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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

domingo, 14 de março de 2010

“Caminhos da espiritualidade”

O terceiro capítulo do Evangelho segundo São João talvez seja o trecho mais conhecido da Bíblia. Isso porque nele está contido o versículo chamado de Bíblia-mirim, João 3:16, onde se lê: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.
O que foge à atenção, no entanto, é que o contexto para que tal máxima surgisse era também deveras interessante. Este curioso capítulo bíblico conta a história do encontro entre dois sábios rabinos: Nicodemos, um fariseu, doutor da lei mosaica e chamado de “príncipe dos judeus”, e Jesus, um filho de carpinteiro que ganhava notoriedade por conta de uma série de sinais miraculosos que fazia e por palavras de teor extremamente revolucionário para aquele momento histórico.
O texto diz que tal encontro se deu à noite por opção do próprio Nicodemos. A leitura sempre apresentada é que a escolha do horário dizia respeito a um possível medo ou vergonha da parte de Nicodemos, visto que ele era um rabino reconhecido socialmente e procurava encontrar-se com um rabino marginal ao sistema, o que viria a depreciá-lo com certeza.
Todavia, é possível uma leitura um tanto diferenciada, contemplando o gesto do “príncipe dos judeus” como algo que se deve seguir. É importante levar em conta que as visitações noturnas não eram comuns naquele tempo, visto que a possibilidade de saques e assaltos era uma constante. Assim, pensar que Nicodemos subverte uma ordem social para ter um tempo a sós com Jesus pode trazer a um mais atento leitor um ligeiro contentamento.
O texto segue mostrando as razões da busca de Nicodemos; tal rabino queria saber como Jesus fazia o que fazia, onde tinha aprendido palavras tão sábias, visto que não havia frequentado as escolas teológicas mais conhecidas da época (a de Hilel e a de Shamai) e como adquirira aquela postura carismática de fazer inveja a qualquer grande líder. A chegada de Nicodemos, portanto, enfatiza aquilo que ele via de místico em Jesus. Seguindo esse pensar, é também importante ver que Nicodemos humildemente reconhece Jesus como “mestre vindo da parte de Deus, pois ninguém faz o que Jesus faz se Deus não estiver com ele”.
Ao entender as razões de Nicodemos, Jesus lança mão de uma frase que vai inquietar tal rabino por um longo tempo: “Quem não nascer de novo, da água e do Espírito, não pode ver o reino dos céus”. Na cabeça de um intelectual, doutor de sua época, isso não fazia o menor sentido, pois, como o próprio Nicodemos diz: “É impossível para um ser humano voltar ao ventre materno e nascer novamente”. A ciência realmente negaria isso em qualquer tempo.
O nascimento espiritual continua mesmo a inquietar gerações. Mesmo com a “profecia” iluminista de que o século XX apresentaria o fim absoluto da religiosidade, foi possível ver que o inverso se deu, num processo sociologicamente chamado de reencantamento do mundo. Ao contrário do que se previa, os seres humanos nunca buscaram tanto uma esfera “encantada”, uma dimensão espiritualizada, como nos séculos XX e XXI.
Jesus continua a inquietar e a ser fonte de respostas para quaisquer pessoas. No entanto, para que um contato mais estreito com ele se dê e para que o coração de um ser humano possa ser realmente preenchido pela presença oceânica do Cristo, é preciso que uma subversão da ordem social se dê. É preciso também que uma humildade de reconhecer Jesus, um líder ainda marginalizado pelo conhecimento científico, se estabeleça, e que a busca não seja apenas por conta de sinais maravilhosos ou o carisma que ele tem, mas por causa da revolução do pensar e da mudança de mentalidade – para muito melhor, diga-se – que ele consegue provocar em qualquer pessoa.
Fazendo isso, qualquer um pode experimentar o verdadeiro gozo do espírito e uma paz que o mundo não oferece, pois nunca a conheceu. Só assim será possível descansar realmente em Deus, aquietar o espírito e, consequentemente, nascer de novo.

liberdade, beleza e Graça...

