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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

domingo, 6 de maio de 2012

"Lugares comuns e o fantasma da inutilidade"


A película Lugares comuns, de Adolfo Aristarain (disponível em DVD), é um daqueles filmes que têm tudo para dizer nada, mas que dizem tudo. O argumento central, focado num processo corriqueiro de aposentadoria de um professor já idoso, trabalha algo que o sociólogo Richard Sennett chama de “fantasma da inutilidade”, em sua excelente obra A nova cultura do capitalismo (Record, 2006).
           
Como bom fomentador de debates, função que têm tido muitas das películas argentinas dos últimos anos, o filme de Aristarain mostra o cotidiano de um professor de literatura extremamente hábil em sua função, mas que, por razões mais do que simplesmente de idade, é forçado a deixar seu posto de trabalho, sendo substituído ulteriormente por outro indivíduo.
           
A questão da idade, responsável apresentada pela demissão do professor Fernando Robles (vivido pelo excelente Federico Luppi), é na verdade um pretexto para que oposições de pensamentos sejam excluídas do meio acadêmico argentino no período pós-ditadura. A convicção libertária do professor Fernando, baseada fortemente nos ideais da Revolução Francesa, incomoda o reitor da universidade onde Robles trabalha, gerando o mal-estar que acaba por colocá-lo na rua.

Se o foco fosse apenas o filme, a responsabilidade desta resenha se encerraria no momento em que se expressasse a poesia dos dizeres do professor, bem como quando se focasse a mudança de moradia e de estilo de vida do casal Robles, além das consequências da viagem à Espanha, feita por eles, a fim de visitar um filho que lá vive sob as honrarias de um capitalismo selvagem e darwinista. Porém, a obra de Sennett revela um bom argumento para se pensar a postura do professor aposentado.

Sennett, lançando mão da obra do economista Albert Hirschmann, mostra que os funcionários mais velhos de uma empresa têm menos medo de serem demitidos, uma vez que conhecem bem o “caminho das pedras” dentro do ambiente de trabalho, e, justamente por conta disso, acabam por dar vazão à sua voz de protesto, incomodando fortemente o empregador. Por outro lado, funcionários jovens não reclamam, pois preferem sair e procurar outro lugar, uma vez que não têm conhecimento dos caminhos a serem percorridos antes de conquistarem a tal voz. Fernando Robles conhece bem as estruturas da universidade onde leciona e, aos 67 anos de idade, pouco se importa com as consequências do dar vazão a sentimentos e ideologias que o acompanham há muito.

Assim, o que se vê e ouve é algo que realmente pertence a um indivíduo que aprendeu o que significa a palavra sensatez. Apesar da idade um tanto avançada, um dos focos do filme e do argumento que justifica esta resenha, a obra de Aristarain traz a possibilidade de se manter a lucidez e os ideais, mesmo que o mundo esteja dizendo o oposto, com as suas estruturas “modernas”, viciadas e reacionárias.

À luz das obras de Aristarain e Sennett, então, pode-se perceber que o fantasma da inutilidade não ronda sem que algumas boas respostas lhe sejam dadas. A lucidez de quem vive o que acredita acaba por fazer daquele elemento fantasmagórico um ridicularizado incentivador de uma sociedade homogeneizadora do pensar e do agir. Todavia, o professor, transformado em camponês, não deixou de firmar seus pés em terreno lúcido e provocador de mudanças, ainda que para isso tenha precisado mudar para o campo, fazendo assim uma revolução do pensar naquele que, para os mais pobres e desvalidos, ainda é um lugar bastante comum.

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sexta-feira, 27 de abril de 2012

"O aniquilacionismo: teoria para um Javé menos irado"

Dentre os vários assuntos propostos pela Teologia Sistemática, o juízo final e suas consequências talvez seja o tema mais árido e espinhoso. Isso porque parece que é sempre muito difícil explicar a possível articulação entre o Javé do Antigo Testamento e o Jesus do Novo. Para uma gama considerável de teólogos, tal articulação é até impossível, uma vez que, à luz da leitura da "personalidade" de tais elementos, fica mesmo muito difícil não atrelar ira ao primeiro e amor incondicional ao segundo.  

