forma descarada pelos grandes meios de comunicação do país, o Escola sem Partido nada mais faz do que fortalecer ainda mais um discurso contrário a uma visão de mundo pluralista, fomentadora de um cidadão que, por a cada novo dia perder mais e mais a sensibilidade que permite perceber a força da manipulação que o envolve, se preocupa menos com a política do que com o Pokémon Go.

liberdade, beleza e Graça...


   

quarta-feira, 20 de julho de 2016

"Operação Zelotes: não passaremos mais o Brasil a limpo"

Enquanto a maioria da população entende - obviamente que inundada por "informações" de uma mídia nada imparcial - que a Operação Lava Jato é o maior patrimônio atual do Brasil, significando por isso a possibilidade de se ferir de morte a chaga da corrupção tupiniquim, a operação que deveria ter mais atenção, mas que é quase que totalmente ignorada pela grande mídia - e por razões bastante óbvias - é a chamada Zelotes.

Responsável por investigar as propinas pagas pelas maiores empresas e empresários brasileiros junto à Receita Federal, a Operação Zelotes tem em sua lista de acusados os chamados "peixes grandes", isto é, o grupo que sempre dominou o Brasil, tanto política quanto economicamente. Se conseguisse mandar para a prisão tais corruptos e corruptores, a Zelotes prenderia o presidente do Bradesco, o das Organizações Globo, o do Bank Boston, o da Mitsubishi, entre outras figuras "intocáveis" da nação.

Acontece, todavia, que aquela que poderia ser uma substancial ajuda para tal feito realmente histórico, a CPI do CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, encerrou suas atividades sem qualquer indiciamento e sem sequer chamar aos depoimentos as figuras acima citadas. Assim, ainda que a Globo tenha pagado mais de 15 milhões em propinas, a fim de abater um débito de mais de 150 milhões, jamais será chamada às responsabilidades, bem como o Bradesco, que teima em passar a imagem de "bom moço", num revezamento de tocha que consegue o paradoxo de jogar na escuridão a verdade que pela maioria é infelizmente ignorada.

Não se pode prever o fim da Zelotes, assim como já aconteceu com a CPI que envolve a mesma, no entanto, será importante acompanhar os próximos passos de tal operação, já que, sem uma cobrança e pressão popular, tal operação corre o risco de ser lançada para fora do jogo político brasileiro, assim como a ovacionada Operação Lava Jato, já que esta última parece ter se tornado uma perseguição direta a determinado grupo político, mostrando - ainda que a tática seja a de não mostrar - que "quem não está sendo falado, provavelmente não pode ser taxado com as mesmas nomenclaturas atribuídas ao Partido dos Trabalhadores e seus seguidores". 

Portanto, com a Lava Jato chegando ao ponto de colocar o nome da atual etapa de "Resta Um", fica difícil acreditar que, tornando Lula inelegível em 2018, num processo que pode ser tão obscuro quanto o do impedimento de Dilma Rousseff, ainda reste algo para o midiático juiz Sérgio Moro fazer. Talvez, depois do "um" que resta, Moro decida buscar o descanso que a elite defenderá que ele merece. Afinal, o juiz terá trabalhado muito e, chegando em investigações a partidos como o PSDB e o DEM, será o momento mais propício para entrar em "merecidas férias". 

liberdade, beleza e Graça...
   


sexta-feira, 10 de junho de 2016

"Três crianças de uma sociedade que faliu"

Numa semana, uma adolescente foi estuprada por um grupo, que pode ter chegado a trinta pessoas. Na outra, um menino de 11 anos foi morto pela polícia militar de São Paulo, baleado na cabeça. Noutra semana, ainda, um adolescente funkeiro, concedendo uma entrevista, disse que, se a jornalista quisesse, ele a poderia estuprar, "quebrando-a ao meio", num motel, tão logo a entrevista terminasse.

Ao pensarmos sobre a mentalidade dos brasileiros, podemos ter a temática da infância como algo a nos mostrar quem somos e o que temos como caro em nossa sociedade, o que nos levará, infelizmente, à conclusão de que nossa sociedade faliu há tempos. Isso porque a forma como as histórias narradas acima são apreendidas e "justificadas" pelos cidadãos brasileiros tem a capacidade de nos chocar ainda mais do que as próprias histórias. 