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

“Na era dos direitos, alguns não têm direitos”

É chato ficar batendo na mesma tecla sempre, pois fatalmente corre-se o risco de se parecer um fomentador do chamado "patrulhamento ideológico", o que este espaço nunca pretendeu referendar. Contudo, é importante trazer à tona - e mais uma vez, pois nesta página já há três textos sobre a temática - a questão do direito dos homossexuais e dos que deles se distinguem. Sendo várias as razões para que tal tema volte a figurar este espaço, citaremos algumas.

- No dia 31 de julho de 2009, o Conselho Federal de Psicologia decidiu aplicar censura pública à psicóloga carioca Rozângela Alves Justino, que oferecia terapia a pessoas homossexuais que a procuravam em busca de ajuda para largar o homossexualismo.

- No dia 5 de agosto de 2009, a cantora Cláudia Leitte foi chamada de homofóbica por ter declarado que gostaria que seu filho recém-nascido fosse heterossexual.

- Em janeiro de 2010, o programa da Rede Globo Big Brother Brasil escolheu três homossexuais declarados para participarem do jogo e entre suas atividades, que alguns entendem como “um papel social relevante para vencer-se a discriminação”, está o tomar banho de sol e piscina nus, sem qualquer preocupação com o horário em que pessoas de todas as idades assistem tevê, e ensinar como se faz sexo oral, tanto em homens como em mulheres, também sem qualquer preocupação com o público que lhes dá atenção.

- No dia 4 de fevereiro de 2010, o senador Eduardo Suplicy acionou o Senado Federal, no intuito de enquadrar o general Raimundo Nonato de Cerqueira Filho, candidato ao Superior Tribunal Militar, que tinha declarado no dia anterior - falando sobre a postura pública de um homossexual - que em sua opinião particular, "a vida militar se reveste de características que podem não se enquadrar em quem tem esse tipo de comportamento”. O general afirmou ainda, corroborando a fala do almirante Álvaro Luiz Pinto, que a questão não seria o homossexualismo em si, mas uma “postura que pudesse aparecer” e o fazer (o militar homossexual comandante) ter dificuldades em comandar, já que os liderados não obedeceriam, uma vez que ele, o general, teve conhecimento de que em vários exércitos isso se dera. Se não aparecesse a “postura”, não teria qualquer problema, segundo suas palavras, que se equipararam com as do almirante Álvaro Pinto: “Não tenho nada contra, desde que mantenham a dignidade da farda, do cargo e do trabalho. Se ele mantiver a sua dignidade, sem problema nenhum. Se for ferindo a ética, aí eu não seria a favor”.

Sabemos dos sérios riscos em se escrever o que agora escrevemos, todavia, o que sempre se procurou aqui foi que a luta pela liberdade de expressão se desse, inclusive para aqueles que de forma bem particular se colocam no mundo social. A Constituição Federal garante isso a todos.
Assim, não vemos problemas em mostrar nossa insatisfação com a postura de patrulhamento ideológico imposto, que tem feito com que quem não pensa consoante àquilo que se estabeleceu como “politicamente correto” não seja bem aceito.
Os homossexuais têm os seus direitos, mas quem não é também tem o direito de rechaçar posturas como as que a Rede Globo vem mostrando como “a última moda”.
Se a Rede Globo e os patrulhadores de plantão não puderem respeitar os direitos alheios, não poderão pleitear direito algum, visto que o que se tem apresentado é a ratificação de uma postura contra todo o preceito democrático. Se a coisa continuar como está, viveremos não uma democracia plena, mas um pleno estágio infernal do “politicamente correto”.

