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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

"Se deu na Veja, fique um pouco mais esperto"

No início da minha juventude, dentre as muitas atividades que exerci para a sobrevivência estava a de vender assinaturas de revistas da Editora Abril. Em tal empreitada, o melhor que eu podia conseguir em termos financeiros era vender a assinatura da revista Veja, já que, sendo semanal, me rendia uma comissão muito maior do que as outras publicações mensais daquela editora. O grande problema é que eu vendia um produto do qual eu mesmo falava mal. Sim, eu vendia Veja, mas, ao mesmo tempo, a chamava de "instrumento de uma imprensa marrom; uma imprensa suja e mentirosa". 

Para quem acha que eu vendia mal, já que todo vendedor tem de defender e acreditar piamente no produto que oferece, tenho de informar que eu era um dos melhores vendedores da Abril, chegando a ganhar quase mil reais por semana com a venda de assinaturas! O fenômeno se dava porque eu, ao oferecer o material, dizia ao cliente que era bom ler a Veja, já que, se ela se mostrava como uma publicação extremamente alienadora, era preciso ler seus conteúdos, já que só assim se poderia criticar e fugir à alienação de uma mídia deveras manipuladora. Meus superiores, é claro, nunca souberam de tal argumento e eu sempre fui demasiadamente elogiado pelo número de vendas e pelos lucros que gerei à Abril e à minha casa.

Lembrei-me dos meus argumentos de outrora ao passar pelas bancas no início deste mês, agosto. Na capa da Veja, um confronto novelístico envolvendo duas excelentes atrizes, Débora Falabella e Adriana Esteves, mostrava o quanto eu estava certo, mesmo com apenas 18 anos de idade, quando a gente quase sempre está errado. A manchete dizia que se tratava de "uma vingança com 190 milhões de cúmplices". Sim, pelas letras daquela revista, todo o país estava ligado a uma única emissora e sua bem arquitetada trama dramatúrgica das 9 da noite. Isso, óbvio, não condiz com a realidade, já que existem milhões de aparelhos que não estão sintonizados no mesmo canal, o que faz, portanto, com que cheguemos a mais uma possibilidade de atentarmos para aquilo que se quer chamar de opinião pública.

Atentando para as contribuições de Karl Marx (A ideologia alemã) e de Patrick Champagne (Formar opinião), chegaremos a uma boa maneira de entendermos as intenções da Rede Globo e da Editora Abril. Parceiras e mestres no dom de manipular, tais aparelhos de mídia nada mais fazem do que tentar instituir a opinião da classe dominante como opinião inconteste e dominante, como defendia Marx, bem como intentam transformar em opinião pública aquilo que na verdade não passa de opinião publicada, como bem defendia Champagne.

A grande jogada, no entanto, é que agora a ideia dominante se traveste de opinião popular, uma vez que, com um linguajar muitíssimo próximo ao do "povão", novelas como a que serviu de capa para a Veja aparecem cada vez mais como "aquilo que o povo quer ver" ou "aquilo que todo mundo vê", fazendo voltar a valer o reducionismo de Thales de Mileto, de uma Grécia que ainda não conhecia a palavra crise.

Ao contrário de um processo de distinção social, onde, segundo Pierre Bourdieu, a classe dominante faz de tudo para se distanciar dos estratos mais inferiores, o novo modelo de manipulação usa de uma sagacidade ímpar e nunca dantes vista, tentando indicar que "todo mundo é povão" e que "o povão está na moda". A falácia só cai por terra quando do momento de usufruto dos bens de um país que está entre os oito mais ricos do mundo, pois, neste momento, falando de educação, saúde, segurança e vivência sem corrupção, a distinção aparece de forma singular, dizendo aos pleiteadores de direitos: "vai ver novela, vai!".

liberdade, beleza e Graça...  


Um comentário:

NELSON LELLIS disse...

Interessante.
Você diz no texto que chegou a vender até R$1.000 em assinaturas da revista por semana.
Mês passado conheci um trabalho social de certa igreja num bairro do Rio. Por lá, um jovem responsável pelas vendas de drogas, garante também a quantia de mil reais.
A diferença do vendedor traficante é que este consumia e ficava sem o "lucro".
Mas há um apontamento, tem muita gente assinando a revista e consumindo pra caramba. Dá até medo, porque eles acreditam mesmo que esse negócio vai mudar algo, ou pelo menos... oferecer alguma "onda".