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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

"Um bom professor vale um mundo inteiro"

Se decidíssemos escolher a profissão mais importante que existe, com certeza escolheríamos aquela que é responsável por formar todas as demais profissões. Deste modo, o professor estaria no topo de uma hierarquia de importância profissional e acadêmica e não se falaria mais nisso. Seguindo essa possibilidade, uma pesquisa feita com a população dos países mais desenvolvidos do mundo chegou à conclusão de que o profissional mais importante de uma nação é mesmo o professor, por razões como a apresentada acima.
Embora possamos concordar com isso e embora possamos mesmo ouvir nas ruas do Brasil e do mundo que o professor é o profissional mais importante de uma nação, visto que é pela educação que se faz uma potência, como aconteceu com a Coréia do Sul, tal profissão cai cada vez mais no descrédito, e cada vez mais é tida como menor por aqui, já que os governos insistem em não enxergar o óbvio.
Contudo, numa sociedade globalmente monetarizada e capitalista, onde o que conta é apenas a força da grana que ergue e destrói coisas belas, como diria o poeta, é extremamente interessante notar que já é possível falar-se em lucro ou prejuízo econômico - e em milhões de dólares - para aqueles que têm ou não a sorte de encontrar um excelente professor.
Pesquisadores estadunidenses e europeus acabam de divulgar uma pesquisa - que durou 20 anos - onde o impacto de se encontrar um bom ou um mau professor foi mensurado em números, ou melhor, em dólares. Sim, agora, ao invés de ficar apenas na memória dos alunos, como um bom ou um mau professor, tal profissional pode ser responsabilizado, também economicamente, pela construção - ou pela destruição - de uma história de vida.
A pesquisa mostrou que uma sala que convive com um professor ruim tem uma perda de mais de 2,5 milhões de dólares, visto que deixa de ganhá-los por pura falta de preparo escolar. Na outra ponta, os alunos de uma sala geram na vida um ganho a mais de 4,5 milhões de dólares, apenas porque tiveram um bom professor, tendo a oportunidade de aproveitar cada centavo que a boa formação lhes proporcionou. Importante é ressaltar que tal pesquisa foi feita na educação de base, e não nas universidades, como sempre foi de costume. Sim, estamos falando de educação de ensino fundamental e médio!
Um colega, professor universitário, sugeriu que colocássemos o salário dos professores da base no patamar de 5 mil reais mensais. Segundo ele, os profissionais se sentiriam valorizados e preparariam melhor as aulas, dando-as com prazer e dedicação, já que se sentiriam plenos do reconhecimento social que todo profissional busca e precisa ter.
No entanto, o mesmo colega defendeu que isso não daria certo, pois as outras profissões reclamariam o mesmo aumento e reconhecimento, o que, sabemos, não poderia ser feito para todos. Mas, ainda insistindo, se não dá para fazer para todos, não poderíamos fazer ao menos para a profissão que forma a todos? É algo que poderia ser pensado, mas é sabido que isso empacaria em trâmites burocráticos que remeteriam à Constituição Federal.
Ao fim e ao cabo, nosso "justo judiciário" barraria tal decisão, justificando sua ação pela inconstitucionalidade do ato, já que todos são iguais perante a lei, exceto os que julgam tal lei. Afinal, salários de 600 mil reais mensais para desembargadores e outros membros do judiciário, PODE!

liberdade, beleza e Graça...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

"Paralelos teológicos"