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sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

“Paralelos teológicos”

Karl Barth foi um teólogo nascido na Basiléia, na Suíça, sendo um dos maiores de que se tem notícia na história da Teologia, visto ter trazido contribuições demasiado importantes para o debate e reflexão acadêmicos pelo viés da Teologia Dialética e da chamada Neo-ortodoxia protestante (corrente de pensamento que tanto me encantou nos meus cinco anos de academia teológica).
É de Barth a matriz para o chamado “pensamento universalista”. Segundo tal pensar, grosso modo, o amor de Deus é tão intenso e incomensurável, que não haveria a menor possibilidade de o Mal subsistir, quando do momento da manifestação plena de tal amor. É como se, na presença do amor magnificente de Deus, o mal fosse de todo aniquilado e o inferno saqueado e destruído.
Lembrei-me de Barth e de meus anos de academia teológica ao acessar o livro bíblico de Jonas e ao lançar mão de uma “frase universalista” em um meu cartão de visitas.
Relendo o livro do “profeta menor” Jonas, certifiquei-me mais uma vez de que se trata de um libelo contra a segregação étnica e pela universalização do acesso ao Deus criador. É interessante notar que a pregação de Jonas, que acabou por converter os grandes pecadores de Nínive (na época, uma “cidade cuja maldade já tinha chegado aos céus”), longe de ter felicitado o profeta, o desencantou em demasia, pois o mesmo estava nenhum pouco interessado em que outra etnia, que não a sua, alcançasse a misericórdia do Deus de toda a criação.
A visão exclusivista de Jonas, no meu modesto entender, nada mais é do que uma versão judaica antiga da atual visão exclusivista de vários segmentos religiosos, evangélicos dentre eles. Tal visão acabou por fazer do povo judeu um grupo perseguido, odiado e segregado por outros e até por si mesmo. O mesmo parece estar acontecendo com todo o grupo que, de forma segregadora e intolerante, se posiciona como uma nação “fora do mundo”.
A frase de cunho “universalista” que postei em meu cartão de visitas diz: “A derrota cabal do Mal será que, ao abrir as portas do inferno, ele o encontrará vazio, por causa da Cruz de Cristo”. Assim como a conversão dos ninivitas, que tanto irritou ao profeta Jonas, por conta de seu exclusivismo segregador, minha frase também irritou ou, no mínimo, chocou um bom número de pessoas cristãs “piedosas”.
“Mas, pastor, assim não vai ter inferno, poxa!”. “Então, vai ser todo mundo salvo, pastor?!”.
Não nego a existência do céu e do inferno, embora pouco eu possa falar sobre eles. Todavia, o que assusta não é o fato de a Bíblia os fazer existentes – ainda que tenham tido as mais variadas leituras no decorrer dos anos – mas o fato de que o inferno precisa existir; tem de ter gente lá!
Para o profeta Jonas, os ninivitas não poderiam se converter a Deus. Eles teriam mesmo de ser destruídos e queimados vivos! Da mesma maneira, a frase de cunho utópico cristão que postei acabou por ser lida como um “libera geral” não-punitivo. E isso, tristemente, desencantou.
A simpatia à Neo-ortodoxia protestante me fez olhar com bons olhos para a visão universalista de um amor que aniquila todo o mal e instaura o bem para sempre e para todos, mas isso tem um alto preço, é óbvio. Noutra época, levaria à fogueira!
Ainda assim, e no nível da provocação, pergunto: a vontade de Deus poderia não ser feita? Diz a Bíblia que “a vontade de Deus é que todos se salvem” e que essa mesma “vontade de Deus é boa, perfeita e agradável”. A questão mais provocadora e que não calará, pois, é: Para você, é bom, perfeito e agradável que a maioria da imagem e semelhança de Deus queime eternamente num espaço de flagelo e dor incessantes?
Não radicalizei, refutando as ideias bíblicas de céu e inferno, mas gostaria que, ao menos, minha frase universalista fosse lida como uma utopia cristã a ser buscada, ainda que utopia. Pode até ser que não aconteça, mas minha vontade também é que todos se salvem.
FELIZ 2010.