O machismo nosso de cada dia faz com que as redes sociais virtuais apresentem "justificativas" para o estupro coletivo acontecido no Rio de Janeiro, uma vez que a "culpa" pode ser pelo fato de a menina ser funkeira, usar roupa curta, topar sair com gente que frequenta baile funk, aceitar transar na casa do namorado etc. Por outro lado, também se consegue "justificar" o tiro na cabeça de um menino de 11 anos, já que "a cidade precisa se livrar da criminalidade" e de crianças que "não terão mesmo futuro", fazendo a polícia o "serviço que precisa ser feito", a fim de limpar a cidade, proporcionando uma vida melhor aos "cidadãos de bem". Do mesmo modo, perceber que, ao propor estupro a uma profissional em plena atividade laboral, um adolescente pode receber o título de "viril" e "símbolo sexual", também mostra o adoecimento de uma sociedade que não sabe mais para onde caminha.

Embora tenha ficado cada vez mais difícil falar em "coisas de antigamente", ser conservador ainda tem seu lugar, sobretudo pela necessidade de não se aceitar passivamente a falência de uma visão totalizante, pelo menos em termos éticos. Isso porque é impossível acessar com precisão a visão fragmentada de sociedade da chamada pós-modernidade, bem como ter clareza sobre a vida a ser vivida, após a leitura pós-estruturalista (com as inerentes dificuldades em se apreender a fluidez e a liquidez do mundo atual), sem que se veja tentado a voltar aos tempos em que uma visão mais englobante, socialmente compartilhada, determinava o que era uma família e o que significava o certo, o justo, o adequado, o belo.

Na fragmentação e liquidez da época atual, envolvida em redes sociais virtuais, perdemo-nos em narrativas que não se conseguem firmar para além de 144 caracteres, fomentando uma sociedade monossilábica, onde exigir uma explicação que justifique as escolhas se tornou motivo de revolta, quiçá, de chacota. Afinal, todos os posicionamentos parecem ser corretos, ainda que não se possa embasar a muitos deles em dados e com um mínimo de historicidade e ética. Por conta disso, então, o foco sempre estará na possibilidade de não se ter foco ou base argumentativa para o que quer que seja, o que nos leva a analisar "os motivos que a garota deu para o seu próprio estupro", "a vida sem futuro que o menino baleado já levava" e a "inspiração viril" do sex symbol do funk, Mc Biel.

liberdade, beleza e Graça...


quinta-feira, 19 de maio de 2016

"Dias de golpe: você está feliz agora?"

Um resumo breve coloca em pauta o que "conquistamos" após a imensa grita por um impeachment sem crime e após o rufar de panelas repletas de um insano ódio de classe: sete citados na Operação Lava Jato são catapultados à condição de Ministros de Estado, o novo Ministro dos Transportes é suspeito de desvio de verba para merenda escolar, o Palácio do Itamaraty oferece passaporte diplomático a pastor citado na Lava Jato, Gilmar Mendes devolve processo contra Aécio Neves à Procuradoria-Geral da República menos de 24 horas depois de recebê-lo, o Ministério da Cultura é extinto, o novo chefe de governo é acusado de homicídio e tem nada menos do que 8 processos no STF, o SUS passa à berlinda, já que o novo Ministro da Saúde, com campanha eleitoral bancada por donos de planos de saúde, defendeu que o Sistema Único de Saúde não pode ter o tamanho que tem e precisa ser repensado e diminuído. Começou assim o governo golpista de Michel Temer, e eu defendi em texto anterior que agora sim teríamos o que Temer!