A leitura assim posta é apressada, claro, pois ao atentarmos bem para algumas posturas e falas de Jesus de Nazaré, encontraremos resquícios de uma "genética que não nega a si mesma". Embora tenhamos construído um cânon dentro do cânon, a fim de ensinarmos apenas parte do que a Bíblia diz - e do jeito que a gente acha que ela realmente diz -, tal coletânea de livros nos apresenta um Jesus por várias vezes bem diferente do que querem as nossas leituras cerceadas. De resposta duríssima a uma mulher desesperada, por conta da possessão da filha - e à própria mãe, no episódio das bodas em Caná da Galileia! - a frases como: "Não vim trazer a paz, mas a espada"; "Não vim unir, mas separar pais e filhos, irmãos e irmãs", além do ato bastante irado de chicotear camelôs no templo, Jesus mostra aspectos de uma personalidade bem pouco explorada pelos nossos púlpitos. Talvez sejam estes os aspectos a justificarem uma concordância dele com a proposta "javista" de juízo, algo que, se bem analisado por nós, faz com que, no sentido que estamos aqui buscando elucidar, os dois sejam realmente um.

Entrando, então, no cerne do assunto que justifica o presente texto, falar de Javé é também falar de um Deus que preparou - desde antes da fundação do mundo, segundo relatos bíblicos - um dia de duríssimo juízo. Neste dia, conforme tais relatos, Jesus estará em pé, como justo juiz, tendo consigo o poder de, na presença de Javé, julgar todos os seres humanos de todas as épocas, lançando uma pequena parte num paraíso e uma imensa maioria num lugar que, para que a imagem seja bem fixada em nossas mentes, chama-se lago de fogo e enxofre. Lançadas neste lago, as pessoas que não tiveram seus nomes encontrados num livro de Deus - chamado de Livro da Vida - por não terem aceitado as propostas de Javé, na recepção a Jesus Cristo, serão perturbadas eternamente, sendo que o fogo infernal de tal lugar tem poder para queimar, mas não para consumir, uma vez que o intuito é que a danação não tenha mesmo um fim.

Discordando, porém, que Jesus e Javé tenham a mesma "carga genética irada", os teóricos do chamado aniquilacionismo se mostram descrentes em relação a tal postura de juízo e propõem alguns argumentos que buscam afastar Jesus de Javé - mas com outra possibilidade de leitura - mostrando aquele como realmente bom e este como irado, mas apenas enquanto "justificador de uma época bélica veterotestamentária". Como as épocas mudam, todavia, e tendo a postura amorosa de Jesus ganhado o mundo, convencendo-o quase que completamente acerca de uma ética cristã, já não caberia mais uma proposta de juízo tão radical, ficando o texto bíblico como uma alegoria, uma metáfora do que realmente seriam o céu e o inferno, haja vista o contexto histórico no qual o texto de Apocalipse foi produzido.

O aniquilacionismo defende, então, que haverá aniquilação dos indivíduos maus e de todos aqueles que não aceitaram a proposta divina de reconhecer Jesus como o Dei Verbum, a Palavra de Deus. Assim, tais pessoas serão totalmente destruídas, ficando eternamente aniquilado o mal. Mostrando, deste modo, uma "bondade divina", atrelada à incoerência de uma forma de castigo que refuta tal bondade, tal processo de aniquilação seria muito menos cruel, pois seria mais justo do que condenar à eternidade de danação alguém que pecou apenas por alguns anos, já que a vida na terra é curta demais. A frase que aqui poderia ser usada como ilustração é: "se pequei por 80 anos de vida, por que tenho de pagar eternamente?". Outro argumento aniquilacionista é o que entende que a presença eterna de criaturas más no universo prejudicaria a perfeição de um espaço criado para refletir a glória de Deus.

A proposta aniquilacionista, é importante lembrar, encontra justificativa até em alguns clássicos textos bíblicos. No entanto, tal proposta esbarra no mais duro adversário: assim como o universalismo - que apregoa amor divino incondicional e salvífico para todos os seres de todas as épocas, já que a manifestação plena do amor de Deus destrói todo o mal e convence convertendo a todos -, a proposta aniquilacionista não satisfaz à maioria dos religiosos, já que, para estes, muito mais interessante do que gozar a presença eterna de Deus no céu, é saber que poderão dizer "bem feito!" para a imensa maioria das criaturas perdidas neste mundo, às quais Deus tanto ama.

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sexta-feira, 23 de março de 2012

"Os desigrejados: procura-se uma boa igreja. Procura-se bons pastores"

Falar de catolicismo no Brasil é falar de pelo menos duas importantes categorias: os católicos praticantes e os católicos não praticantes. Segundo levantamento da PNAD, corroborado pelo Censo, e pela vivência que experimentamos no cotidiano, a maioria dos católicos não vivencia sua fé com muita regularidade. Pelo menos nos grandes centros, a assiduidade se limita a eventos marcantes, ritos de passagem, como o são o batismo, a primeira comunhão, a crisma e o casamento.