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

“Enunciados do Enem, textos longos e livros grossos”

Interessa-me muito o noticiário sobre a avaliação anual que o governo federal promove para o ingresso em universidades, pois dela depende a inserção de muitos brasileiros pobres – com um contingente bem significativo de negros e negras – no ensino superior deste país.
Das notícias referentes ao “evento Enem”, porém, a que mais me chamou a atenção não foi a do roubo do primeiro lote de provas, meses atrás, mas a da reclamação dos candidatos, quando afirmaram, após as provas, que “os enunciados eram muito longos e cansativos”.
Para um país onde as instituições de ensino em sua maioria estão acostumadas a uma educação bancária, seguindo o conceito de Paulo Freire, é triste perceber que os educandos não estão acostumados a outra coisa, senão ao “senta aí que eu te ensino, pois eu sou professor e você é só um a-luno” (o hífen é proposital).
A educação, portanto, acaba por ser algo onde os educandos se preocupam muito em ter a resposta curta e “na ponta da língua” – incutida bancariamente pelo professor –, mas não ter espaço algum para uma reflexão em profundidade. Ainda tenho em memória algumas “respostas prontas e certas” de tempos passados: “Quem descobriu o Brasil?”. “Pedro Álvares Cabral” (na época não havia controvérsia). “O que é matéria?” “É tudo o que existe e ocupa lugar no espaço” (também não havia controvérsia) etc. Eu estava certo?
Parece que sim, pois fui sempre aprovado e consegui chegar ao ensino universitário assim. Mas a coisa precisou mudar. Confesso, porém, que “a coisa” só mudou na universidade, por conta da escolha por uma carreira onde a crítica é imprescindível. Se assim não fosse, não sei, não.
Mas voltando ao tema do presente texto (e preciso terminá-lo antes do meu “normal de linhas”, para não ter “problemas”), muitos dos meus alunos reclamaram que “os textos do deste blog são muito longos, passando de 15 linhas!”.
Adicionado a isso, ouvi de alguns outros: “Professor, indica livros finos, pois livro grosso ninguém merece!”. Ao fim e ao cabo, não sei se choro, lançando cinzas sobre a cabeça, ou se tento “angariar novos leitores”, escrevendo textos que não ultrapassem 15 linhas.
Ih, “infelizmente”, já passei de 15 linhas; só me resta mesmo vestir panos de saco, jogar cinzas na cabeça e chorar profundamente.

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terça-feira, 10 de novembro de 2009

“O caso Uniban e a imbecilidade de uma nação”

Ela apareceu em importantes programas de televisão, é capa de várias publicações país afora, deu entrevistas para emissoras de rádio, é tema de muitos artigos em jornais e revistas e dizem até que existe já uma sondagem das revistas masculinas Playboy e Sexy, a fim de que ela possa posar nua já no próximo número (tem de ser jogo rápido, pois a “notícia” sempre esfria).
A estudante Geisy Arruda, 20, expulsa e readmitida – por pressão de várias partes – na Uniban, alcançou os tão sonhados “15 minutos de fama” (já passaram de 15, claro, mas o construto é esse).
As informações são desencontradas. Aliás, como sempre por terras tupiniquins. Todavia, é interessante pensar nesse fato pelo que de realmente bom ele pode oferecer. Sim, existe algo bom nisso tudo. O acontecimento mostra, antes de tudo, como somos imbecis.
É claro que não foi o uso de uma simples minissaia que fez com que a jovem fosse hostilizada pelos colegas e expulsa depois do tumulto. Afinal, é possível ver o uso do mesmo tipo de vestido em outras jovens da mesma universidade. Não foi o que dizem ter sido. Na verdade, num país em que a maioria acredita piamente nas informações de seus meios de comunicação e manipulação de massas, da verdade e do fato quase sempre resta pouca coisa. Às vezes, não resta.
Tentando fazer um cálculo “por baixo”, é possível somar uma boa quantidade de dinheiro arrolado na “jogada”; para cada programa de televisão, o cachê de uma “notícia bombástica do momento” não sai por menos de 5 mil reais. Somada às entrevistas a rádios, jornais e revistas, essa grana pode se tornar bem interessante. Se uma das duas, a Playboy ou a Sexy, efetivar o convite, parece que pode rolar a bagatela de 300 mil reais, sem contar o 1 realzinho por cada revista vendida, que é um plus.
O advogado também fica feliz, pois está ganhando a notoriedade e a visibilidade nunca dantes experimentadas. No final das contas, todo mundo sai feliz (a Luciana Gimenez que o diga).
Mas pode ser que seja melhor do que falar do Iraque e do Afeganistão invadidos, não é mesmo? Melhor do que ser franco e verdadeiro, noticiando o roubo governamental de aposentados e pensionistas pelo fator previdenciário, certo? Melhor do que falar de uma tal de Maria Paraguaçu e da luta quilombola contra um racismo humilhante, correto? Melhor do que falar do que o José Serra faz com a mordaça nos funcionários públicos paulistas, não? Melhor do que continuar a falar naquela tal de reforma agrária, correto? Melhor do que insistir que o problema do país continua a ser educacional, certo? ERRADO! Está, sim, tudo errado.
Só que, apesar de tudo, e assim como a Elisa Lucinda, eu vou falar é dessas coisas outras. Mais e mais. E não vou falar de Geisy Arruda, pois dela não se precisa falar mais, visto que isso não acrescentará em nada. Vou falar é do resto e, se me perdoam o uso de uma sentença forte (mas apenas para homenagear a grande poeta Elisa Lucinda) falarei de tudo o mais, “só de sacanagem”.

