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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 30 de abril de 2019

"Filosofia e Sociologia: extremamente perigosas!"

É de fazer pensar a tara que os sistemas ditatoriais têm com as Ciências Humanas e Sociais. Não só no Brasil, mas praticamente no mundo todo, basta que um governo mais autoritário seja catapultado ao poder e uma perseguição se inicia. E olha que isso não significa que o governo seja de direita ou de esquerda, pois, a independer de quem governa, matérias como a Sociologia e a Filosofia são sempre tratadas como "inimigas do poder". O que poderia se tornar um perigo gerador de medo, no entanto, se tornou um orgulho, uma honra. Sim, enquanto professor das duas matérias, confesso que é muito bom saber que não somos bem quistos por governos autoritários e ditatoriais, já que isso só mostra a força para a resistência que tais matérias têm.

É claro que a Matemática, a Física e a Química, para citar apenas os exemplos mais tradicionais, são muitíssimo importantes na formação dos cidadãos e cidadãs de um país. Todavia, é curioso notar que os sistemas de governo mais autoritários não se incomodam com tais disciplinas, já que são meramente instrumentais e parecem não se interessar por ultrapassar o limite de um conhecimento dedutivo, que, no nível escolar, não cria nada novo, mas apenas aplica fórmulas já construídas por filósofos da Antiguidade, tendo nós como exemplo clássico o muito respeitado Pitágoras de Samos. 

No caso da Sociologia e da Filosofia, agora perseguidas pelo governo Bolsonaro (que chegou a dizer que são matérias que "não trazem resultado e ensinam besteiras para os meninos, que deveriam aprender a fazer contas e a ler e escrever para arrumarem um trabalho e ajudarem suas famílias"), é notório que, não sendo meramente instrumentais, mas cognitivas, têm a função de fazer com que estranhemos o óbvio e problematizemos realidades que, permeadas por construções histórico-sociais bastante marcantes, são justificadoras de preconceitos, racismos e intolerâncias de toda monta, simplesmente pela justificativa de que "sempre foi assim", coisa que as disciplinas agora execradas não aceitam.

Com a função social, portanto, de "desmascarar o poder", mostrando as falácias e as posturas meramente ideológicas contidas nos dizeres e nos atos dos que comandam (no caso do fazer da Filosofia), bem como apontando as razões geradoras dos processos de desigualdade que imperam e emperram o mundo (no caso da Sociologia), as disciplinas que agora são tratadas como "dispensáveis" conseguem trazer uma reflexão sobre o status quo, refutando a naturalização da maldade humana, a universalização do discurso da classe dominante e as lacunas e edições construídas para ocultar o processo de alienação em que se pretende colocar todos os dias os menos favorecidos. A Filosofia e a Sociologia podem não nos servir para mais nada, contanto que consigam ensinar os dominados para que possam, ao serem instados à obediência cega a uma lei ditatorialmente imposta, problematizar a ordem com um "Quais os fundamentos e argumentos que me deveriam levar a aceitar isso?".

liberdade, beleza e Graça...


domingo, 31 de março de 2019

"Guerra de narrativas e reescrita da história"

Um dos ditos mais famosos do teatrólogo Nelson Rodrigues é a clássica frase "Se os fatos são contra mim, pior para os fatos". À luz de tal citação, podemos analisar o momento político brasileiro, já que uma guerra de narrativas tomou conta do núcleo duro do poder no Brasil, o que chega a levar um ministro de Estado, no caso, o da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e até mesmo o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, a colocarem os fatos como algo a ser menosprezado, tal como na fala rodrigueana, só que sem a acidez e a genialidade do chamado "escritor maldito". 

No caso de Lorenzoni, ao tratar da questão das armas, o mesmo disse em entrevista que "segundo pesquisas sérias, em todas as sociedades onde as armas foram liberadas, a violência diminuiu". Na mesma semana, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP lamentou o decreto presidencial sobre a liberação de armas, defendido por Lorenzoni, pois, segundo tal entidade, "sérias pesquisas nacionais e internacionais provam que quanto mais armas, mais violência". 

