A situação no Haiti é, como se sabe há tempos, de fome, miséria e guerras internas constantes. O exército brasileiro, elogiado por toda a comunidade internacional, ajuda no processo de pacificação daquele país.
Ao pensar naquele pedaço de chão, também feito por Deus, um poeta da música brasileira comparou os dois povos, dizendo: "reze pelo Haiti, chore pelo Haiti; o Haiti é aqui, o Haiti não é aqui". Perturbadora e paradoxal, essa sentença.
Pensei, enquanto teólogo, sociólogo e pastor, e me aliviei deveras pelo fato de o Haiti não ser mesmo aqui. Porém, tive de me machucar muito mais fortemente do que se aqui fosse mesmo aquele país. Percebi que o Haiti pode até não ser aqui - mesmo com as licenças poéticas que pedem o contrário - mas o Pará, infelizmente, é. E, para dizer a verdade, e à luz dos últimos acontecimentos naquele estado brasileiro, seria melhor que o Haiti fosse aqui.
A adolescente L., de 15 anos, acusada de roubo, foi encarcerada numa cela com outros 25 homens durante 20 dias. Foi estuprada, queimada com cigarro, enquanto negou sexo, e teve seus cabelos cortados a facão "para se parecer com homem e não dar muitas chances para perceberem" (que havia uma mulher, ou melhor, uma criança, naquele local de horror). Durante todo esse tempo, a menina não recebeu comida. Se quisesse comer, tinha de se tornar escrava sexual dos detentos. Por que não recebia comida e quem são os responsáveis por isso são questões que lá não encontram respostas, embora cá possam ser facilmente respondidas.
Pela lei, L. não poderia ser presa, não poderia ser colocada em uma cela como aquela e não poderia deixar de ter alimento, mesmo que fosse em uma cela outra.
O caso poderia, num país sério, gerar prisão perpétua para os responsáveis, mas no Pará (e no Brasil como um todo, pois aconteceu o mesmo já em pelo menos outros 5 estados, segundo um relatório internacional pelos direitos da mulher), o fato não gerou mais do que a triste confirmação: "não é a primeira vez que acontece. Isso sempre aconteceu aqui na região" (palavras de testemunhas e da própria governadora do estado, Ana Carepa, do PT).
Fico, portanto, com a frase atribuída ao General De Gaulle, que diz que "o Brasil não é um país sério", pois sei que nada de relevante irá acontecer de fato à governadora, aos responsáveis pela prisão (embora estejam já naquela "afastadinha temporária") e aos "coronéis" da região.
A governadora prometeu, "energicamente", apurar o caso e se disse "envergonhada".
A pergunta que se faz é: Por que mesmo com quase todos os moradores da cidade sabendo da prisão da menina, não se ouviu o grito de denúncia da população? Segundo palavras ouvidas pela Folha de S. Paulo: "Medo de morrer. Aqui todo mundo tem medo", disse a tia de um dos presos transferidos. "Se a delegada põe uma menina na cela com os homens, e a juíza mantém ela lá, quem sou eu pra denunciar. Aliás, denunciar para quem?"
A delegada a que se refere a mulher é Flávia Verônica Pereira, responsável pela prisão em flagrante de L. A juíza é Clarice Maria de Andrade. A delegada já está "afastada" e a juíza está "sob investigação", ainda! Meu Deus, isso não pode dar em nada!
Pensei nesse caso essa semana e cogitei até a possibilidade de dar uma nova chance ao Jáder Barbalho. Afinal, perto de tudo isso até que ele me parecia um "santo paraense".
Mas não, não vou terminar o texto assim. O Jáder é a ratificação disso tudo, pois "manda no Pará". É canalha também. Hoje não tem perdão; não quero que aquele estado seja aqui. O Pará não é aqui. Ou é, mas como um protótipo do inferno. Com esse Pará eu quero Parar.
Perguntaram-me dia desses se, sendo um teólogo liberal, acredito no inferno. Sim, acredito. Vivo pertinho dele até. Quanto ao diabo, está mais distante, pois desconfio que seja o Bush. Tenho quase certeza. O demônio-mór, acho que é o Chaves (o venezuelano, não o outro), embora ele e o George W finjam brigar. Já o ministro das relações exteriores, é o Jáder. Só pode ser. Quanto a mim; eu deveria ter nascido pé de laranja.
liberdade, beleza e Graça...
Quem sou eu

- Cleinton
- Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
"O caminho de Emaús"
Poucos textos bíblicos são tão enigmáticos quanto o do Evangelho de Lucas, no capítulo 24. No texto que vai do versículo 13 ao 35, Lucas narra a volta de dois discípulos de Jesus para a cidade de Emaús, após terem vivenciado o martírio de seu mestre, em Jerusalém. Jesus havia morrido e uma sensação depressiva tomava conta de seus muitos discípulos e não apenas de seus doze apóstolos. Cada um fugiu como pôde da presença das autoridades que queriam incriminar a todos os que seguiram aquele que agora estava morto, por conta deste ter levantado tanta insurreição e contradição em Jerusalém e circunvizinhanças.
O enigma do texto está no fato de, após percorrerem uma parte do árido caminho, os dois discípulos não reconhecerem a pessoa que passara a lhes fazer companhia na triste viagem. Diz o texto que o próprio Jesus caminhava ao lado dos dois tristes amigos. Já ressuscitado, o mestre perguntava aos dois acerca do motivo da tristeza que lhes tomava. É mesmo de se duvidar que uma pessoa – no caso dessa narrativa, duas – não reconheça alguém com o qual compartilhou importantes momentos da vida durante três longos anos. Não é possível que se esqueça da voz, do jeito, do vocabulário, dos maneirismos, etc. Ainda assim, o texto diz que os dois não reconheceram Jesus naquele momento da árida caminhada. Fica mesmo difícil de crer em tal passagem à primeira lida. Todavia, e em primeiro lugar, cabe lembrar que eram discípulos, mas não eram dos apóstolos, que acompanharam Jesus o tempo todo. Portanto, não conheciam o mestre tão bem assim. É importante que se lembre também que, em momentos de depressão e decepção intensa, o que é desconhecido pode vir a ficar claro e o que é já há muito cotidiano pode passar a sofrer um grande estranhamento. Tem coisas que só a depressão explica. Quando não explica, é porque em estado depressivo não se pretende mesmo explicar nada. E, já que só ela, a depressão, poderia explicar, fica tudo sem explicação.
É importantíssimo que se saiba ainda que os dois discípulos estavam totalmente inteirados dos fatos que os cercavam, mas não entendiam nada acerca da angústia que lhes tomava o interior. Era como se Jesus fosse o único que de nada sabia.