A carta do apóstolo São Paulo aos romanos é, segundo a maioria dos especialistas, o material teológico mais rico do Novo Testamento. É mesmo bastante difícil recusar tal afirmativa, pois o material contido nesta rica epístola é de uma profundidade teológica de fazer calar qualquer teólogo, ou leigo, chegando um doutor em Teologia da PUC-Rio a afirmar que "se Gálatas é o mestrado de Paulo, Romanos, com toda certeza, é o seu doutorado".
Os temas da epístola são riquíssimos e um deles salta aos olhos, já que é forte base para o pensamento cristão; a justificação pela fé, tema que perpassa alguns dos primeiros capítulos. O mais curioso é quando tal tema da justificação foca o tão falado pecado. Ao citar tal conceito, o apóstolo Paulo faz questão de submetê-lo à graça divina, conceito ainda mais difícil de se compreender. Seguindo tal linha de pensar, nosso texto pretende lançar luz sobre alguns versos que fecham o capítulo quinto e abrem o sexto.
Lei, pecado e graça dividem espaço neste pequeno trecho da epístola, onde se encontra o seguinte material: "Sobreveio a lei para que abundasse o pecado. Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. Assim como o pecado reinou para a morte, assim também a graça reinaria pela justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. Então que diremos? Permaneceremos no pecado, para que haja abundância da graça? De modo algum. Nós, que já morremos ao pecado, como poderíamos ainda viver nele?".
Tal texto é extremamente curioso, pois, não sendo bem lido, dá margens para uma quantidade imensa de interpretações precipitadas, sendo a principal delas a que mostra o pecado como fomentador do recebimento da graça. Assim pensando, quanto mais peco, mais recebo graça e, portanto, mais sou abençoado! É uma possibilidade de leitura, sim, mas é necessário não se apressar na hermenêutica, uma vez que o texto entraria em contradição consigo mesmo, se tal leitura ipsis litteris fosse levada a cabo.
O que prova o que defendemos é o "de modo nenhum" que aparece no final. Assim, é necessário buscar o princípio explicativo para uma atitude de pecar que, quanto mais abundante, mais graça traz ao indivíduo pecador. Nossa proposta, então, não para em Paulo, mas lança mão de contribuição ulterior, nas letras de Santo Agostinho de Hipona.
É de Agostinho, entendemos, a conceituação de pecado que mais "ajuda" Paulo na sua construção teológica. Deste modo, ao conceituar pecado como "um erro do alvo", Agostinho contribui de forma singular para a compreensão do trecho de Romanos que nos é foco de reflexão aqui. Sendo o "errar do alvo", o pecado teria, sim, como ser fomentador do derramamento de mais graça, pois esta seria derramada para o "ajuste da direção da flecha". Deste modo, quando mais erro o alvo, mais a graça divina é derramada, no intuito de que "a mira" do pecador seja mais "afinada", fazendo-o errar cada vez menos.
Ao invés de ser fomentador daquilo que Dietrich Bonhoeffer chama de "graça barata", o pensamento de Paulo seria não um "libera-geral" para boa parte dos cristãos, ávidos por permanecer numa velha natureza distanciada do re-ligare, mas reflexo de um gesto afável de um Deus que conhece os dramas de um ser humano que busca fazer o certo, acertando o alvo, mas que, limitado em si mesmo, não enxerga um palmo à frente do nariz e nem sabe aonde o alvo estabeleceu morada.

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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"O ateísmo, sem a religião, não sobrevive"