É evidente que, se quisermos ser declarados como minimamente racionais, não podemos aceitar que um tema seja abordado, e tendo como referência "sérias pesquisas", sem que se saiba quais pesquisas, quais pesquisadores, quais metodologias e onde e com quais grupos foram aplicadas. No caso do FBSP, assim como do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, as bases são sociológicas e antropológicas, contemplando autores renomados no Brasil e no exterior. No caso da fala de Lorenzoni, não se sabe quais sãos as pesquisas, nem onde teriam sido realizadas, pois o ministro não as cita. Mas não importa; o chefe da Casa Civil soltou a frase e, num processo de guerra de narrativas, colocou seu ponto de vista como "verdadeiro e referenciado por pesquisas sérias". 

No caso de Bolsonaro, também em entrevista na rede aberta de televisão, o presidente afirmou que as "universidades públicas brasileiras não têm pesquisas e, quando há pesquisa universitária, ela está nas universidades privadas, como no caso da pesquisa sobre o grafeno, da Mackenzie de São Paulo". No contraponto narrativo ao presidente, dados mostram que, das 50 universidades mais prósperas em pesquisas no Brasil, 49 são públicas e apenas uma é privada, sendo que nem é a Mackenzie de São Paulo, mas a PUC do Paraná.

O grande problema nessa guerra de narrativas é que os fatos não parecem mais importar aos defensores ferrenhos do "mito", já que, ainda que minta em entrevistas em rede nacional, se os fatos depuserem contra ele, "pior para os fatos". Deste modo, nos é já impossível debater política de modo civilizado e em nível que se possa chamar de inteligente, uma vez que não é mais preciso atentar para a verdade dos fatos para se ter um posicionamento sobre o que quer que seja no Brasil. 

Nessa senda, não só mais armas contribuem para menos violência e universidades privadas pesquisam mais do que públicas, como também a ditadura militar não existiu, o Ibama, ao fiscalizar e punir crimes ambientais, está errado, e os desmatadores certos, Fabrício Queiroz vende carros e não tem nada a ver com funcionários fantasmas e o PSL é um partidos de políticos honestos, e não o Partido do Suco de Laranja. Na guerra de narrativas que se estabeleceu no país, Bolsonaro e sua equipe parecem estar vencendo e, pelo visto, se algum dia essas "verdades" perderem o seu valor, a culpa será da Dilma e do PT. 

liberdade, beleza e Graça...


terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

"A elite do atraso a nos explicar em detalhes"

Quando Antonio Candido leu o material que Sérgio Buarque de Holanda lhe enviou para receber um prefácio não teve dúvidas da qualidade do escrito, chegando a dizer que Raízes do Brasil era "um clássico de nascença". Por ser Candido o que era, um dos mais influentes críticos literários da época, dificilmente alguém ousaria contestar o valor que a obra de Sérgio Buarque teria para as Ciências Humanas e Sociais no decorrer dos séculos XX e XXI. Apesar de tal incontestada potência, no entanto, eis que aparece alguém para deixar a nós cientistas sociais com vergonha de ter fechado os olhos para algo que agora parece até óbvio; se, ao contrário de Candido, não tenho cacife suficiente para afirmar que uma obra já nasce clássica, ao menos posso, com toda segurança, afirmar que A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato, de Jessé Souza, já nasce paradigmática. 

O paradigma quebrado por Souza se dá no enfrentamento do pilar de sustentação da obra de Sérgio Buarque, uma vez que coloca em xeque o conceito de patrimonialismo, além de mostrar que, ao contrário do que fez o autor de Raízes, uma análise intelectualmente acertada do Brasil teria de ter a escravidão como foco, já que não se poderá mais aceitar que, como afirmava Sérgio Buarque, o Brasil guarda uma continuidade com Portugal, com o apossar de patrimônio público por entes privados, os donos do poder, uma vez que a escravidão é um acontecimento que não se deu em terras lusitanas nos moldes que aconteceram aqui, mas embasou toda a formação da sociedade brasileira, sendo o amálgama a construir as classes e as relações sociais que culminariam em um racismo velado, uma construção de cidadania de segunda categoria para os negros e, consequentemente, uma "ralé de novos escravos", como bem defende Jessé Souza. 