Nos dias de hoje a coisa não está tão diferente; agimos como se o Senhor Jesus se tivesse tornado algo de totalmente obsoleto, de “tão desinformado" que parece estar. É como se o Verbo Divino não tivesse mais ciência do que se passa ao redor dos homens e mulheres pelos quais se propôs a morrer. Os indivíduos precisam "informá-lo dos fatos".
Aqueles dois discípulos sabiam de tudo. Tinham todas as últimas informações sobre a vida e a morte de uma pessoa conhecida deles. Mas não sabiam – ou não reconheciam – que aquele que a eles se dirigia – e que outrora estivera morto – era agora vivo e a própria fonte de toda vida; o único capaz de tirar-lhes daquele estado de profunda angústia.
Sabia-se e sabe-se de tudo, mas desconhece-se, ainda, o que o Senhor pode fazer, pois ele é uma resposta que não mais agrada a uma sociedade encantada por tudo o que aprendeu e sabe fazer e ter. E, quando a tese do sociólogo Max Weber fala acerca do desencantamento do mundo, muitos não sabem e nem querem mesmo saber do que se trata.
Na seqüência do texto, Jesus faz menção de ir embora, mas os dois o convidam a repousar na cidade deles, já que a hora avançara bem. Jesus aceita o convite e compartilha com eles do pão. É reconhecido neste instante, mas desaparece do meio dos dois, segundo o texto.
Comentando o estranho episódio, um deles diz: “por acaso não ardia o peito dentro em nós enquanto ele nos falava aquelas coisas?”.
Jesus pode até parecer fora de moda e obsoleto para uma sociedade que parece já ter tudo. Mas, quando ele fala com alguém – e ele sempre fala com aquele ou aquela que abre o coração para isso – uma sensação diferente toma conta do interior da pessoa. Ciência alguma explica isso. Eu também não. Nem tento.
liberdade, beleza e Graça...
O enigma do texto está no fato de, após percorrerem uma parte do árido caminho, os dois discípulos não reconhecerem a pessoa que passara a lhes fazer companhia na triste viagem. Diz o texto que o próprio Jesus caminhava ao lado dos dois tristes amigos. Já ressuscitado, o mestre perguntava aos dois acerca do motivo da tristeza que lhes tomava. É mesmo de se duvidar que uma pessoa – no caso dessa narrativa, duas – não reconheça alguém com o qual compartilhou importantes momentos da vida durante três longos anos. Não é possível que se esqueça da voz, do jeito, do vocabulário, dos maneirismos, etc. Ainda assim, o texto diz que os dois não reconheceram Jesus naquele momento da árida caminhada. Fica mesmo difícil de crer em tal passagem à primeira lida. Todavia, e em primeiro lugar, cabe lembrar que eram discípulos, mas não eram dos apóstolos, que acompanharam Jesus o tempo todo. Portanto, não conheciam o mestre tão bem assim. É importante que se lembre também que, em momentos de depressão e decepção intensa, o que é desconhecido pode vir a ficar claro e o que é já há muito cotidiano pode passar a sofrer um grande estranhamento. Tem coisas que só a depressão explica. Quando não explica, é porque em estado depressivo não se pretende mesmo explicar nada. E, já que só ela, a depressão, poderia explicar, fica tudo sem explicação.
É importantíssimo que se saiba ainda que os dois discípulos estavam totalmente inteirados dos fatos que os cercavam, mas não entendiam nada acerca da angústia que lhes tomava o interior. Era como se Jesus fosse o único que de nada sabia.
Nos dias de hoje a coisa não está tão diferente; agimos como se o Senhor Jesus se tivesse tornado algo de totalmente obsoleto, de “tão desinformado" que parece estar. É como se o Verbo Divino não tivesse mais ciência do que se passa ao redor dos homens e mulheres pelos quais se propôs a morrer. Os indivíduos precisam "informá-lo dos fatos".
Aqueles dois discípulos sabiam de tudo. Tinham todas as últimas informações sobre a vida e a morte de uma pessoa conhecida deles. Mas não sabiam – ou não reconheciam – que aquele que a eles se dirigia – e que outrora estivera morto – era agora vivo e a própria fonte de toda vida; o único capaz de tirar-lhes daquele estado de profunda angústia.
Sabia-se e sabe-se de tudo, mas desconhece-se, ainda, o que o Senhor pode fazer, pois ele é uma resposta que não mais agrada a uma sociedade encantada por tudo o que aprendeu e sabe fazer e ter. E, quando a tese do sociólogo Max Weber fala acerca do desencantamento do mundo, muitos não sabem e nem querem mesmo saber do que se trata.
Na seqüência do texto, Jesus faz menção de ir embora, mas os dois o convidam a repousar na cidade deles, já que a hora avançara bem. Jesus aceita o convite e compartilha com eles do pão. É reconhecido neste instante, mas desaparece do meio dos dois, segundo o texto.
Comentando o estranho episódio, um deles diz: “por acaso não ardia o peito dentro em nós enquanto ele nos falava aquelas coisas?”.
Jesus pode até parecer fora de moda e obsoleto para uma sociedade que parece já ter tudo. Mas, quando ele fala com alguém – e ele sempre fala com aquele ou aquela que abre o coração para isso – uma sensação diferente toma conta do interior da pessoa. Ciência alguma explica isso. Eu também não. Nem tento.
liberdade, beleza e Graça...
domingo, 7 de outubro de 2007
“O caso Renan e as retóricas reacionárias”
Poucos conseguem entender o fato de, depois de tudo o que aconteceu no país e no Senado Federal, Renan Calheiros continuar a sentar-se na cadeira de presidente de uma das mais importantes instituições desta República Federativa.
As declarações do senador chegam mesmo a assustar, uma vez que trazem à tona construtos como “foi uma vitória da democracia” ou “o povo brasileiro sabe que eu sou inocente”.
Uma boa teorização se faz necessária para que se consiga entender, pelo menos em parte, o indigesto "caso Renan". Uma boa possibilidade é lançar mão das idéias do sociólogo Albert Hirschman, com suas "retóricas reacionárias".
O caso Renan faz com que se tenha a absoluta certeza de que o Brasil é um país reacionário ao extremo. Hirschman, ao pensar as “retóricas” acima citadas, buscou entender porque a massa não reage quando existe extremada necessidade de tal acontecimento. Para defender sua tese, o autor apresenta o século XVIII como o século em que se buscou lutar pelos direitos civis; o século XIX como o momento da luta pelos direitos políticos e o século XX como aquele da busca pelos direitos sociais.
No afã de mudar o status quo que lhes oprimia, os grupos de reação aos governos autoritários dos três séculos estudados por Hirschman encontraram retóricas reacionárias que sempre intentaram dissuadi-los da luta por seus direitos.