O filósofo suíço Alain de Botton está no Brasil para lançar a sua curiosa e mais recente obra Religião para ateus. Abordando temas como amizade, inveja, desejo e arte, Botton traz como sua contribuição mais interessante a atitude de sempre buscar demonstrar como os ensinamentos de filósofos como Platão, Montaigne, Nietzsche, Schopenhauer, Sêneca e Sócrates podem nos ajudar a enfrentar as aflições do dia-a-dia no mundo moderno.
Com tal postura, o autor entende que será possível construir um arcabouço literário que tenha o poder de substituir os textos aceitos como sagrados, destronando a religião e sugerindo autores que teriam o poder de fazer o mesmo que faz a religião, só que num ambiente laico.
Posicionando-se como ateu, o filósofo divide as pessoas em dois grupos: "aqueles que acreditam num conjunto de doutrinas e entram para uma comunidade religiosa, e aqueles que, com a ajuda da CNN e do Wal Mart, tentam dar conta de uma vida própria espiritualmente vazia". (Repito: CNN, Wal Mart, vazia).
A postura de Botton em relação à religião foge à regra geral de muitos intelectuais ateus, uma vez que este filósofo entende que as contribuições das religiões não podem deixar de fazer parte da visão de mundo de todos os povos. Neste sentido, o autor defende que é possível ser ateu e mesmo assim admirar a música sacra, os rituais religiosos e as catedrais que ocupam as milhares de cidades em todo o mundo.
Sugerindo a obra de Shakespeare ao invés do Evangelho, Alain de Botton defende que é possível encontrar-se uma maneira laica de ensinar as pessoas a viver, uma vez que a religião consegue fazer isso muito bem, já que se utiliza de uma ferramenta extremamente eficaz para a fomentação de ideias, que é a repetição.
Assumindo que a religião é muito mais objetiva na educação das pessoas, Botton entende que seria preciso que a universidade fizesse o mesmo que as comunidades religiosas, assumindo o papel de educar para a vida, já que "a doença moderna da solidão clama por uma saída laica inspirada nas instituições religiosas".
Botton não é inédito ao dizer que "o problema não é a ausência de liberdade, mas o excesso dela", mas contribui de forma inovadora ao contrariar a tese weberiana que defende a religião como fonte privilegiada de sentido para a vida, pois Alain de Botton entende que, inspiradas nas organizações religiosas, muitas instituições laicas, chamadas "Escolas da vida", poderão ensinar as pessoas a viver, devolvendo o tal sentido que a chamada racionalização da vida colocou em crise, segundo a tese de Max Weber.
Inspirado nas muitas doutrinas de religiosos, Botton propõe que o ser humano moderno precisa abrir mão de parte do excesso de liberdade que tem, buscando assim "algo que possa ser bom para o seu viver". Para muitos que achavam que a religião morreria com a intelectualização do mundo, está aí mais um genial filósofo, de apenas 41 anos, a inspirar os ateus a afirmarem categoricamente: "Sou ateu, sim, graças a Deus!".

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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"A adoção, a decepção e a morte"