Ps: Não, eu não estou falando palavrão. Vale a pena ler o poema Só de sacanagem. Acredite, é muito melhor do que qualquer “notícia bomba” que rola por aí nessas mídias manipuladas e manipuladoras.

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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

“Afinal, para quê serve Deus na terra?"

Três frases bastante fortes são atribuídas ao grande escritor russo Fiodor Dostoievski; à primeira delas - que também é atribuída a Blaise Pascal e a outros pensadores - poderíamos chamar de uma frase crédula: “Todo ser humano tem dentro de si um vazio que é do tamanho de Deus” (a ideia de preenchimento do indivíduo estaria aqui proclamada).
As duas outras sentenças, no entanto, parecem poder receber o rótulo de incrédulas: “Se Deus não existe, tudo é permitido” e “Para mim não há nada de mais elevado que a ideia da inexistência de Deus; o homem inventou Deus para poder viver sem se matar”.
Baseados nestas sentenças, podemos admitir uma possibilidade de sempre ser positiva a presença de Deus na terra. Ele estaria aqui como um ethos sagrado a mostrar um parâmetro de conduta. Sendo crido, como algo íntimo e pessoal, ou mesmo sendo entendido como “invenção”, Deus seria uma peça fundamental para a refutação da tese hobbesiana de “guerra de todos contra todos”. Deus, ou a ideia dele, seria, portanto, a referência a não deixar que nos matemos uns aos outros; serviria como uma regra de conduta mínima, buscando um caráter respeitador entre os humanos.
Deus existe na terra, então, para benefício do próprio ser humano. Os que creem nele como verdade sentida, vivenciada, e como respondedor de orações, nada perdem e usufruem, segundo seus próprios depoimentos, de uma paz que só conhece quem o entende existente. Os que creem apenas numa ideia dele, como parâmetro de respeitabilidade entre os homens e mulheres, nada perdem também, pois conseguem viver num mundo onde ainda se faz possível a evitação do “ninguém é de ninguém”. Neste pensar, ninguém perde com Deus.
O único a perder com a ideia de Deus seria, então, aquele que zomba dela. Só o indivíduo que refuta tal ideia, mesmo sem refletir nos ganhos dela oriundos, sai perdendo. Só aqueles que buscam a refutação simples, no intuito nada nobre de fomentação de atitudes hostis entre iguais, perdem com isso.
A grande questão, portanto, não seria Para quê serve Deus na terra?, mas POR QUE NÃO DEUS NA TERRA? Qual seria o malefício causado pela presença crida ou pela ideia de Deus, baseado nos argumentos acima expostos?
É sabido que ideias errôneas na questão hermenêutica foram trazidas à tona por muitos homens e mulheres de pensamentos belicistas. Todavia, é também inspirador saber que a ideia de um Emanuel (Deus conosco), representada na figuração da encarnação do Verbo da vida, um jovem chamado Jesus, traria uma interpretação outra, refutando a lógica belicista de antes e incutindo amor e perdão em cada gesto humano. A partir da hermenêutica do Cristo, Deus seria a nossa referência. Deus serve na terra para referenciar.