À primeira das retóricas, usada quando dos momentos das lutas por direitos civis, no século XVIII, Albert Hirschman chama de “retórica da perversidade”. O grupo hegemônico, ao perceber que o povo está chegando perto de tirar-lhe os privilégios, lança mão de uma postura perversa, convencendo as massas de que “isso pode ter um efeito contrário e tudo ficar pior do que já está”. O povo, amedrontando-se frente ao novo, se cala.
O segundo efeito é o chamado de “retórica da futilidade” e foi muito visto no século XIX, quando das lutas por direitos políticos. Por esse pensar, os grupos que detêm o poder político lançam mão da construção “por que fazer tanto barulho, se não vai dar em nada?!”. As massas são convencidas de que sua revolta não vale tanto esforço e novamente se cala.
O terceiro efeito apresentado por Hirschman é o da “retórica da ameaça” e está muito presente nas lutas por direitos sociais no século XX. Pela lógica da ameaça, os hegemônicos ameaçam as massas afirmando que “lutar por seus direitos ameaçará até os poucos direitos já conquistados”. O povo, temendo perder até o básico do básico que tem, novamente se cala e não luta.
Pensar o país e o caso Renan à luz da teoria de Albert Hirschman tem, portanto, sua relevância, uma vez que as três retóricas parecem ser fantasmas assombrando o povo brasileiro. No caso da perversidade, vai que tirar o Renan tenha um efeito perverso e traga de volta o Jader Barbalho! Pensando-se no efeito da futilidade, que diferença faz ter ou não o Renan Calheiros no comando de uma casa na qual os brasileiros nem acreditam mais? E, finalmente, focando-se o efeito da ameaça, ficar pensando em Renan poderia estar "ameaçando nossa paz", tirando-nos o tempo e os finais de semana de descanso frente à tevê, vendo Faustãos, Gugus ou Campeonatos Brasileiros! Melhor, portanto, não perder tempo com isso. Assim, fica tudo como está; a elite se cansa e o povo descansa. E dá uma tristeza que o peito chega a ficar dorido.
liberdade, beleza e Graça...
As declarações do senador chegam mesmo a assustar, uma vez que trazem à tona construtos como “foi uma vitória da democracia” ou “o povo brasileiro sabe que eu sou inocente”.
Uma boa teorização se faz necessária para que se consiga entender, pelo menos em parte, o indigesto "caso Renan". Uma boa possibilidade é lançar mão das idéias do sociólogo Albert Hirschman, com suas "retóricas reacionárias".
O caso Renan faz com que se tenha a absoluta certeza de que o Brasil é um país reacionário ao extremo. Hirschman, ao pensar as “retóricas” acima citadas, buscou entender porque a massa não reage quando existe extremada necessidade de tal acontecimento. Para defender sua tese, o autor apresenta o século XVIII como o século em que se buscou lutar pelos direitos civis; o século XIX como o momento da luta pelos direitos políticos e o século XX como aquele da busca pelos direitos sociais.
No afã de mudar o status quo que lhes oprimia, os grupos de reação aos governos autoritários dos três séculos estudados por Hirschman encontraram retóricas reacionárias que sempre intentaram dissuadi-los da luta por seus direitos.
À primeira das retóricas, usada quando dos momentos das lutas por direitos civis, no século XVIII, Albert Hirschman chama de “retórica da perversidade”. O grupo hegemônico, ao perceber que o povo está chegando perto de tirar-lhe os privilégios, lança mão de uma postura perversa, convencendo as massas de que “isso pode ter um efeito contrário e tudo ficar pior do que já está”. O povo, amedrontando-se frente ao novo, se cala.
O segundo efeito é o chamado de “retórica da futilidade” e foi muito visto no século XIX, quando das lutas por direitos políticos. Por esse pensar, os grupos que detêm o poder político lançam mão da construção “por que fazer tanto barulho, se não vai dar em nada?!”. As massas são convencidas de que sua revolta não vale tanto esforço e novamente se cala.
O terceiro efeito apresentado por Hirschman é o da “retórica da ameaça” e está muito presente nas lutas por direitos sociais no século XX. Pela lógica da ameaça, os hegemônicos ameaçam as massas afirmando que “lutar por seus direitos ameaçará até os poucos direitos já conquistados”. O povo, temendo perder até o básico do básico que tem, novamente se cala e não luta.
Pensar o país e o caso Renan à luz da teoria de Albert Hirschman tem, portanto, sua relevância, uma vez que as três retóricas parecem ser fantasmas assombrando o povo brasileiro. No caso da perversidade, vai que tirar o Renan tenha um efeito perverso e traga de volta o Jader Barbalho! Pensando-se no efeito da futilidade, que diferença faz ter ou não o Renan Calheiros no comando de uma casa na qual os brasileiros nem acreditam mais? E, finalmente, focando-se o efeito da ameaça, ficar pensando em Renan poderia estar "ameaçando nossa paz", tirando-nos o tempo e os finais de semana de descanso frente à tevê, vendo Faustãos, Gugus ou Campeonatos Brasileiros! Melhor, portanto, não perder tempo com isso. Assim, fica tudo como está; a elite se cansa e o povo descansa. E dá uma tristeza que o peito chega a ficar dorido.
liberdade, beleza e Graça...
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
“Tropa de elite: osso duro de roer”
"Tropa de elite dois é dez! Eu falei dez reais, tropa de elite dois!!".
Parecia mentira. Ao ouvir os gritos entusiasmados dos ambulantes da Rua Uruguaiana, não era possível outra coisa a não ser duvidar do anúncio. Como poderia um filme que não foi nem lançado em circuito de cinema estar já na "versão dois" em um camelódromo do centro da cidade do Rio de Janeiro?
É sabido que a pirataria movimenta uma grande rede de relações e corrupções neste país, mas já terem lançado a "segunda versão", sem que nem mesmo a primeira tenha chegado aos cinemas, era demais.
Na verdade, não era uma outra versão, mas apenas a primeira – que já havia vazado para a indústria da pirataria – só que com algumas modificações, tendo em vista a dificuldade que o filme passou a enfrentar, já antes da estréia, por conta de imagens que, segundo Rogério Roca, advogado da polícia militar, "causam danos à corporação e enxovalham a PM, o BOPE e os policiais". E quando não for isso (os "piratas" têm muitas facetas), se tratará do documentário "Notícias de uma guerra particular" - também sobre o BOPE -, que é um outro material que tem também circulado como se fosse o "número dois" do filme ainda por lançar.
Como é possível perceber, a película de José Padilha (diretor também do estupendo Ônibus 174), antes mesmo de ser lançada, já dá motivos para que reflexões, as mais diversas, aconteçam e edifiquem. O material pode ceder espaço para que se pense acerca da pirataria, da censura, da violência urbana por parte dos traficantes e da polícia, etc.