Em termos de mundo protestante/evangélico, no entanto, para além dos ritos de passagem que sempre lotam as igrejas, uma categoria de análise a mais se nos apresenta: temos os evangélicos diretamente ligados a uma igreja (praticantes), temos os afastados (não praticantes), desiludidos por conta de alguma decepção eclesiástica, quase sempre ligada a problemas de relacionamento, e temos os que agora parecem estar bem mais “na moda”; os desigrejados (praticantes, mas sem líderes e sem um ambiente formal de prática).

Os desigrejados não são pessoas que se afastaram da fé. Não são pessoas que decidiram “chutar o balde”, caindo na gandaia do mundão, e fazendo tudo o que a igreja chama de pecado ou desvio da fé e conduta cristãs. Não, os desigrejados não são pessoas que estão abandonando os ensinos de Jesus Cristo, bem como não são pessoas decepcionadas com Deus ou com a Bíblia. Os desigrejados são simplesmente ovelhas que não têm pastor; é gente séria, procurando igreja séria, mas sem qualquer sucesso nesta empreitada.

Tais desigrejados surgem no início do século XXI, como resposta à polarização que se efetivou com muita força no mundo evangélico brasileiro da última década. Cansados de um neopentecostalismo avassalador – e de sua teologia da prosperidade – de um lado, e de um moralismo castrador, de igrejas demasiado conservadoras, de outro, os desigrejados formaram o grupo mais interessante do movimento evangélico contemporâneo, haja vista ter fomentado – e estar fomentando – uma série de reflexões acerca da caminhada da igreja evangélica brasileira.

Justamente por conta de uma séria reflexão sobre o seu lugar na igreja e no mundo, este grupo tem chamado bastante a atenção, uma vez que, ávidos por uma mensagem bíblica profunda e sincera (daquelas que não partem da premissa de que os ouvintes são idiotas alienados), aliada a uma relevância social num mundo deveras desigual e corrompido, os sem igreja se nos apresentam como um importante grupo a se conquistar.

Os desigrejados não estão em busca de prosperidade material e nem de milagres sem limites e a qualquer custo. Em geral, é gente com boa condição financeira e de saúde. Além disso, por conta da formação que conseguiram ter e pela reflexão que desenvolvem, essas pessoas pedem bem pouco de uma igreja e de um pastor. Assim, nem é tão difícil responder às suas demandas, pois rapidamente se pode enxergar a essência do cristianismo naquilo que tal grupo pleiteia, já que nossos irmãos pedem apenas um pastor que tenha ouvidos realmente interessados em ouvir e ombros realmente interessados em suportar o peso de uma ovelha, como quer o Evangelho.

Talvez já estejam em curso as estratégias para reintegrar tal grupo a uma comunidade de fé. No entanto, dogmatismos e intolerâncias sem limites não ajudarão em nada, pois a maioria dos pastores não tem a formação e as informações de que dispõem os desigrejados. Do mesmo modo, promessas mirabolantes não estão na ordem do dia, já que, para um desigrejado, papo de Malafaia, Valdemiro, Macedo, Miguel Ângelo, dentre outros, já se tornou, no mínimo, mensagem de procedência maligna.


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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

"Edir Macedo e Valdemiro Santiago: o reino está dividido, o que é bom"

Edir Macedo e Valdemiro Santiago estão em pé de guerra. Os líderes da Igreja Universal do Reino de Deus e da Igreja Mundial do Poder de Deus, respectivamente, acabam de se declarar inimigos públicos um do outro. A razão, como não poderia deixar de ser, é a disputa pelo "mercado gospel" que se instalou com grande força no país desde o início dos anos 1980, com a chamada "terceira onda pentecostal". O curioso da história é que Valdemiro é cria do próprio bispo Macedo. Por razões que sempre estiveram presentes no meio neopentecostal, o reino, mais uma vez, se divide.

É importante lembrar que as divisões, que sempre fomentaram novos empreendimentos religiosos por essas terras, trouxeram também à tona igrejas como a Internacional da Graça de Deus, do missionário RR Soares, e a Igreja Evangélica Cristo Vive, do apóstolo Miguel Ângelo, para citar os exemplos mais famosos. Tudo começando, claro, com a Igreja de Nova Vida, do mentor de todos eles, o bispo canadense Robert McAlister, já no início dos anos 1960, no Rio de Janeiro, após rápida passagem por São Paulo.