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(Texto escrito para ser resposta a um ateu, que fez a pergunta Afinal, para quê serve Deus na terra?, no fórum da Sepal. Foi-me feita a encomenda de uma resposta. Outros autores também estão enviando suas contribuições, e elas poderão ser vistas num único espaço, no blog de um meu grande amigo. http://www.nelsonlellis.blogspot.com/).

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

“Opinião pública, tiro certeiro e aplausos”

O debate acerca da existência ou não de uma opinião pública se faz bastante relevante a cada novo episódio traumático que nos chega. Não é raro lermos e ouvirmos que “a opinião pública está farta disso”; “a opinião pública não aceita mais aquilo”, e assim por diante.
Segundo o pensamento de Patrick Champagne, no entanto, o que se chama de opinião pública nada mais é do que uma opinião que foi tornada pública; uma opinião publicada. Algo que Champagne chamou – na sua excelente obra Formar opinião – de “opinião de uma elite social que frequenta as academias e os salões literários (...) uma máquina de guerra ideológica improvisada (...) uma ideologia profissional. É a opinião manifestada a respeito da política por grupos sociais restritos, cuja profissão é produzir opiniões, e que procuram entrar no jogo político, modificando-o e transfigurando suas opiniões de elites letradas em opinião universal, intemporal e anônima com valor na política”.
A partir dessa ideia de Champagne, intentamos pensar o episódio mais comentado em vários dos debates nos círculos acadêmicos brasileiros nos últimos dias: os aplausos para o policial militar que acertou na semana próxima passada um tiro na testa de um sequestrador, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.
As perguntas que ficam são: O povo gosta mesmo de violência? A tortura contra os chamados bandidos é tolerada e até incentivada pela chamada opinião pública? Vale tudo na busca de segurança pública e individual? Segundo o apresentador de tevê Wagner Montes, sim. Nós, na contramão, acreditamos que não.
Pesquisas acerca das percepções da violência mostram que um mesmo grupo pode responder de forma radicalmente oposta a uma mesma questão. Especialistas em segurança pública mostraram que até a ideia favorável à pena de morte é rechaçada, a depender da forma como o réu é apresentado. Quando é apresentado como indivíduo com família; mãe, pai ou filhos pequenos, é tido como um “igual” e, portanto, “merece uma outra oportunidade”, que seria uma pena menos radical. Se for “só um número” e o foco estiver apenas na ação perpetrada por ele, tudo muda e até se radicaliza.
Outros fatores que devem ser levados em consideração são o “calor do momento” e o “efeito de multidão”, tão estudado por Gustave LeBon em Psicologia das multidões. Não é difícil entender que no calor do momento é fácil tomar uma atitude que não se tomaria após um breve tempo para reflexão. Contribuindo de maneira mais teorizada, com seu conceito de efeito de multidão, LeBon afirma que “os indivíduos em meio a uma multidão são capazes de ações deveras irracionais, que não cometeriam se estivessem sozinhos”.
Podemos ver, portanto, que a pressa na atitude de matar só fez contribuir mais para a aquisição social de novos órfãos e nova viúva. Entendemos que poderia chegar-se a uma negociação e evitar mais uma dissolução familiar, geradora de outras no futuro.
O que falta aos sensacionalistas de plantão é um pouco de sensibilidade e coragem para assumirem os riscos de se dizer que a solução não está na bala, mas no investimento em educação, associação e saúde para um sem número de “vítimas que fazem e farão vítimas”. Quem é tratado como bicho hoje, dificilmente tratará os seus iguais como gente amanhã. O mundo hobbesiano do todos contra todos, sendo um o lobo do outro, parece estar incentivado. Mas, e os aplausos? Não teria o povo gostado do grande espetáculo de horror tijucano? Não, o povo não gostou, definitivamente. Os aplausos não são os da opinião pública, são os da opinião tornada pública. O povo, na verdade, chora. Chora sem consolo. Chora de desesperança. Chora de desvontade de fazer algo. Chora de impotência. Ovelhas sem pastoreio.

liberdade, beleza e Graça...