Todavia, é ainda sobre outra questão que esta reflexão pretende se estabelecer. O filme traz como mote a discussão já muito abordada sobre o financiamento do tráfico. Quem seria, ao fim e ao cabo, o responsável pelo estrago que a droga faz nas cidades e nas famílias?
O filme de Padilha defende que a culpa é da classe média que, hipócrita nas suas "caminhadas pela paz", acaba por ser a grande consumidora das "sementes do mal", vendidas pelos traficantes que ocupam os morros e favelas dos grandes centros urbanos.
A classe média (representada por grandes levas de adolescentes e jovens que assistem à versão pirata do filme) se defende em debates pós-sessão, dizendo que "essa visão é reducionista demais, pois os grandes vilões não são os consumidores, mas os "criminalizadores" do consumo de uma erva natural, pois, não a liberando, ganham muito com o status quo vivido por todos hoje, tendo em vista o fato de serem os verdadeiros donos da droga e do poder".
Buscando ser o mais justo possível, ao entrar no debate, é sábio não criminalizar o usuário (nome menos ofensivo e mais aceito do que viciado), mas não há também como negar que é difícil falar sobre políticas públicas antiviolência com um grupo de futuros antropólogos, historiadores, literatos, internacionalistas, cientistas políticos e sociólogos que, de vez em quando, se desfaz para que uma parte possa "fumar unzinho".
É claro que tem "peixe grande" na história do tráfico de drogas e armas. Todo mundo diz isso.
Mas, infelizmente, ninguém consegue provar nada. Não se prende um político ou membro de ministério, que são os que muitos dizem que "participam mais fortemente do jogo". O que se pode provar, por enquanto, é que a classe média vive subindo o morro para deixar alguns reais e descer com uma quantidade de maconha e cocaína. Isso é fato. Nas universidades isso é cotidiano.
O que se pode provar é que a droga faz mal, sim, à saúde do usuário. Mesmo sendo uma erva natural, como no caso da cannabis sativa.
Todavia, e enquanto sociólogo, não há como fugir do debate sobre a descriminalização do uso de algumas drogas. Mas é importantíssimo que se admita que tal liberalização atenderá a uma parte bem pequena da população e, mais uma vez, será aquela interessada em si e no que pode e quer consumir. Claro que existem também interesses medicinais - e ainda outros mais - na utilização da cannabis, mas, admitamos, boa parte dos que clamam por isso só ganha existência quando dos momentos de pleitos eleitorais.
Mais um vez, terei de defender a tese que não quer calar; o brasileiro é extremamente conservador e, politicamente, de centro. Assim sendo, temas como aborto, união civil de homossexuais e a até aqui discutida liberalização das drogas terão de esperar a mudança do fato social para conseguirem se estabelecer. Até que isso aconteça, terão de se contentar com a denominação outsider.
No final das contas, então, o que se pode dizer é que todas as partes têm culpa; usuários, traficantes, polícia, governos, etc.
Acontece que várias dessas personagens estão fora do alcance de nossa "fome de mudança". Mas, a começar em nós, classe média universitária, bem que a coisa poderia começar a melhorar. Afinal, a gente só consegue mudar o mundo se conseguirmos mudar a nós mesmos. E não é tão difícil assim; é só parar de consumir, ganhando noção da rede cruel que o "unzinho" tem criado, ou fumar e cheirar menos, o que já ajuda bastante.
Agora, o que resolve mesmo o problema do Brasil é seguir a Elisa Lucinda, "só de sacanagem".
liberdade, beleza e Graça...
Parecia mentira. Ao ouvir os gritos entusiasmados dos ambulantes da Rua Uruguaiana, não era possível outra coisa a não ser duvidar do anúncio. Como poderia um filme que não foi nem lançado em circuito de cinema estar já na "versão dois" em um camelódromo do centro da cidade do Rio de Janeiro?
É sabido que a pirataria movimenta uma grande rede de relações e corrupções neste país, mas já terem lançado a "segunda versão", sem que nem mesmo a primeira tenha chegado aos cinemas, era demais.
Na verdade, não era uma outra versão, mas apenas a primeira – que já havia vazado para a indústria da pirataria – só que com algumas modificações, tendo em vista a dificuldade que o filme passou a enfrentar, já antes da estréia, por conta de imagens que, segundo Rogério Roca, advogado da polícia militar, "causam danos à corporação e enxovalham a PM, o BOPE e os policiais". E quando não for isso (os "piratas" têm muitas facetas), se tratará do documentário "Notícias de uma guerra particular" - também sobre o BOPE -, que é um outro material que tem também circulado como se fosse o "número dois" do filme ainda por lançar.
Como é possível perceber, a película de José Padilha (diretor também do estupendo Ônibus 174), antes mesmo de ser lançada, já dá motivos para que reflexões, as mais diversas, aconteçam e edifiquem. O material pode ceder espaço para que se pense acerca da pirataria, da censura, da violência urbana por parte dos traficantes e da polícia, etc.
Todavia, é ainda sobre outra questão que esta reflexão pretende se estabelecer. O filme traz como mote a discussão já muito abordada sobre o financiamento do tráfico. Quem seria, ao fim e ao cabo, o responsável pelo estrago que a droga faz nas cidades e nas famílias?
O filme de Padilha defende que a culpa é da classe média que, hipócrita nas suas "caminhadas pela paz", acaba por ser a grande consumidora das "sementes do mal", vendidas pelos traficantes que ocupam os morros e favelas dos grandes centros urbanos.
A classe média (representada por grandes levas de adolescentes e jovens que assistem à versão pirata do filme) se defende em debates pós-sessão, dizendo que "essa visão é reducionista demais, pois os grandes vilões não são os consumidores, mas os "criminalizadores" do consumo de uma erva natural, pois, não a liberando, ganham muito com o status quo vivido por todos hoje, tendo em vista o fato de serem os verdadeiros donos da droga e do poder".
Buscando ser o mais justo possível, ao entrar no debate, é sábio não criminalizar o usuário (nome menos ofensivo e mais aceito do que viciado), mas não há também como negar que é difícil falar sobre políticas públicas antiviolência com um grupo de futuros antropólogos, historiadores, literatos, internacionalistas, cientistas políticos e sociólogos que, de vez em quando, se desfaz para que uma parte possa "fumar unzinho".
É claro que tem "peixe grande" na história do tráfico de drogas e armas. Todo mundo diz isso.
Mas, infelizmente, ninguém consegue provar nada. Não se prende um político ou membro de ministério, que são os que muitos dizem que "participam mais fortemente do jogo". O que se pode provar, por enquanto, é que a classe média vive subindo o morro para deixar alguns reais e descer com uma quantidade de maconha e cocaína. Isso é fato. Nas universidades isso é cotidiano.