A morte de Steve Jobs, há poucos dias, conseguiu mostrar a maneira como se está construindo - e bem mal, diga-se - notícias nos dias atuais. Foi notória a tentativa de fazer com que Jobs se tornasse em algo que ele, definitivamente, não foi e não é. O fundador da segunda empresa privada mais lucrativa do mundo não é um deus, bem como não tem a relevância que a grande mídia insistiu em tentar criar. Diga-se de passagem - e com todo o respeito à genialidade de Jobs - o dono da Apple, para a grande maioria das pessoas do mundo, tinha quase nada da tal relevância acriticamente criada, já que a maioria das pessoas não sonha, descabeladamente, em ter algum produto da Apple para se sentir fazendo parte do mundo, uma vez que a luta é ainda pelos bens mais básicos para a sobrevivência. À frente da mega loja da Apple em Nova York, no dia seguinte à morte do genial Jobs, apenas jornalistas; o povo, "curiosamente", tinha bem mais o que fazer.
Se o jornalismo que temos hoje está cada vez menos comprometido com os fatos e com a verdade, e muito mais comprometido em criar factoides engendrados por grandes corporações de mídia, ao menos podemos usar o evento da perda de Steve Jobs para crescer com algo do seu legado que supera, e em muito, os seus excelentes ipod´s, iphone´s e ipad´s. O grande legado de Jobs foram os três principais marcos de sua vida e a forma como ele os encarou, ainda que, por vezes, involuntariamente.
Rejeitado por uma mãe jovem, que não tinha condições de criá-lo, Steve Jobs foi adotado por uma família que também não tinha a condição material para criar um menino com dignidade, embora tivesse carinho de sobra. A adoção, que chegou quase a ser desfeita, por conta de a mãe biológica ter descoberto que os pais adotivos também não tinham recursos para levar o menino à universidade, acabou por ser a primeira das melhores coisas que aconteceram na vida de Jobs.
Com todo o esforço da nova família, o menino chegou ao ensino superior, mas, como o mesmo onerava demais o orçamento da casa, o jovem decidiu que não era justo que sua família gastasse as economias de toda uma vida para que ele se formasse. Abandonando a graduação, mas frequentando ainda por uns tempos algumas matérias que realmente lhe interessavam, Jobs alcançou a genialidade que nenhum banco escolar pode dar, uma vez que surge da alma que tem fome de conhecer e não tem medo de ser chamada de boba e até de rir de si mesma.
Se a adoção, ao fim e ao cabo, teve um peso positivo, a grande decepção teve ainda um efeito mais benéfico. Após construir uma empresa que faturava bilhões, Steve Jobs, que não tinha uma personalidade das mais brandas, diga-se, entrou em conflito com alguns acionistas e, pasmem, foi demitido da própria empresa que criou! Se tal decepção tinha força para deprimir qualquer pessoa - e inicialmente o fez a Jobs -, tinha também potência para aguçar ainda mais a fome pelo desconhecido e pela inovação. O dono demitido criou outras empresas, que, compradas ulteriormente pela própria Apple, o colocaram de volta no lugar que lhe era de direito, fazendo com que uma organização que, sem ele, esteve à beira da falência voltasse a figurar na lista das mais lucrativas do mundo.
Abandonos e decepções acontecem o tempo todo em nossas vidas. Já a morte, acontece uma só vez, democratizando e igualando a todos, sem qualquer possibilidade de "jeitinho". Se Steve Jobs conseguiu, como poucos, aproveitar o abandono e a decepção, a morte o fez impotente - tal como o faz a todos -, ainda que bilhões de dólares estivessem ao seu alcance.
Sim, fica o legado da força de vontade e da persistência de um ser humano que revolucionou a forma como as pessoas se comunicam. Todavia, fica também a lição que todos devemos aprender: a vida é frágil demais e Steve Jobs não é deus. Deus não morre.

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

"Desconstruindo Fukuyama"

Francis Fukuyama é um ideólogo nipo-estadunidense que, no final do século XX, trouxe à tona uma ideia hegeliana de "fim da história". Tal tese defendia que quando a humanidade atingisse um perfeito equilíbrio, sem os antagonismos que sempre a caracterizaram, a história chegaria ao fim. Tal caminho seria alcançado com o pleno desenvolvimento do liberalismo e da igualdade jurídica e, já que a história era vista, em muitas teorias, como resultado dos antagonismos existentes entre as nações, o triunfo do capitalismo sobre o socialismo faria cessar a força de tal motor da história, que é como é chamado tal processo.
O ponto culminante para a ratificação da tese seria, segundo Fukuyama, a queda do muro de Berlim, em 1989, pois, segundo tal autor - e vários que o acompanharam na época -, a queda do muro simbolizava, também, a impossibilidade de uma alternativa ao capitalismo de mercado, coroando, com isso, a chamada democracia burguesa.
Mais de vinte anos se passaram e a queda do muro, ao invés de ter simbolizado o tal equilíbrio proposto pela tese hegeliana, lida também em Fukuyama, trouxe uma espécie de orfandade; uma sensação de que se está mesmo numa "jaula de ferro" e que não se pode mais escolher algo a se pensar ou fazer, já que não existe a possibilidade de escolha num sistema de caminho único. Ao contrário do equilíbrio prometido, poucas vezes na história da humanidade o mundo esteve tão desequilibrado e tão carente de uma alternativa que nos permita respirar.
Para confrontar apenas uma das teses do neoliberalismo, vivenciando e analisando a ideia de "estado mínimo", pudemos perceber que, na hora em que o mercado "confessou" sua ineficiência na resolução das crises que ele mesmo criou, o estado precisou ser "máximo", já que teve - e tem ainda - de se contorcer de todas as maneiras para conseguir salvar bancos, agências de crédito e grandes corporações capitalistas.
Embora muitos confundam socialismo com autoritarismo - tendo em vista os equívocos cometidos por alguns que se diziam "do social" -, este parece ser ainda um sistema de governo viável, sobretudo com o aperfeiçoamento do processo democrático, que, ao contrário do que apregoam alguns discursos reducionistas, é condição fundante de um governo realmente socialista.
Acontece, no entanto, que a questão agora parece ser mais de orgulho do que outra coisa, pois dificilmente alguma nação envolvida na "bolha" em que se tornou esse mundo monetarizado teria a coragem de admitir que o capitalismo se esgotou e que não se deu o perfeito equilíbrio apregoado por Hegel e Fukuyama, mas que, ao contrário, vivemos uma perda praticamente total de sentido e uma situação que beira à anomia.
Não sabemos aonde Grécia, Espanha, Itália, Portugal - e muitos outros que ainda virão - levarão a Europa, bem como não sabemos até quando se vai acreditar que os Estados Unidos têm condições de sair do atoleiro, pagando o que devem aos milhares de credores. Mas uma coisa é certa: se a única alternativa continuar sendo a "guerra ao terror", que todas as cabeças reflexivamente pensantes já sabem ser uma falácia de um império em ruínas, a história voltará a dar as caras, dizendo com todas as letras: "eu não posso ter fim".