Embora chamadas de igrejas evangélicas, misturando-se com denominações do protestantismo histórico, como é o caso das igrejas luterana, congregacional, presbiteriana, batista e metodista (alguns autores também citam a Assembleia de Deus aqui), o novo movimento evangélico brasileiro distancia-se muito dos principais fundamentos da Reforma liderada por Martinho Lutero, o que faz com que muitos pesquisadores e estudiosos das religiões não o considerem como ramificação do histórico movimento de separação da igreja católica medieval. No entanto, e para infelicidade de muitos, não é incomum ouvir-se de muitas pessoas as tradicionais frases de senso comum que acham que "é tudo coisa de evangélico". Mas na verdade não é. Ou, até é, se evangélico não significar um sinônimo para protestante, tese que defendemos sem qualquer titubeio.

A bem da verdade, ao movimento neopentecostal - ou pentecostalismo de terceira onda, como é chamado pelos especialistas no assunto - faltam os fundamentos mais basilares do movimento protestante. O tripé , graça e escrituras foi substituído por elementos que articulam, e de maneira muitíssimo inteligente, o caráter sincrético dos religiosos brasileiros e a força descomunal do sistema capitalista de mercado. Sim, o neopentecostalismo é uma junção de elementos das várias expressões religiosas que formam o caldo cultural místico brasileiro e uma lógica de mercado e lucro, fomentadora da tão falada Teologia da Prosperidade, tese em que o ser humano e Deus podem entrar numa sociedade, onde o fiel entra com dízimos e relacionamento com amuletos e Deus fica obrigado a cumprir sua parte no trato, entrando com o derramamento de bênçãos materiais e saúde perene sobre a vida do fiel ofertante.

Apesar de o senso comum os tratar como "farinha do mesmo saco", o protestantismo histórico decresce a cada novo dia, enquanto que os evangélicos neopentecostais crescem a todo vapor, fomentando a disputa acirrada que agora antagoniza Edir Macedo e Valdemiro Santiago, além de fazer com que o total de evangélicos/protestantes já ultrapasse a impressionante cifra de 20% da população do país.

Assistindo a um programa da Igreja Mundial, de Valdemiro, é possível vê-lo lançando a maldição do câncer de uma senhora - que Santiago diz ter curado em sua igreja - sobre um representante do ministério público, responsável por uma investigação que poderá tirar Valdemiro do ar nos próximos dias. Também pesa contra Valdemiro a acusação de Macedo de que ele alicia membros da Universal para que venham a trabalhar na Mundial.

Na mesma semana em que Valdemiro "lançou" um câncer sobre um funcionário público, os bispos da IURD fizeram um ritual de exorcismo - utilizando-se do corpo de uma mulher que saiu da IURD para a Mundial, mas que "voltou arrependida" - da legião de demônios que eles afirmam estar possuindo o corpo e atormentando a vida do ex-pastor iurdiano Valdemiro Santiago.

Não sabemos até onde vai essa história. No entanto, já podemos prever a qualidade dos próximos embates. Edir Macedo deverá chamar Valdemiro Santiago de pastor-corrupto-endemoninhado-charlatão e Valdemiro Santiago chamará Edir Macedo de bispo-corrupto-mentiroso-ladrão. Para tristeza de um país tão livre em termos religiosos como o nosso, e de um povo tão carente de boas referências no campo da espiritualidade, os dois estarão cobertos de razão.



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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

"Um bom professor vale um mundo inteiro"