O que se pode provar é que a droga faz mal, sim, à saúde do usuário. Mesmo sendo uma erva natural, como no caso da cannabis sativa.
Todavia, e enquanto sociólogo, não há como fugir do debate sobre a descriminalização do uso de algumas drogas. Mas é importantíssimo que se admita que tal liberalização atenderá a uma parte bem pequena da população e, mais uma vez, será aquela interessada em si e no que pode e quer consumir. Claro que existem também interesses medicinais - e ainda outros mais - na utilização da cannabis, mas, admitamos, boa parte dos que clamam por isso só ganha existência quando dos momentos de pleitos eleitorais.
Mais um vez, terei de defender a tese que não quer calar; o brasileiro é extremamente conservador e, politicamente, de centro. Assim sendo, temas como aborto, união civil de homossexuais e a até aqui discutida liberalização das drogas terão de esperar a mudança do fato social para conseguirem se estabelecer. Até que isso aconteça, terão de se contentar com a denominação outsider.
No final das contas, então, o que se pode dizer é que todas as partes têm culpa; usuários, traficantes, polícia, governos, etc.
Acontece que várias dessas personagens estão fora do alcance de nossa "fome de mudança". Mas, a começar em nós, classe média universitária, bem que a coisa poderia começar a melhorar. Afinal, a gente só consegue mudar o mundo se conseguirmos mudar a nós mesmos. E não é tão difícil assim; é só parar de consumir, ganhando noção da rede cruel que o "unzinho" tem criado, ou fumar e cheirar menos, o que já ajuda bastante.
Agora, o que resolve mesmo o problema do Brasil é seguir a Elisa Lucinda, "só de sacanagem".
liberdade, beleza e Graça...
sábado, 25 de agosto de 2007
"Parapan ou pára Pan?"
Muito mais relevantes do que os Jogos Pan-americanos foram os Jogos Parapan-americanos. É óbvio que uma sentença como essa sempre terá o tradicional efeito do politicamente correto. Acontece que, ao contrário do que se possa pensar neste sentido, tal afirmativa não quer ser o discurso de um teólogo ou sociólogo “bonzinho”. Ao contrário, a máxima que abre esta reflexão tem outras justificativas.
Sobre o Pan e a sua catastrófica (des)organização e gestão, sobretudo no quesito finanças, outro texto – também neste espaço – foi já escrito. Porém, o Parapan deu motivos para uma nova análise da sociedade singular em que vivemos.
O Pan acabou e, logo no dia seguinte ao seu término, quatro ônibus foram queimados por um grupo de bandidos no Rio de Janeiro. Foi possível, portanto, sentir-se novamente “em casa”.
O sonho havia, de fato, acabado. Sonho em tese, claro, pois um amigo, fazendo uma “varredura” nos principais jornais das Américas, percebeu algo curioso; só notinhas de rodapé e nada além de poucas lembranças acerca de uma série de jogos que pareciam “estar movimentando o mundo inteiro”. Na verdade, as redes de tevê brasileiras nos fizeram crer que o mundo girava ao nosso redor. Mas o mundo nem sabia de nós. Ou sabia pouco. Bem pouco. Quase nada. Como quase sempre.
Os Jogos Parapan-americanos, de outro modo, conseguiram fazer por essa nação algo que o Pan ou os Jogos Olímpicos nunca conseguirão; mostrar mesmo quem somos nós.
Se ninguém de fora deu tanta importância para o primeiro grupo de jogos, que nos envolviam e nos faziam crer que éramos “o centro do universo”, o Parapan, por seu turno, mostrou uma nação completamente desinteressada. Os de dentro não estavam dando a mínima. Se se reclamou muito dos preços dos ingressos no Pan, não se poderia criticar o valor das entradas no segundo grupo de jogos. O Parapan era de graça, entrava quem quisesse. Mas quase ninguém quis. Ainda assim – e defendendo a tese dessa reflexão –, esses jogos contribuíram muito mais do que o próprio “Pan do Rio”.
O Parapan teve quebra de recordes, lições de vida, superações de toda sorte, e o primeiro lugar para o Brasil no quadro de medalhas. Já voltando ao Pan, é importante ressaltar que os índices técnicos de tais jogos não passariam – nas palavras do comentarista Milton Neves – de “uma oitava divisão dos Jogos Olímpicos”. Não se aproveita quase nada. Quase para ser gentil, claro.
Mas, verdade seja dita, o brasileiro se identificou em demasia com esses jogos e simplesmente ignorou o segundo grupo. Ninguém parece querer se identificar com um para-atleta. O que se viu no Pan foi a busca do “perfeito”. Corpos no maior e melhor estado de potência e beleza. É com isso que o brasileiro quer se parecer e se identificar.
Os Jogos Parapan-americanos, em contrapartida, mostraram um Brasil amputado, deficiente ou especial. Mas um Brasil que dá certo. Um Brasil vencedor; recordista.
Acontece que os patrocinadores simplesmente sumiram. Só o governo federal permaneceu no apoio. O público não quis ver e a cobertura das mais variadas mídias cedeu ao Parapan o que os jornais das Américas deram ao Pan; notas de rodapé. Ainda assim, esse é o Brasil que vence. O Brasil que reconhece suas limitações e se supera a cada nova dificuldade.
O Brasil do Pan é um país inchado. Um país inalcançável, idealizado, e longe demais da realidade do seu povo. Mas é também o país que o povo acha que é.
Sabido é, porém, que o verdadeiro Brasil – esse que vence – está amputado pelas mais variadas formas de corrupção em todas as esferas do poder. Está surdo para o clamor de uma massa de indigentes marginalizados e crianças prostituídas. E, para piorar, está cego e corcunda, pois não enxerga um palmo à frente do nariz e, quando enxerga, de tão torto só consegue ver o próprio umbigo. É preciso muito vigor para mudar esse triste estado de coisas, mas, ao que tudo indica, não haverá mudança alguma, pois o brasileiro “cansou”. Que tristeza.
liberdade, beleza e Graça...
Sobre o Pan e a sua catastrófica (des)organização e gestão, sobretudo no quesito finanças, outro texto – também neste espaço – foi já escrito. Porém, o Parapan deu motivos para uma nova análise da sociedade singular em que vivemos.
O Pan acabou e, logo no dia seguinte ao seu término, quatro ônibus foram queimados por um grupo de bandidos no Rio de Janeiro. Foi possível, portanto, sentir-se novamente “em casa”.