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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"E o Lobão, quem diria, estava mesmo com a razão"

Nos anos 1990, o cantor e compositor Lobão desafiou a grande mídia e rompeu com as gravadoras, que também já tinham rompido com ele. Irritado com a baixa remuneração que as gravadoras enviavam aos músicos, Lobão decidiu lançar seus discos de forma independente, utilizando as bancas de jornal para tal. Além disso - e o que apavorou a todos na indústria fonográfica - o músico disse que apoiava a pirataria, uma vez que considerava o preço dos discos muito alto e que vivia na pele a desgraça de ser a parte que menos ganhava numa produção musical. Lobão, como sempre, foi considerado um lunático.
Anos depois, em 2007, a excelente banda britânica Radiohead lançou o álbum In Rainbows em versão online, sem qualquer medida de proteção tecnológica, permitindo aos interessados download mediante o pagamento que os usuários achassem justo. Não se sabe o quanto a banda faturou, mas a postura do Lobão acabara de ser ressuscitada. Já o menos discreto Trent Reznor divulgou que seu trabalho Ghosts I-IV, também com pagamento voluntário pela internet, lhe trouxera 1,6 milhão de dólares em 2008.
Como já tinha sido denunciado por Lobão, os músicos sempre receberam uma fração muito pequena das vendagens dos discos. Deste modo, o pagamento voluntário via internet parece que veio como uma solução interessante, uma vez que não é preciso muito para que o artista ganhe com os downloads o mesmo que ganhava com os direitos sobre as vendas de seus CDs.
Estudos mostraram que, ao longo de um período de cinco anos, 48% dos usuários desses serviços online pagaram até 8 dólares por álbum, quando o preço mínimo era de 5. Todos os dados apontam para clientes pagando bem mais do que o preço mínimo estipulado pela banda, sendo que, no caso do Radiohead, a taxa mínima apenas cobria os gastos da transação.
A estrutura do sistema é bastante simples, pois apoia-se na prática de evitar a obrigatoriedade estrita do pagamento. A música se torna acessível em formatos fáceis de fazer downloads e o sistema de pagamento é inteiramente voluntário ou conta com mecanismos que garantem que o preço seja fruto de uma definição razoavelmente voluntária.
É claro que tais experiências são bastante novas, mas já é possível perceber que, se tal inovação não terá força para deixar um artista milionário, ao menos não empobrecerá os artistas de mais sucesso, como profetiza a indústria fonográfica. O melhor de tudo é que o músico, por esse novo sistema, pode fazer o tipo de música que quiser, sem precisar atentar para as exigências de gravadoras que nada mais fazem do que obrigar um tipo de musicalidade que "está dando certo".
O que vemos, então, é que os pagamentos voluntários para downloads online abrem um importante caminho para bons artistas, que, mesmo sem grandes gravadoras, tentam sobreviver e prosseguir com seu trabalho.
Só quem perdeu feio foram as gravadoras, mas, convenhamos, quanto essa gente não embolsou quando estávamos acostumados a ouvir que bandas, duplas e artistas solo vendiam milhões de cópias, sendo que ganhavam apenas 1 real, ou menos, por cada disco?
O tempo passou e a tecnologia provou que o lunático não era tão maluco assim. Temos sim de reconhecer; o Lobão, quem diria, estava mesmo com a razão!