É claro que, como uma obra que pretende interpretar o Brasil, A elite do atraso também comete equívocos e Jessé Souza bem sabe que não faltarão críticas à sua obra, o que, de minha parte, merece lugar, visto que o autor parece escorregar em pelo menos dois momentos cruciais do escrito. Ao falar sobre racismo, Jessé afirma que "tudo é racismo", o que enfraquece o aporte conceitual que separa a questão de classe da questão racial, já que, ainda que se tenha criado uma "ralé de novos escravos", ser preto é muito diferente de ser branco nessa ralé de humilhados e abandonados pelo Estado brasileiro. Assim, é preciso separar classe social de raça e mostrar que, ao contrário do que defende a obra, nem tudo é racismo, pois a cor da pele ainda conta, e conta muito, o que não impede, porém, que brancos e negros pobres sejam contados como parte da mesma "ralé". Outro lapso que Jessé Souza deixa escapar é a linguagem demasiadamente panfletária da obra, sobretudo no final, quando a Operação Lava Jato, da polícia federal brasileira, toma a cena, visto que o caráter científico que deveria permear a obra acaba se perdendo, cedendo espaço para o que parece ser uma militância de esquerda, trazendo o risco de a obra ser tratada como um panfleto a defender o ex-presidente Lula e o PT, o que nem de longe é verdade, já que o livro é muito mais do que apenas essa pobre ideia. 

Se o conceito de racismo e a linguagem panfletária influenciam negativamente na potência da obra, é preciso afirmar com toda a certeza que tais "escorregadas" não tiram a força do escrito de Jessé, bem como não fazem da mesma menos paradigmática, uma vez que o grande avanço da obra se dá no enfrentamento do conceito de patrimonialismo, tão defendido por intérpretes do Brasil e seus seguidores, tão inspirados em obras como a de Raymundo Faoro (Os donos do poder), Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) e o próprio Sérgio Buarque e o seu Raízes. Isso porque, seguindo na senda da teoria sociológica de Max Weber, Jessé Souza nos mostra que, para além de se evitar a ideia de continuidade com Portugal, por conta da escravidão que só aqui tínhamos como tínhamos, o conceito de patrimonialismo não deveria ser utilizado para se pensar as relações no Brasil Colônia, pois, como as esferas da vida (sistema político, sistema econômico, sistema educacional, imprensa etc) precisam ser independentes e autônomas para que haja o patrimonialismo, que é a colonização de uma esfera por outra, o Brasil Colônia, por não trazer tal separação de esferas, impediria de se pensar em governantes transformando o bem público em privado, já que tudo era uma coisa só, pertencendo aos donos do poder, e não havia, portanto, porque se falar em patrimonialismo. 

Para além do enfrentamento da ideia de patrimonialismo, Jessé Souza apresenta a classe média como a grande protagonista daquilo em que se transformou o Brasil, culminando no apoio quase que irrestrito e irreflexivo à Lava Jato, já que a classe média concebeu a ideia de meritocracia que a classe dos donos do dinheiro buscava para si, o que fez com que se buscasse por uma formação intelectual que pudesse justificar os ganhos daqueles que já nasceram em berço de ouro. Por outro lado, essa mesma classe média cederia a moralidade que as classes mais pobres defendem ter, já que é a classe que, ao contrário dos donos do dinheiro, também seria vítima da corrupção, e não a protagonista da falcatrua, que seria perpetrada só pelos mais ricos. Assim, a classe média seria aquela que mais explicaria o atual momento político brasileiro, visto que traria, num mesmo pacote, a moralidade dos pobres e o mérito de ter conseguido galgar degraus na pirâmide social (e chegando ao dinheiro) "pelo próprio esforço" (o que se configura em falácia, visto que não compartilha com os mais pobres do mesmo ponto de partida).