O sonho havia, de fato, acabado. Sonho em tese, claro, pois um amigo, fazendo uma “varredura” nos principais jornais das Américas, percebeu algo curioso; só notinhas de rodapé e nada além de poucas lembranças acerca de uma série de jogos que pareciam “estar movimentando o mundo inteiro”. Na verdade, as redes de tevê brasileiras nos fizeram crer que o mundo girava ao nosso redor. Mas o mundo nem sabia de nós. Ou sabia pouco. Bem pouco. Quase nada. Como quase sempre.
Os Jogos Parapan-americanos, de outro modo, conseguiram fazer por essa nação algo que o Pan ou os Jogos Olímpicos nunca conseguirão; mostrar mesmo quem somos nós.
Se ninguém de fora deu tanta importância para o primeiro grupo de jogos, que nos envolviam e nos faziam crer que éramos “o centro do universo”, o Parapan, por seu turno, mostrou uma nação completamente desinteressada. Os de dentro não estavam dando a mínima. Se se reclamou muito dos preços dos ingressos no Pan, não se poderia criticar o valor das entradas no segundo grupo de jogos. O Parapan era de graça, entrava quem quisesse. Mas quase ninguém quis. Ainda assim – e defendendo a tese dessa reflexão –, esses jogos contribuíram muito mais do que o próprio “Pan do Rio”.
O Parapan teve quebra de recordes, lições de vida, superações de toda sorte, e o primeiro lugar para o Brasil no quadro de medalhas. Já voltando ao Pan, é importante ressaltar que os índices técnicos de tais jogos não passariam – nas palavras do comentarista Milton Neves – de “uma oitava divisão dos Jogos Olímpicos”. Não se aproveita quase nada. Quase para ser gentil, claro.
Mas, verdade seja dita, o brasileiro se identificou em demasia com esses jogos e simplesmente ignorou o segundo grupo. Ninguém parece querer se identificar com um para-atleta. O que se viu no Pan foi a busca do “perfeito”. Corpos no maior e melhor estado de potência e beleza. É com isso que o brasileiro quer se parecer e se identificar.
Os Jogos Parapan-americanos, em contrapartida, mostraram um Brasil amputado, deficiente ou especial. Mas um Brasil que dá certo. Um Brasil vencedor; recordista.
Acontece que os patrocinadores simplesmente sumiram. Só o governo federal permaneceu no apoio. O público não quis ver e a cobertura das mais variadas mídias cedeu ao Parapan o que os jornais das Américas deram ao Pan; notas de rodapé. Ainda assim, esse é o Brasil que vence. O Brasil que reconhece suas limitações e se supera a cada nova dificuldade.
O Brasil do Pan é um país inchado. Um país inalcançável, idealizado, e longe demais da realidade do seu povo. Mas é também o país que o povo acha que é.
Sabido é, porém, que o verdadeiro Brasil – esse que vence – está amputado pelas mais variadas formas de corrupção em todas as esferas do poder. Está surdo para o clamor de uma massa de indigentes marginalizados e crianças prostituídas. E, para piorar, está cego e corcunda, pois não enxerga um palmo à frente do nariz e, quando enxerga, de tão torto só consegue ver o próprio umbigo. É preciso muito vigor para mudar esse triste estado de coisas, mas, ao que tudo indica, não haverá mudança alguma, pois o brasileiro “cansou”. Que tristeza.
liberdade, beleza e Graça...
terça-feira, 7 de agosto de 2007
"Da popularidade inabalável do presidente Lula"
A classe intelectual brasileira, sobretudo a de oposição ao governo, não entendeu nada. Depois de toda a situação de corrupção na política nacional, da falta de crescimento econômico e da grave crise aérea, que culminou no pior desastre aéreo da história do Brasil, a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue inabalável, segundo pesquisa do Instituto Datafolha, do jornal Folha de S. Paulo.
Não adiantaram propagandas contrárias, arroubos oratórios do Arnaldo Jabor e discursos de cunho ético e de toda sorte, pois o presidente, apesar de tudo, segue intacto. E parece que ninguém sabe; ninguém viu; ninguém consegue explicar os porquês. É bem verdade que uma resposta, por mais bem embasada que seja, será sempre insuficiente para a explicação de tal fenômeno. Todavia, é imprescindível que ao menos se tente buscar algumas razões. A Sociologia talvez consiga dar um caminho para o início de uma boa reflexão a respeito.
O problema do Brasil é a falta de conflito. Por mais radical que esta sentença pareça, à primeira vista, o pensamento marxista, ratificado pelo sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, tem grande relevância para explicar aquilo que o Jabor e a sua turma não entendem. O país não entra em conflito por nada. Disfarça seu racismo, seu clientelismo, seu coronelismo, seu elitismo e sua extremada desigualdade atrás de um discurso falso de “nação solidária e de iguais”. A elite grita de um lado e o povo de outro. Mas tudo a uma distância que impede o conflito, que seria o que, de fato, traria a tão sonhada mudança social – por incrível que pareça –, necessária a todas as classes.
O conflito aqui defendido nada tem a ver com uma apologia à guerra ou à violência. Trata-se, porém, de uma oportunidade de se falar a verdade. A mudança de dentro para fora da estrutura, apregoada por Marx e Florestan, não seria mais do que admitir que essa "solidariedade" com “aceitação total” do status quo nada tem de real, e que se vive, em verdade, um racismo, um individualismo e uma série de outros ismos extremamente violentos em um dos países mais desiguais do mundo.
Ao contrário do que se pensa, o conflito dessas classes – a elite brasileira e a população mais pobre – não faria mais do que expor duas visões de mundo completamente diferentes, mas carentes, ambas, de uma dialética que proporcionaria uma síntese que pudesse ser um meio termo do que as duas classes têm como solicitação. Mas o conflito é recusado. E a popularidade do presidente não se abala. E a classe "superior" continua a não entender nada.
Acontece que o que vigora em uma nação é a vontade de uma sociedade inteira. Uma sociedade composta de vontades variadas, mas com algumas similaridades. É lógico que o que é similar no rico e no pobre é algo que os dois têm, e nisso, todos são iguais.
Por mais que existam alguns cérebros destacados em uma nação, o que vigora, segundo o pensamento do sociólogo alemão Georg Simmel, é aquilo que todos têm em comum. Portanto, o que caracteriza uma nação e uma vontade popular – no caso, a escolha e a popularidade de um presidente – é algo que está em um nível que todos alcançam. Seria o chamado “nivelamento por baixo”.
Partindo-se do pressuposto de que a elite não se (in)dignaria a “baixar o nível”, o conflito é evitado e fica tudo como está; sem conflito e sem mudanças, uma vez que essas só viriam com o confronto de idéias e com a renúncia de parte a parte. Mas, no nível em que isso poderia ocorrer só uma parte deseja estar.