Pior do que todas as informações acima, é perceber que as panelas dos que lutavam "contra a corrupção" não soam mais. O juiz Sério Moro simplesmente "sumiu" do noticiário e não há mais apoio do maior conglomerado de mídias do país, as Organizações Globo, na busca pelos corruptos de verdade, já que aquela contra a qual não há uma acusação sequer já foi jogada para o escanteio, permitindo espaço para uma elite que não aguentava mais perder eleições e não ter seus privilégios aumentados, além de não suportar mais dormir com a possibilidade de ver Lula vencer em 2018, o que fatalmente acontecerá, a não ser que a Globo consiga fechar o pacote com chave de ouro, isto é, empreender campanha para tornar Lula inelegível por 8 anos, para o que o Manchetômetro do IESP-UERJ prova não faltar fúria no noticiário global de todos os dias.

Temer acertou em cheio na escolha do seu slogan de governo. Ordem e progresso, uma máxima positivista há muito ultrapassada, mostra que, a começar pela criminalização dos movimentos sociais e a volta das balas de borracha, essa será a tônica de um governo que, sem legitimidade de urnas e sem qualquer amparo moral, passará a buscar na força aquilo que possa lhe ocultar a própria corrupção, já que a mídia golpista do país jamais cumpriria o papel de mostrar o quanto decaímos com a deposição ilegal do governo Dilma. E, para os que acham que há amparo legal, é preciso perguntar a razão de o STF não julgar o mérito da questão, já que existe uma quantidade imensa de juristas se confrontando, sendo que todos lançam mão da mesma cartilha, a Constituição da República, que obviamente não pode estar dizendo algo que seja sinônimo de "sim" e "não" ao mesmo tempo.

Brincamos com algo sério demais; ousamos tratar a democracia como algo de que se pode abrir mão a qualquer tempo, dependendo apenas da insatisfação dos grupos de sempre, aqueles que nunca deixarão de referendar o Brasil como uma terra de coronéis, uma terra que não se poderá levar a sério, pois a classe política e a mídia do nível que temos, sempre falando o contrário da boca para fora, mas diuturnamente abrindo mão da educação do povo (e propositalmente, pois, educados, não cairíamos nos golpes deles) fazem questão de corroborar nossa terra como uma imensa Republiqueta de Bananas!

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terça-feira, 19 de abril de 2016

"Agora, sim, há o que Temer"

A Câmara dos deputados aprovou e o Senado Federal deverá fazer o mesmo; Dilma Rousseff deverá mesmo ser afastada por 180 dias, tendo o Brasil, como resposta para a crise política, econômica e moral, um presidente que é muito mais responsável do que Dilma pela presente crise, já que, pelo que tudo indica, está envolvido com corrupção investigada pela Operação Lava Jato, além de carregar consigo um aliado que já provou ser o que de pior o mundo da política brasileira poderia produzir, Eduardo Cunha.

Em texto anterior, já citei o fato de que o impedimento da presidente só traria benefícios à grande mídia e às poucas famílias que controlam a informação no país, bem como aos corruptos e aos empresários, ávidos por um sistema de governo que retire dos trabalhadores os seus direitos, tal como foi dito pela Fiesp, que chegou a defender que o trabalhador deveria poder lanchar com uma mão e conduzir uma máquina com a outra, já que "uma hora de almoço é tempo demais".

Assim, com a democracia esfacelada por um golpe branco, já que o próprio relatório do deputado Jovair Arantes diz que há dúvidas sobre se houve crime de responsabilidade, mas, na dúvida, opta-se por condenar, dados os prejuízos que a crise trouxe ao país, vemos que não é mais necessário provar a condição de culpado, mas apenas se apropriar da dúvida, já que "o país precisa de uma resposta, e com muita urgência". Todavia, a urgência da resposta deve nos fazer pensar sobre o que temos para hoje; a "chapa" Temer/Cunha parece ser o que de pior poderia acontecer ao país, sendo que Cunha se mostrou mesmo o político mais poderoso da nação, já que consegue até fazer com que sua esposa e filha não sejam presas, ainda que não tenham foro privilegiado.

O susto e a motivação para o presente texto, no entanto, não veio do que já se sabia sobre a nova "chapa", mas do que já foi especulado sobre o possível encerramento da Lava Jato, aqui por mim anteriormente "profetizado". Sim, com as investigações da Lava Jato chegando ao vice presidente Michel Temer, dificilmente o mesmo, no cargo de presidente, permitiria que sua corrupção e a de seus parceiros, sendo o principal a figura que preside a Câmara, fossem investigadas e punidas.