Ainda na senda da moralidade característica da classe média, outro elemento muito importante da obra de Jessé Souza é a moral que envolve a diferenciação entre a corrupção dos tolos e a corrupção real. No primeiro caso, o autor mostra como o foco da ideia patrimonialista só permitiu que se visse a corrupção de entes públicos, sobretudo políticos, mas ignorou propositalmente a corrupção real, aquela perpetrada pelo empresariado, os donos do dinheiro. Segundo o autor, enquanto a Operação Lava Jato se gaba de ter recuperado um bilhão de reais de propinas de políticos, que seria apenas a ponta do iceberg, pois representa os 2% ou 3% pagos "por fora", mais de 500 bilhões - que alavancariam a educação e melhorariam substancialmente a saúde de nosso povo - saíram do país, por conta de transferências feitas pelos maiores corruptos e corruptores, a classe empresarial. 

Por todas as razões acima expostas, a obra de Jessé Souza merece detida leitura e posterior reflexão, uma vez que explica, como poucas obras a interpretar o Brasil, as razões de sermos o que somos e de termos feito as escolhas que fizemos, sobretudo a que agora nos toma, com Jair Bolsonaro no poder, ainda que ninguém pudesse imaginar tal feito há poucos dois anos. Afinal, ao terminar a leitura do livro só consegui me perceber com o olhar perdido no horizonte, mas com a convicção plena de que eu tinha enfim entendido o que nos acontece agora, já que só pude dizer "então é por isso...".

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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

"Da razão de Brumadinho explicar a tragédia brasileira"

Quando a barragem da mina do Córrego do Feijão rompeu em Brumadinho, veio à tona a tragédia anterior, da Samarco, em Mariana, trazendo luz a uma questão que, por mais que muitos queiram ter como ultrapassada, é o que continua a ditar as regras no país, bem como o que explica a tragédia brasileira; a luta de classes. Isso porque o que está em jogo são os interesses econômicos dos grandes empresários brasileiros e estrangeiros, contrapostos ao interesse da sociedade e dos trabalhadores, o que tende a dificultar fiscalizações idôneas, respeito ao meio ambiente e, no pior dos casos, fomentar um tremendo desrespeito à vida, como no caso das quase 400 pessoas mortas na tragédia provocada pela barragem de rejeitos de minério da mineradora Vale. 

O que poucos buscam saber, no entanto, é como fazer para que a tragédia não mais se repita e, mais ainda, como fazer para que as pessoas atingidas sejam indenizadas, já que, após 3 anos do desastre em Mariana, nenhum morador foi indenizado, estando todos alocados em casas alugadas e recebendo apenas um valor mensal que nem de longe se compara ao que legalmente seria uma indenização pelas perdas provocadas. Ainda assim, nenhum responsável está preso e não se percebe qualquer preocupação com as vítimas, já que os bilhões de reais em lucro da empresa Vale nos últimos anos, mesmo após Mariana,  e os 200% de valorização das ações da empresa parecem importar muito mais do que as vidas perdidas, o meio ambiente devastado e as histórias enterradas na lama.

Talvez a Vale tenha uma postura diferente agora, visto se tratar, no caso da maioria das vítimas, de funcionários seus, o que pode fazer com que a situação corra de forma diferente, já que as 19 mortes de 2015 não conseguiram sensibilizar a empresa, que pouco fez para que a tragédia não se repetisse, focando muito mais na tentativa - exitosa, diga-se - de reconstruir sua imagem e, com isso, continuar sua busca desenfreada por lucro, ainda que nessa busca esteja presente a atitude de ignorar avisos de novas tragédias, tal como a investigação já mostra no caso de Brumadinho.

A verdade que surge, então, é que pouca coisa consegue explicar mais a tragédia brasileira do que o embate que se estabelece entre empresariado e trabalhadores. Tanto que temos agora um governo que, antes da tragédia de Brumadinho, afirmava que "a fiscalização deveria ser flexibilizada", já que tal postura "atrapalha a vida de quem quer produzir", nas palavras do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro. É claro que, após o ocorrido em Brumadinho, o governo correu para, de forma muito oportunista, negar o que tinha pregado antes, visto que o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, chegou a afirmar que, no caso de situações de alto risco a fiscalização deveria ser bem mais rigorosa, posicionando o governo de forma incoerente em relação ao que vinha antes defendendo. 