Lula está onde está e como está por conta de uma vontade que transcende o pensamento intelectual de uma minoria. Para que de lá saia ou caia é preciso que um grito consensual aconteça. Mas o consenso, seguindo-se a tese dessa reflexão, está em um nível freqüentado apenas por uma parte. A maior parte, claro, mas, ainda assim, apenas uma parte.
Sem que a elite “baixe o nível” e faça uníssono com a classe “inferior”, abrindo espaço para o conflito benéfico e gerador de novas idéias, não haverá a tão esperada mudança da cosmovisão nacional e o barbudo do Planalto, feliz ou infelizmente, continuará inabalável e imbatível. E pouco adiantará a elite dizer "cansei". Coisas do Brasil.
liberdade, beleza e Graça...
Não adiantaram propagandas contrárias, arroubos oratórios do Arnaldo Jabor e discursos de cunho ético e de toda sorte, pois o presidente, apesar de tudo, segue intacto. E parece que ninguém sabe; ninguém viu; ninguém consegue explicar os porquês. É bem verdade que uma resposta, por mais bem embasada que seja, será sempre insuficiente para a explicação de tal fenômeno. Todavia, é imprescindível que ao menos se tente buscar algumas razões. A Sociologia talvez consiga dar um caminho para o início de uma boa reflexão a respeito.
O problema do Brasil é a falta de conflito. Por mais radical que esta sentença pareça, à primeira vista, o pensamento marxista, ratificado pelo sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, tem grande relevância para explicar aquilo que o Jabor e a sua turma não entendem. O país não entra em conflito por nada. Disfarça seu racismo, seu clientelismo, seu coronelismo, seu elitismo e sua extremada desigualdade atrás de um discurso falso de “nação solidária e de iguais”. A elite grita de um lado e o povo de outro. Mas tudo a uma distância que impede o conflito, que seria o que, de fato, traria a tão sonhada mudança social – por incrível que pareça –, necessária a todas as classes.
O conflito aqui defendido nada tem a ver com uma apologia à guerra ou à violência. Trata-se, porém, de uma oportunidade de se falar a verdade. A mudança de dentro para fora da estrutura, apregoada por Marx e Florestan, não seria mais do que admitir que essa "solidariedade" com “aceitação total” do status quo nada tem de real, e que se vive, em verdade, um racismo, um individualismo e uma série de outros ismos extremamente violentos em um dos países mais desiguais do mundo.
Ao contrário do que se pensa, o conflito dessas classes – a elite brasileira e a população mais pobre – não faria mais do que expor duas visões de mundo completamente diferentes, mas carentes, ambas, de uma dialética que proporcionaria uma síntese que pudesse ser um meio termo do que as duas classes têm como solicitação. Mas o conflito é recusado. E a popularidade do presidente não se abala. E a classe "superior" continua a não entender nada.
Acontece que o que vigora em uma nação é a vontade de uma sociedade inteira. Uma sociedade composta de vontades variadas, mas com algumas similaridades. É lógico que o que é similar no rico e no pobre é algo que os dois têm, e nisso, todos são iguais.
Por mais que existam alguns cérebros destacados em uma nação, o que vigora, segundo o pensamento do sociólogo alemão Georg Simmel, é aquilo que todos têm em comum. Portanto, o que caracteriza uma nação e uma vontade popular – no caso, a escolha e a popularidade de um presidente – é algo que está em um nível que todos alcançam. Seria o chamado “nivelamento por baixo”.
Partindo-se do pressuposto de que a elite não se (in)dignaria a “baixar o nível”, o conflito é evitado e fica tudo como está; sem conflito e sem mudanças, uma vez que essas só viriam com o confronto de idéias e com a renúncia de parte a parte. Mas, no nível em que isso poderia ocorrer só uma parte deseja estar.
Lula está onde está e como está por conta de uma vontade que transcende o pensamento intelectual de uma minoria. Para que de lá saia ou caia é preciso que um grito consensual aconteça. Mas o consenso, seguindo-se a tese dessa reflexão, está em um nível freqüentado apenas por uma parte. A maior parte, claro, mas, ainda assim, apenas uma parte.
Sem que a elite “baixe o nível” e faça uníssono com a classe “inferior”, abrindo espaço para o conflito benéfico e gerador de novas idéias, não haverá a tão esperada mudança da cosmovisão nacional e o barbudo do Planalto, feliz ou infelizmente, continuará inabalável e imbatível. E pouco adiantará a elite dizer "cansei". Coisas do Brasil.
liberdade, beleza e Graça...
sexta-feira, 27 de julho de 2007
"Do direito e da coragem de ser"
Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei nº 5.003, de 2001, da deputada federal Iara Bernardi (PT-SP), que "determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas". É o conhecido projeto contra a homofobia.
Como justificativa, o projeto defende que "a orientação sexual é direito personalíssimo, atributo inerente e inegável à pessoa humana. E como direito fundamental, surge o prolongamento dos direitos da personalidade, como direitos imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e igualitária. Não trata-se aqui de defender o que é certo ou errado. Trata-se de respeitar as diferenças e assegurar a todos o direito de cidadania.Temos como responsabilidade a elaboração de leis que levem em conta a diversidade da população brasileira. Nossa principal função como parlamentares é assegurar direitos, independentemente de nossas escolhas ou valores pessoais. Temos que discutir e assegurar direitos humanos sem hierarquizá-los. Homens, mulheres, portadores de deficiência, homossexuais, negros/negras, crianças e adolescente são sujeitos sociais, portanto sujeitos de direitos".
É fundamental, para o enriquecimento do debate, que se volte um tanto no tempo para que, chegando-se à Revolução Francesa, se consiga acessar a tentativa de aplicação do tripé do pensar dos filósofos da política, chamados de contratualistas.
Pensadores como Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau contribuíram em demasia para a instauração do sonho revolucionário da liberdade, igualdade e fraternidade.
A fraternidade, sabido é, é o mais distante dos sonhos, sobretudo em uma sociedade individualista, desigual e corrupta como a brasileira. Ser fraterno, na verdade, tornou-se um expediente obsoleto; tornou-se notícia de jornal ou é coisa para apenas uma semana no ano; a semana da Campanha da Fraternidade, da CNBB.
É melhor, portanto, que esse texto fique atrelado apenas à controvérsia entre liberdade e igualdade, já que é disso que, em última análise, se trata o tal projeto de lei, tema da discussão que se pretende estabelecer aqui.
Muito grande é a discussão em Ciência Política sobre até onde a igualdade interfere na questão da liberdade dos indivíduos. Sempre foi uma grande preocupação dos “amantes da democracia” a forma como a igualdade nos países comunistas, como Cuba, por exemplo, acaba por cercear a liberdade individual. Não se poderia ter e ser o que se quer, pois é preciso que todos sejam iguais, tendo direitos iguais.