Se decidíssemos escolher a profissão mais importante que existe, com certeza escolheríamos aquela que é responsável por formar todas as demais profissões. Deste modo, o professor estaria no topo de uma hierarquia de importância profissional e acadêmica e não se falaria mais nisso. Seguindo essa possibilidade, uma pesquisa feita com a população dos países mais desenvolvidos do mundo chegou à conclusão de que o profissional mais importante de uma nação é mesmo o professor, por razões como a apresentada acima.
Embora possamos concordar com isso e embora possamos mesmo ouvir nas ruas do Brasil e do mundo que o professor é o profissional mais importante de uma nação, visto que é pela educação que se faz uma potência, como aconteceu com a Coréia do Sul, tal profissão cai cada vez mais no descrédito, e cada vez mais é tida como menor por aqui, já que os governos insistem em não enxergar o óbvio.
Contudo, numa sociedade globalmente monetarizada e capitalista, onde o que conta é apenas a força da grana que ergue e destrói coisas belas, como diria o poeta, é extremamente interessante notar que já é possível falar-se em lucro ou prejuízo econômico - e em milhões de dólares - para aqueles que têm ou não a sorte de encontrar um excelente professor.
Pesquisadores estadunidenses e europeus acabam de divulgar uma pesquisa - que durou 20 anos - onde o impacto de se encontrar um bom ou um mau professor foi mensurado em números, ou melhor, em dólares. Sim, agora, ao invés de ficar apenas na memória dos alunos, como um bom ou um mau professor, tal profissional pode ser responsabilizado, também economicamente, pela construção - ou pela destruição - de uma história de vida.
A pesquisa mostrou que uma sala que convive com um professor ruim tem uma perda de mais de 2,5 milhões de dólares, visto que deixa de ganhá-los por pura falta de preparo escolar. Na outra ponta, os alunos de uma sala geram na vida um ganho a mais de 4,5 milhões de dólares, apenas porque tiveram um bom professor, tendo a oportunidade de aproveitar cada centavo que a boa formação lhes proporcionou. Importante é ressaltar que tal pesquisa foi feita na educação de base, e não nas universidades, como sempre foi de costume. Sim, estamos falando de educação de ensino fundamental e médio!
Um colega, professor universitário, sugeriu que colocássemos o salário dos professores da base no patamar de 5 mil reais mensais. Segundo ele, os profissionais se sentiriam valorizados e preparariam melhor as aulas, dando-as com prazer e dedicação, já que se sentiriam plenos do reconhecimento social que todo profissional busca e precisa ter.
No entanto, o mesmo colega defendeu que isso não daria certo, pois as outras profissões reclamariam o mesmo aumento e reconhecimento, o que, sabemos, não poderia ser feito para todos. Mas, ainda insistindo, se não dá para fazer para todos, não poderíamos fazer ao menos para a profissão que forma a todos? É algo que poderia ser pensado, mas é sabido que isso empacaria em trâmites burocráticos que remeteriam à Constituição Federal.
Ao fim e ao cabo, nosso "justo judiciário" barraria tal decisão, justificando sua ação pela inconstitucionalidade do ato, já que todos são iguais perante a lei, exceto os que julgam tal lei. Afinal, salários de 600 mil reais mensais para desembargadores e outros membros do judiciário, PODE!

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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

"Paralelos teológicos"

A carta do apóstolo São Paulo aos romanos é, segundo a maioria dos especialistas, o material teológico mais rico do Novo Testamento. É mesmo bastante difícil recusar tal afirmativa, pois o material contido nesta rica epístola é de uma profundidade teológica de fazer calar qualquer teólogo, ou leigo, chegando um doutor em Teologia da PUC-Rio a afirmar que "se Gálatas é o mestrado de Paulo, Romanos, com toda certeza, é o seu doutorado".
Os temas da epístola são riquíssimos e um deles salta aos olhos, já que é forte base para o pensamento cristão; a justificação pela fé, tema que perpassa alguns dos primeiros capítulos. O mais curioso é quando tal tema da justificação foca o tão falado pecado. Ao citar tal conceito, o apóstolo Paulo faz questão de submetê-lo à graça divina, conceito ainda mais difícil de se compreender. Seguindo tal linha de pensar, nosso texto pretende lançar luz sobre alguns versos que fecham o capítulo quinto e abrem o sexto.
Lei, pecado e graça dividem espaço neste pequeno trecho da epístola, onde se encontra o seguinte material: "Sobreveio a lei para que abundasse o pecado. Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. Assim como o pecado reinou para a morte, assim também a graça reinaria pela justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. Então que diremos? Permaneceremos no pecado, para que haja abundância da graça? De modo algum. Nós, que já morremos ao pecado, como poderíamos ainda viver nele?".
Tal texto é extremamente curioso, pois, não sendo bem lido, dá margens para uma quantidade imensa de interpretações precipitadas, sendo a principal delas a que mostra o pecado como fomentador do recebimento da graça. Assim pensando, quanto mais peco, mais recebo graça e, portanto, mais sou abençoado! É uma possibilidade de leitura, sim, mas é necessário não se apressar na hermenêutica, uma vez que o texto entraria em contradição consigo mesmo, se tal leitura ipsis litteris fosse levada a cabo.
O que prova o que defendemos é o "de modo nenhum" que aparece no final. Assim, é necessário buscar o princípio explicativo para uma atitude de pecar que, quanto mais abundante, mais graça traz ao indivíduo pecador. Nossa proposta, então, não para em Paulo, mas lança mão de contribuição ulterior, nas letras de Santo Agostinho de Hipona.
É de Agostinho, entendemos, a conceituação de pecado que mais "ajuda" Paulo na sua construção teológica. Deste modo, ao conceituar pecado como "um erro do alvo", Agostinho contribui de forma singular para a compreensão do trecho de Romanos que nos é foco de reflexão aqui. Sendo o "errar do alvo", o pecado teria, sim, como ser fomentador do derramamento de mais graça, pois esta seria derramada para o "ajuste da direção da flecha". Deste modo, quando mais erro o alvo, mais a graça divina é derramada, no intuito de que "a mira" do pecador seja mais "afinada", fazendo-o errar cada vez menos.
Ao invés de ser fomentador daquilo que Dietrich Bonhoeffer chama de "graça barata", o pensamento de Paulo seria não um "libera-geral" para boa parte dos cristãos, ávidos por permanecer numa velha natureza distanciada do re-ligare, mas reflexo de um gesto afável de um Deus que conhece os dramas de um ser humano que busca fazer o certo, acertando o alvo, mas que, limitado em si mesmo, não enxerga um palmo à frente do nariz e nem sabe aonde o alvo estabeleceu morada.