Ao fim e ao cabo, estamos diante de um governo que prestigia empresas como a Vale, retirando delas o ônus do rombo na Previdência Social - já que as empresas, devedoras de bilhões em impostos, são as maiores responsáveis pelo rombo que a classe política e a mídia noticiam diuturnamente - e cobrando tal ônus na vida dos trabalhadores brasileiros, algo que o governo também já vem fazendo em relação ao agronegócio, que terá bilhões em dívidas perdoadas, uma vez que "não podem ser atrapalhados de produzir e precisam ter o governo longe do seu cangote", como também defende Bolsonaro, presidente que, pelos discursos e posturas, em 4 anos fará com que o rico cada vez fique mais rico e o pobre cada vez fique mais pobre, sendo que a justificativa ainda será algo parecido com o "é pobre porque é preguiçoso e não quer trabalhar", algo típico de quem retira direitos e se posiciona do lado dos mais fortes, do lado de quem já tem a posse do dinheiro e do poder. Triste.

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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

"Meu primeiro discurso como patrono de turma"

Em memória de João Vitor Sacconi Guarnier (que deveria estar se formando com a turma, mas faleceu em acidente de automóvel, na metade do curso, para imensa tristeza nossa).

Queridas e queridos estudantes, formandos do Curso Técnico em Mecânica, eu sabia que vocês conseguiriam! Conseguiram! Tenho apenas 4 parágrafos para ler e estou muito consciente de que, nos 5 minutos que me foram concedidos, me seria impossível expressar tudo o que tenho dentro em mim, que vem do fundo do meu coração, e que, por mais que seja fruto de apenas um ano e meio de convivência, é algo mágico e construído com potência suficiente para gerar uma vida que não tem fim; para gerar um instante de eternidade no coração de um professor que não tem outra coisa a lhes dizer nessa noite, senão um "muito obrigado pela honraria que agora me proporcionam!". E, se são só 5 minutos, permitam-me encerrar já aqui o primeiro dos meus 4 rápidos parágrafos com a única frase que merece ter presença na relação que conseguimos construir, e que ganha ápice nessa noite tão especial de festa, de conquista, de vida e de luz: EU AMO VOCÊS.

Não é fácil dizer isso e talvez eu consiga dizer que os amo hoje porque estamos longe agora. Talvez porque eu não tenha de lhes encarar amanhã ou depois, o que com certeza me faria corar de vergonha diante de cada um, já que eu teria de justificar uma frase que é tão forte, mas tão forte, que a gente às vezes prefere morrer a ter de falar. Mas eu não vou esperar morrer. Na verdade, já esperei tempo demais para dizer a alguém que o amo, que a amo. Então, vou repetir, e sem medo de ser piegas, de ser cafona, de ser ultrapassado; é verdade, sim, minha turma preferida, meus alunos do coração, EU AMO VOCÊS.

A dificuldade que venço agora, dizendo que os amo, tem razão de ser; afinal, de um lado está um medo terrível de expressar afeto, já que se trata aqui, como vocês bem sabem, de alguém que, por conta de um orfanato insosso e sem afetividade, não aprendeu da potência de um carinho, de um beijo sincero, de um abraço que demora; alguém que não foi ensinado a amar. Por outro lado, talvez a distância entre professor e alunos, que é, por muitos, insistentemente solicitada, nos afaste e nos impeça de dizer EU TE AMO. Mas eu os amei desde o primeiro dia, e os amo mesmo, ainda hoje, e com tudo de mim. E os amei desde o princípio porque me via em vocês; uma turma que se parecia demais comigo. Eu parecia fazer parte daquilo. Pareço ainda fazer parte.  Isso me alegra, me honra, me deixa cheio de Deus, me deixa em Deus, en theos, en theos asmos, entusiasmado!