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quarta-feira, 20 de julho de 2011

"Discurso sobre a servidão digital voluntária"

No século XVI, e com apenas 18 anos de idade, Etienne de La Boétie publica o Discurso sobre a servidão voluntária. Nesta obra exemplar, o autor defende a liberdade e a igualdade de todos os seres humanos na dimensão política, evidencia, pela primeira vez na história, a força da opinião pública, repele todas as formas de demagogia e envereda pioneiramente por aquela que mais tarde ficaria conhecida como a Psicologia de massas, apresentando a irracionalidade da servidão dos povos.
Como se pode ver, já a partir do título provocativo do Discurso, a servidão é indicada como uma espécie de vício, de doença coletiva. Mesmo assim, e com muito tempo vivido e muita ciência experimentada desde o aparecimento da obra de La Boétie, novas formas de servidão voluntária foram se apresentando. Algumas bem interessantes - e até mesmo contagiantes - como é o caso da servidão digital, tão fortemente vivenciada neste início de século XXI.
No novo modo de servidão, não é raro ouvirmos frases do tipo: "Mas você não está no Facebook?!"; "Todo mundo tem Orkut!"; "Tuitei por horas e horas ontem"; "É só me visitar no Myspace!". É como se todos tivéssemos a obrigação de ter essas bugigangas digitais, que só nos afastam uns dos outros, embora sejam chamadas de "sites de relacionamentos".
Entre uma novidade e outra, vamos enveredando por um terreno que, embora pareça fácil e dominado, apresenta uma série de problemas a serem pensados. Um deles é a fragilidade das relações que passamos a vivenciar. Se criticávamos a monetarização das relações sociais, com o advento da modernidade, agora somos vítimas da virtualização das mesmas relações, na chamada pós-modernidade.
Para piorar a situação que agora experimentamos, não é raro ouvirmos sobre pessoas que mandam recados para si mesmas, a fim de se sentirem importantes para alguém, ou contam os milhares de recados recebidos a fim de recalcarem a solidão que sentem, desafiando o telefone que teima em não tocar com a proposta para um papo de final de tarde.
Agora, triste mesmo é frequentar um espetáculo lotado de escravos digitais. O que jamais se imaginava que pudesse acontecer, tristemente aconteceu; agora o sujeito não mais assiste ao espetáculo, não curte o seu conjunto ou músico favorito. O negócio é perder o ao vivo e ficar como idiota segurando um celular na mão, gravando o show para postar depois nessas chamadas redes sociais. O lance é provar a presença no evento com um "olhem aqui a prova; eu fui!". Na verdade, o sujeito não foi a lugar algum; não viu o seu artista favorito, pois estava preocupado em "provar" que viu!
Os escravos digitais se contentam com a imagem e perdem a presença; se contentam com um recado virtual e perdem a potência insuperável de um encontro humano. A chamada pós-modernidade é isso: estamos nos perdendo uns dos outros e, para piorar, estamos achando isso "o máximo; a última moda"! Parafraseando a máxima de um comercial televisivo, nossa nova postura confirma que presença não é nada; imagem é tudo!

liberdade, beleza e Graça...