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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"O ateísmo, sem a religião, não sobrevive"

O filósofo suíço Alain de Botton está no Brasil para lançar a sua curiosa e mais recente obra Religião para ateus. Abordando temas como amizade, inveja, desejo e arte, Botton traz como sua contribuição mais interessante a atitude de sempre buscar demonstrar como os ensinamentos de filósofos como Platão, Montaigne, Nietzsche, Schopenhauer, Sêneca e Sócrates podem nos ajudar a enfrentar as aflições do dia-a-dia no mundo moderno.
Com tal postura, o autor entende que será possível construir um arcabouço literário que tenha o poder de substituir os textos aceitos como sagrados, destronando a religião e sugerindo autores que teriam o poder de fazer o mesmo que faz a religião, só que num ambiente laico.
Posicionando-se como ateu, o filósofo divide as pessoas em dois grupos: "aqueles que acreditam num conjunto de doutrinas e entram para uma comunidade religiosa, e aqueles que, com a ajuda da CNN e do Wal Mart, tentam dar conta de uma vida própria espiritualmente vazia". (Repito: CNN, Wal Mart, vazia).
A postura de Botton em relação à religião foge à regra geral de muitos intelectuais ateus, uma vez que este filósofo entende que as contribuições das religiões não podem deixar de fazer parte da visão de mundo de todos os povos. Neste sentido, o autor defende que é possível ser ateu e mesmo assim admirar a música sacra, os rituais religiosos e as catedrais que ocupam as milhares de cidades em todo o mundo.
Sugerindo a obra de Shakespeare ao invés do Evangelho, Alain de Botton defende que é possível encontrar-se uma maneira laica de ensinar as pessoas a viver, uma vez que a religião consegue fazer isso muito bem, já que se utiliza de uma ferramenta extremamente eficaz para a fomentação de ideias, que é a repetição.
Assumindo que a religião é muito mais objetiva na educação das pessoas, Botton entende que seria preciso que a universidade fizesse o mesmo que as comunidades religiosas, assumindo o papel de educar para a vida, já que "a doença moderna da solidão clama por uma saída laica inspirada nas instituições religiosas".
Botton não é inédito ao dizer que "o problema não é a ausência de liberdade, mas o excesso dela", mas contribui de forma inovadora ao contrariar a tese weberiana que defende a religião como fonte privilegiada de sentido para a vida, pois Alain de Botton entende que, inspiradas nas organizações religiosas, muitas instituições laicas, chamadas "Escolas da vida", poderão ensinar as pessoas a viver, devolvendo o tal sentido que a chamada racionalização da vida colocou em crise, segundo a tese de Max Weber.
Inspirado nas muitas doutrinas de religiosos, Botton propõe que o ser humano moderno precisa abrir mão de parte do excesso de liberdade que tem, buscando assim "algo que possa ser bom para o seu viver". Para muitos que achavam que a religião morreria com a intelectualização do mundo, está aí mais um genial filósofo, de apenas 41 anos, a inspirar os ateus a afirmarem categoricamente: "Sou ateu, sim, graças a Deus!".

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