Inicio o meu último dos 4 parágrafos implorando para que vocês não se deixem envelhecer para dizer que amam alguém. Porque tudo vai passar. As ciências que aprendermos aqui, o dinheiro que ganharmos aqui, as conquistas que tivermos aqui. Tudo vai passar. Mas o amor vai ficar para sempre. O amor jamais acaba. Demorei mais de 20 anos de vida de professor para entender que só se consegue ensinar mesmo algo a alguém com amor. Então, que vocês não aprendam a amar apenas no entardecer da vida, como eu, mas já no amanhecer de suas histórias, como agora, no primeiro dia do primeiro ano do resto de suas vidas. Deixo, por fim, a cada um de vocês, o segredo para a felicidade, segredo esse que me deveriam ter contado quando eu tinha 18 anos, tal como vocês têm agora: 1º) desenvolva um senso de pertencimento, sendo amigo, tendo próximos, sendo parte de um grupo; 2º) procure aprimorar as habilidades de fazer alguma coisa muito bem feita, a ponto de as pessoas duvidarem que outro alguém possa fazer tão bem feito como você; e 3º) fortaleça o seu senso de autonomia, que é a capacidade de se aceitar e de se sentir bem com você mesmo. Acredite, vai dar certo; você vai ser feliz. Vocês vão ser felizes. Isso aqui é só o começo de tudo. Muito obrigado.

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sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

"Os Bolsonaro e o cinismo enquanto doença sem cura"

A última eleição presidencial brasileira tem tudo para se tornar um acontecimento histórico a ser estudado por muitos anos. Isso porque trouxe elementos nunca dantes vistos na nação, elementos esses que mudaram uma lógica e confundiram - e muito - toda a classe intelectual, que não imaginava que as jornadas de 2013 seriam usadas de forma tão genial para transformar praticamente todos os problemas da nação em frutos de um único partido político, a saber, o dos Trabalhadores - PT. 

Se num primeiro momento as manifestações de 2013 eram contra o abuso no aumento das passagens de ônibus em São Paulo, noutro instante se tornou a válvula de escape para todos os problemas brasileiros e, embora pensássemos que a maior emissora de televisão e mais importante formadora de opinião do país, a Rede Globo, perderia espaço na manipulação das mentalidades, uma vez que um dos lemas gritados em palavras de ordem nas ditas manifestações era "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!", isso (ainda) não se deu. Como é sabido, junto ao grito que ecoava ineditamente muito forte e com muito apoio, o movimento chegou a impedir que muitos repórteres da dita emissora conseguissem acompanhar os protestos, chegando alguns a gravar reportagens de cima de prédios ou protegidos por sacadas emprestadas. Mas parou nisso. 

A Globo, como também é já sabido, soube bem contornar a situação, sendo que os protestos, que tinham começado por conta de 20 centavos de aumento da passagem, passaram a ser contra o governo de então, algo que nem o mais alto funcionário da Vênus Platinada pensava conseguir, já que começava ali a construção de um antipetismo que culminaria na eleição de um governo de extrema-direita, o de Jair Bolsonaro, que, entre muitos dos planos já anunciados está a retirada de direitos trabalhistas (mais ainda do que no governo Temer, pois o presidente eleito afirmou que "o trabalho tem de se aproximar da informalidade mesmo"), além de outros retrocessos que só perceberemos melhor quando a pobreza aumentar de forma descontrolada e a desigualdade gerar uma violência que, ironia do destino (?), até trará razão ao presidente, já que a ideia será resolver na bala, algo que é já uma plataforma de governo de Bolsonaro.  

Não é fácil explicar o fenômeno que ocorre hoje no Brasil, mas Alexis de Tocqueville já teorizava sobre a facilidade que governantes têm de retirar direitos em épocas de graves crises econômicas e de insegurança pública. Assim, crendo que a corrupção é algo apenas de políticos (o que não é nem de longe verdade, pois o empresariado brasileiro é muito mais corrupto e gera muito mais prejuízos à nação do que a classe que habita Brasília), e que está atrelada a apenas um partido, o PT, muitos eleitores abriram mão de sua liberdade e de seus direitos pelas promessas de "limpeza do campo político", algo que Jânio Quadros já tinha prometido (sem cumprir, claro), o que lhe fez ser tão messiânico quanto o Messias que agora toma o Planalto. 