O projeto de Iara Bernardi, portanto, lança forte luz sobre uma discussão que parecia “sem importância”, mas que é fundamental para que se pense a formação da sociedade brasileira.
É legítima a defesa de direitos iguais para todos. Todavia, é imprescindível que a igualdade de direitos não afete a liberdade de pensamento e escolha.
A liberdade dos gays, lésbicas, trans e pans sexuais não pode, em hipótese alguma, cercear o direito das pessoas que pensam de forma diferente e que gostariam de ter a liberdade de continuar a pregar o que a Bíblia diz, por exemplo, no particular dos evangélicos, grandes “vilões” na história que se estabeleceu desde a criação do projeto de lei da deputada petista.
O tema é delicado demais, mas, à luz dos dizeres de um desses movimentos gays, o argumento de que "até algum tempo atrás, para encontrar amigos e namorar sem serem molestados, gays e lésbicas confinavam-se em um trecho de praia ou em pequenos bares, saunas ou cinemas localizados nos centros das grandes cidades brasileiras. Tais lugares sempre funcionaram para os homossexuais como espaços de proteção contra a homofobia", mostra que o que se pretende é o direito da manifestação pública da opção sexual.
É importantíssimo que se diga que o que impede a manifestação de amor de pessoas de tais movimentos não é uma lei qualquer, mas uma coercitividade de mais um fato social. Na verdade, em alguns locais, como o bairro de Ipanema, por exemplo, tal fato social não tem esse poder de coerção, uma vez que, por lá, o fato já é outro.
O melhor, portanto - e na opinião particular deste autor, claro -, é esperar que o tempo traga a mudança do fato social que tem impedido tais manifestações, pois, se a “barra for forçada” antes que a sociedade absorva o novo fato - que logo virá, é óbvio -, um grande retrocesso se dará em uma sociedade que não é a melhor do mundo, mas tem conseguido absorver, aos poucos, as suas grandes diferenças.
Lembrando, é claro, que, uma vez que a busca é pela manifestação pública de um pensamento diferente, é bom que se comece a pensar no “direito de manifestação pública” também dos nazistas, racistas e outros que, pensando de formas bastante diferentes, têm também - seguindo-se a lógica do pensamento apresentado até aqui - o direito de ser e de se manifestar.
liberdade, beleza e Graça...
Como justificativa, o projeto defende que "a orientação sexual é direito personalíssimo, atributo inerente e inegável à pessoa humana. E como direito fundamental, surge o prolongamento dos direitos da personalidade, como direitos imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e igualitária. Não trata-se aqui de defender o que é certo ou errado. Trata-se de respeitar as diferenças e assegurar a todos o direito de cidadania.Temos como responsabilidade a elaboração de leis que levem em conta a diversidade da população brasileira. Nossa principal função como parlamentares é assegurar direitos, independentemente de nossas escolhas ou valores pessoais. Temos que discutir e assegurar direitos humanos sem hierarquizá-los. Homens, mulheres, portadores de deficiência, homossexuais, negros/negras, crianças e adolescente são sujeitos sociais, portanto sujeitos de direitos".
É fundamental, para o enriquecimento do debate, que se volte um tanto no tempo para que, chegando-se à Revolução Francesa, se consiga acessar a tentativa de aplicação do tripé do pensar dos filósofos da política, chamados de contratualistas.
Pensadores como Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau contribuíram em demasia para a instauração do sonho revolucionário da liberdade, igualdade e fraternidade.
A fraternidade, sabido é, é o mais distante dos sonhos, sobretudo em uma sociedade individualista, desigual e corrupta como a brasileira. Ser fraterno, na verdade, tornou-se um expediente obsoleto; tornou-se notícia de jornal ou é coisa para apenas uma semana no ano; a semana da Campanha da Fraternidade, da CNBB.
É melhor, portanto, que esse texto fique atrelado apenas à controvérsia entre liberdade e igualdade, já que é disso que, em última análise, se trata o tal projeto de lei, tema da discussão que se pretende estabelecer aqui.
Muito grande é a discussão em Ciência Política sobre até onde a igualdade interfere na questão da liberdade dos indivíduos. Sempre foi uma grande preocupação dos “amantes da democracia” a forma como a igualdade nos países comunistas, como Cuba, por exemplo, acaba por cercear a liberdade individual. Não se poderia ter e ser o que se quer, pois é preciso que todos sejam iguais, tendo direitos iguais.
O projeto de Iara Bernardi, portanto, lança forte luz sobre uma discussão que parecia “sem importância”, mas que é fundamental para que se pense a formação da sociedade brasileira.
É legítima a defesa de direitos iguais para todos. Todavia, é imprescindível que a igualdade de direitos não afete a liberdade de pensamento e escolha.
A liberdade dos gays, lésbicas, trans e pans sexuais não pode, em hipótese alguma, cercear o direito das pessoas que pensam de forma diferente e que gostariam de ter a liberdade de continuar a pregar o que a Bíblia diz, por exemplo, no particular dos evangélicos, grandes “vilões” na história que se estabeleceu desde a criação do projeto de lei da deputada petista.
O tema é delicado demais, mas, à luz dos dizeres de um desses movimentos gays, o argumento de que "até algum tempo atrás, para encontrar amigos e namorar sem serem molestados, gays e lésbicas confinavam-se em um trecho de praia ou em pequenos bares, saunas ou cinemas localizados nos centros das grandes cidades brasileiras. Tais lugares sempre funcionaram para os homossexuais como espaços de proteção contra a homofobia", mostra que o que se pretende é o direito da manifestação pública da opção sexual.
É importantíssimo que se diga que o que impede a manifestação de amor de pessoas de tais movimentos não é uma lei qualquer, mas uma coercitividade de mais um fato social. Na verdade, em alguns locais, como o bairro de Ipanema, por exemplo, tal fato social não tem esse poder de coerção, uma vez que, por lá, o fato já é outro.
O melhor, portanto - e na opinião particular deste autor, claro -, é esperar que o tempo traga a mudança do fato social que tem impedido tais manifestações, pois, se a “barra for forçada” antes que a sociedade absorva o novo fato - que logo virá, é óbvio -, um grande retrocesso se dará em uma sociedade que não é a melhor do mundo, mas tem conseguido absorver, aos poucos, as suas grandes diferenças.
Lembrando, é claro, que, uma vez que a busca é pela manifestação pública de um pensamento diferente, é bom que se comece a pensar no “direito de manifestação pública” também dos nazistas, racistas e outros que, pensando de formas bastante diferentes, têm também - seguindo-se a lógica do pensamento apresentado até aqui - o direito de ser e de se manifestar.
liberdade, beleza e Graça...
Assinar:
Postagens (Atom)