O que minha "profecia" não trouxe é o reconhecimento da Polícia Federal de que "o papel já foi cumprido". Em reunião em Nova York, na ONU, já foi ventilada a possibilidade de a operação conduzida pelo juiz Sérgio Moro terminar até dezembro, pois, segundo os "conselheiros", assim como aconteceu com a Operação Mãos Limpas, na Itália, "não pode se estender demais e perder o foco". Nessa direção, Moro disse que sua parte termina mesmo até dezembro, deixando para Temer e os poderosos que substituirão Dilma a tarefa de "continuar". Como foi dito no título acima, agora sim há o que Temer. Eu devo ter vocação para profeta.

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terça-feira, 22 de março de 2016

"O momento mais propício para o fascismo"

O Brasil está em polvorosa. O momento político e econômico é deveras complicado, o que traz à tona paixões que começaram a ganhar relevo após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, quando o ódio nosso de cada dia aflorou de forma assustadora, fazendo ruir amizades de anos, quiçá, décadas, além de trazer tristes frases como a que defendia a chegada de "um vírus mortal para matar as crianças e aquele povo do nordeste", onde a presidente, democraticamente eleita, teve seu maior percentual de votos.

Do final da eleição para cá, pouca coisa mudou, já que as grandes corporações de mídia, explicitamente antigovernistas, aliadas a partidos oposicionistas - sem qualquer ética política e também atolados em corrupção - e a uma polícia federal, que, após a autonomia conquistada nos últimos anos, entendeu-se como a guardiã-mor dos anseios dos insatisfeitos com o resultado do pleito de 2014, parecendo se importar bem menos com os crimes cometidos pelos líderes oposicionistas, conseguiram fazer com que os palanques não fossem desmontados e que a vontade da maior parte da população não fosse respeitada, como se vê agora, praticamente todos os dias, sobretudo nos noticiários de televisão.

Ao invés de vibrarem com um momento político onde se tem um governo que não impede que se investiguem os atos de corrupção que desde o "achamento" do Brasil se perpetuam por terras tupiniquins, alguns acham que "tudo está ruim, pois todos os dias vemos a corrupção aparecer na televisão". Não se pode entender algo assim, já que a vontade de muitos parece ser o desaparecimento das denúncias e das investigações.

A chamada Operação Lava Jato, de patrimônio social, acabou por se transformar em um grande movimento antidemocracia e direitos conquistados, já que, com posturas anticonstitucionais que fazem vibrar os estúdios das Organizações Globo, fez reverter conquistas sociais da ordem dos direitos dos cidadãos brasileiros, o que é algo gravíssimo, como entendem vários dos sérios juristas desse país, bem como de grande parte dos integrantes da Suprema Corte, o STF.

Com um caldo social tão engrossado, pois, e com uma polarização que não consegue estabelecer diálogo, mas que se fundamenta na vontade de calar o opositor, ainda que se tenha de ir "às vias de fato", vemos se fortalecer a cada novo dia o que os sociólogos cunharam como "ódio de classe", o que em pouco tempo nos legará, sem dúvidas, alguns cadáveres.

Discutir política está se tornando cada vez mais difícil, haja vista o fato de que, movidos por paixões e pouco afeitos a um debate que se fundamente em argumentos sólidos, já que baseados em dados confirmados e documentos reconhecidamente idôneos, muitos estão na esfera pública apenas com xingamentos, ódios e armas, o que não tem permitido uma construção dialógica da saída para a crise política, econômica e moral que assola a nação.

Por isso, a atenção com o momento é crucial, já que, inebriados por uma mídia que constrói o que Gustave Le Bon chamou, em sua obra Psicologia das Multidões, de efeito de multidão, onde a razão perde espaço e fornece bases para que se aja sem pensar nas consequências, cometendo-se até assassinatos, dos quais depois se arrependerá, vários estão já a defender o fim das conquistas sociais democraticamente trazidas ao povo, retrocedendo a um tempo em que se podia inferiorizar alguns grupos. Se os pobres e negros são os maiores representantes do eleitorado de Dilma Rousseff, o que impede que grupos fascistas, antes calados, mas agora empoderamos por um ódio fomentado em horário nobre, comecem a atuar naquilo que mais gostam: "eliminar gente que escolheu mal"? Reflitamos, pois.