Mas apareceu o Queiroz. Quer dizer, desapareceu o Queiroz! Fabrício Queiroz, assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, deputado estadual filho do presidente eleito, também participava do esquema muito conhecido na Alerj - Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Tal esquema, desenvolvido com volúpia por vários deputados, tinha como foco alocar muitos assessores nos gabinetes, mas retirando-lhes parte dos salários, no intuito de bancar campanhas políticas dos deputados que os empregavam. O Coaf - Conselho de Controle de Atividades Financeiras descobriu que Fabrício Queiroz tinha atividades atípicas, movimentando valores que seriam impossíveis de lhe pertencerem, sendo que tais valores, vindo de outros funcionários do gabinete do Bolsonaro filho, entravam em sua conta justamente na época do recebimento dos salários dos assessores, sendo que ainda não se sabe o destino do dinheiro, já que a investigação apenas começou e o sigilo bancário não foi retirado, o que colocaria tudo em pratos limpos. Da parte dos Bolsonaro, Flávio é inocente, bem como o próprio pai, que teve cheques depositados por Queiroz na conta da esposa, valor que, segundo o presidente eleito, estava "relacionado a uma dívida e que ele erradamente não declarou", o que configura crime.

Como estamos entrando na fase máxima do cinismo tupiniquim, Bolsonaro pai disse que "vai pagar o que deve, caso seja levado a isso", reconhecendo que errou. O que fica difícil de entender é a razão de o presidente eleito não levar a pecha de corrupto, ainda que admita que cometeu corrupção. Não se sabe a razão que o leva a acreditar que os malfeitos de Lula são corrupção e os dele, não; nem o que leva o ex-juiz Sérgio Moro a aceitar a corrupção de seu colega Onyx Lorenzoni, só porque "ele já se arrependeu do que fez", tal como já foi mostrado aqui no blog. 

E o povo? Ah, o povo parece feliz. Tem no governo alguém que pode até ser corrupto, "mas não é do PT". E, "se Jair Bolsonaro é corrupto, com certeza o Lula é mais". "Se o partido e os filhos do presidente eleito são corruptos, com certeza os filhos do Lula e o Partido dos Trabalhadores são mais!". E não adianta tentar discutir com os responsáveis pela eleição do deputado do PSL, pois vão falar que "estão com inveja do mito", que "são viúvas do Lula", que "o país agora vai ser sério" e que "a mamata vai acabar". Não, queridos, nada disso é verdade; a verdade é que teremos muito mais pessoas na pobreza e abaixo da linha da pobreza, pois se trata de um governo para empresários e especuladores financeiros nacionais e internacionais. Como pesquisas mostram que é a desigualdade que gera violência, preparemo-nos para um momento de aumento significativo dos assaltos, roubos, furtos, latrocínios, etc. Mas parece que isso também já está sendo resolvido; teremos armas e resolveremos tudo na bala! Triste país.

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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

"E o juiz Moro prova agora que sempre foi um político"

O futuro ministro da justiça, o ex-juiz federal Sérgio Moro, ainda que demonstre desconforto quando alguém toca no assunto, durante muito tempo tem se apresentado como um político ou, na pior das hipóteses, e em termos filosóficos, como um cínico. Moro é daquelas figuras que agem de uma maneira e, sendo esta maneira criticada, por ser antiética, sempre têm uma justificativa que parece merecedora de compreensão popular, sendo que não deveria, pois o mesmo não acontece, por exemplo, com figuras que estão no lado oposto do espectro político em que se alocou o ex-juiz federal. 

Moro é daquele que faz algo ilegal e depois pede desculpas, recebendo a mesma - ou entendendo que a recebeu, visto que não tem havido cobrança forte em relação à sua figura -, muito por conta de ser uma figura contra a qual muitos têm evitado se colocar, já que seria como que confrontar o paladino da justiça brasileira e da luta contra a corrupção na nação, luta que tem, erroneamente, sido apresentada como inexistente antes da operação protagonizada pelo ex-juiz, o que nem de longe é verdade, visto que sempre tivemos muitas pessoas sérias e competentes nos órgãos de controle e vigilância no país, só que não pessoas tão midiáticas como tem se mostrado o futuro ministro da justiça.

Embora negue peremptoriamente, Sérgio Moro agiu como político em várias ocasiões nos últimos tempos, chegando ao posto de principal figura na Operação Lava Jato, grande responsável pelos resultados das eleições desse 2018, quando figuras com discursos anticorrupção e pela segurança pública, sobretudo policiais e membros das forças armadas, transformaram o Congresso Nacional em um espaço repleto de militares e defensores de atitudes belicistas e até contrárias aos direitos humanos, visto que muitos os tratam como "direitos dos manos", isto é, de bandidos, o que é uma falácia muitíssimo grave, pois atrela, "por tabela", a pobreza à criminalidade.  

Enquanto politico (ainda que estivesse ocupando o cargo de juiz federal, e não podendo em hipótese alguma ser parcial e agir politicamente), Moro desrespeitou a Constituição Federal, gravando ilegalmente a presidente da República, Dilma Rousseff, e ainda agravando tal postura ao entregar os áudios para serem divulgados em cadeia nacional no telejornal de maior audiência no país. Para piorar, ao ser confrontado pelo Supremo Tribunal Federal, como agindo politicamente e contra a Carta Magna da nação, o ex-juiz e futuro ministro da justiça afirmou que "apenas um dos ministros se manifestou contrariamente", afirmando ulteriormente que respeitava muitíssimo a Suprema Corte e que "não quis ofender ninguém". Não recebeu nada do Supremo que o fizesse justificado, mas, para um cínico, é como se isso já tivesse acontecido, pois "quem cala, consente", e o Supremo calou-se.

Para além disso, Moro liberou partes do depoimento do ex-ministro Antônio Palocci, do Partido dos Trabalhadores, sendo que o fez justamente na semana de decisão eleitoral, num ato que até a classe dos magistrados entendeu como flagrante interferência no processo eleitoral brasileiro, algo que jamais poderia ser feito por alguém que se pretende, e se deveria, imparcial. Ademais, Sérgio Moro, muito rapidamente após ter influenciado a eleição presidencial, e sem respeitar qualquer quarentena, aceitou ser ministro da justiça, sendo que, num ato de privilégio que os demais brasileiros não têm, saiu em férias - e de dois meses, mesmo tendo gozado férias muito recentemente -, no intuito de não perder as benesses de juiz federal enquanto não fosse oficializado como ministro de Estado. Tão logo percebeu que até a classe jurídica o tinha percebido como político, voltou atrás e pediu exoneração do cargo público, colocando-se oficialmente como político, função que nunca deixou de exercer enquanto chefe da operação que o catapultou à condição de ministro e, segundo já cogitam alguns, futuro presidente da República. 

Como um dos primeiros atos enquanto integrante da equipe de transição do novo governo, Sérgio Moro nomeou uma de suas mais fortes aliadas, a juíza Erika Marena, responsável pela acusação que levou ao suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier. Marena, que condenou o reitor sem conseguir provas, também não é dada à aceitação de críticas, já que, ao ser responsabilizada publicamente por levar Cancellier ao suicídio, resolveu processar aqueles que contra ela se colocaram, algo que só mesmo uma ditadura justifica, além, claro, do colega Sérgio Moro, que, ao comentar o caso, só disse que "o que aconteceu foi uma tragédia", mas que Marena "é competente e tem toda a sua confiança". Na mesma direção, ao comentar que teria como colega de equipe ministerial o deputado Onyx Lorenzoni, réu confesso na Operação Lava Jato, Sérgio Moro justificou que "o deputado já admitiu seus erros", o que parece ter concedido a Lorenzoni o indulto que muitos condenados - vários sem provas - não conseguiram, pois se trata de algo que o político Moro jamais permitiria, dado que se trata de seus mais fortes adversários políticos. Vida triste essa de termos, enquanto brasileiros, um Messias no topo e um cínico como puro instrumento de publicidade estatal.  

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