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

"Um homem do qual esse mundo não era digno"

O livro bíblico escrito aos Hebreus é uma obra enigmática, começando já pela autoria, de todos desconhecida. Por uns tempos, a obra foi até ignorada pelo cânon do Novo Testamento, já que traz polêmicas em torno da possível perda da salvação, caso o fiel não permaneça firme nos caminhos do cristianismo. Ainda assim, é inegável a contribuição de tal obra para se pensar a questão da fé.

No que a mim se apresenta como o texto mais inspirativo dessa obra, a fala sobre os heróis da fé ganha relevo, trazendo uma frase que toca fundo na alma de qualquer indivíduo: alguns cristãos, mortos após tortura cruel, foram chamados de "homens dos quais esse mundo não era digno". Não sei como um mundo tão belo e vasto pode ser indigno de alguém, mas a verdade é que o texto inspira.

Assim, inspirado pela obra aos hebreus, empreendi-me a tarefa de procurar alguém que não fosse tão distante de mim. Afinal, pouco me dizem Abraão, Sara, Moisés, Davi e os profetas do Antigo Testamento. Para mim, exemplo de fé teria de ser bem mais palpável. Eu teria de conferir-lhe a fé no dia a dia, algo que não posso com figuras bíblicas tão distantes.

Embora tenha conhecido muitas pessoas, e em várias regiões do país, apenas um homem me fez dizer que esse mundo não era digno dele: Jonas Farias. O irmão Jonas ensinou-me tudo o que penso sobre a fé cristã. Acho que nem ele sabia da importância que tinha em minha caminhada. Caminhando com rins secos por vários anos, e numa imensa fila de espera, Jonas Farias teve um transplante negado, já que uma cirrose faria com que os médicos "jogassem bons rins fora, caso os transplantassem nele". Uma frustração que não se consegue explicar e nem aceitar. Ele entendeu, ficando sem rins que funcionassem pelo resto da vida, e isso por mais de vinte anos.

Quando, graduando em Teologia, tive minha crise de fé, ao ver a Bíblia ser dissecada pelas ciências humanas, foi o irmão Jonas que, com apenas uma frase, deixou-me tranquilo da vida, e até hoje: "A Bíblia não é um livro de ciência, meu filho; é um livro de fé". Tal frase tinha a potência que faltava aos teólogos e exegetas adeptos das chamadas crítica da forma, da tradição e da redação, ainda que o autor da mesma fosse um homem simples e com pouco estudo. 

Jonas Farias faleceu sem que o mundo o conhecesse. Morreu anônimo para quase toda a população desse país. Todavia, inundam-se-me os olhos ao lembrar que vizinhos - que nem eram da mesma expressão de fé - faziam questão de gastar sua gasolina para levar aquele homem franzino na clínica de diálise. Do mesmo modo, choro ao lembrar que outros pacientes renais crônicos disputavam cadeiras na mesma sala daquele homem, já que, "após a oração e com a presença dele, parecia que a dor era menor". 

Jonas Farias aparece em várias das minhas mensagens pregadas, ainda que tenha falecido sem saber disso. Morreu sem saber da importância que tinha para minha trajetória de vida e de fé. Partiu para Deus sem saber que aquele menino perdido que lhe frequentava a casa venceu na vida e nunca se esqueceu dele, orando por sua saúde todas as manhãs e falando dele em praticamente todas as mensagens onde a fé era tema principal. Jonas Farias morreu sem saber a falta que fará para mim, pois, se para o mundo é apenas mais um que completa um ciclo na terra, para mim é o único homem que conheci pessoalmente e do qual posso falar sem qualquer dúvida: "Eis aí um homem do qual esse mundo não era digno".

liberdade, beleza e Graça...