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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 23 de abril de 2013

"Das novas mídias e redes sociais"

Há poucos meses, o jornal estadunidense The Wall Street Journal publicou matéria onde chamava o Brasil de "A capital de mídia social do Universo". A motivação daquele jornal veio de uma família que se tornou celebridade-relâmpago ao interpretar no canal Youtube um cântico religioso de modo muito desafinado, e concluído às gargalhadas, "para a nossa alegria". Assim como a família Barbosa, vários outros indivíduos e grupos começaram a lançar mão dos canais que a internet oferece para se apresentarem como produto vendável, sobretudo na área do entretenimento. 

Então, assim como já tinha acontecido com o Orkut, o Brasil acabou por se transformar também em um terreno muitíssimo fértil para outras plataformas, sobretudo o Facebook, ficando o país em segundo lugar no ranking mundial do "face", atrás apenas dos Estados Unidos, uma vez que em terras tupiniquins contamos já com a impressionante cifra de 65 milhões de usuários de tal plataforma virtual. E isso sem falar no Twitter, que também caiu nas graças dos brasileiros, oferecendo-se como ponte entre a informação, sobretudo de cunho pessoal/intimista, e um público não pouco ávido por conhecer e falar sobre a vida alheia. 

Aquilo que parecia ser uma revolução nas relações sociais, no entanto, acabou por se apresentar também como um grande problema, visto que, se não se tem mais intermediários entre a notícia e o público que por ela busca, a qualidade da informação e a confiabilidade das fontes passaram a exigir do leitor um aparato crítico ainda mais desenvolvido (sendo que o menos desenvolvido já praticamente inexistia para a grande maioria), haja vista o fato de que a capacidade de selecionar, conferir fontes e compreender os vieses acabou caindo no colo do leitor, nem sempre capacitado para tanto. Assim, a tão sonhada democratização da informação não chegou como se esperava, pois de pouco ou nada adianta ter informações aos borbotões, se falta aparato crítico para lidar com tal vasto material.

Das muitas críticas surgidas às novas possibilidades tecnológicas, talvez a mais forte tenha vindo do genial e saudoso escritor português José Saramago, que afirmou que "os 140 caracteres do Twitter nos estão levando degrau por degrau a uma tendência ao monossílabo, descendo até o grunhido". Já para o filósofo brasileiro Renato Janine Ribeiro, o grande problema das novas redes chamadas sociais é que elas contribuem para o contrário do que em princípio foram pensadas, pois cooperam para um perigoso déficit de democracia, uma vez que, com a criação do algorítimo que seleciona "aquilo que é mais parecido e tem a ver com o usuário", a possibilidade de contato com o diferente, com o que coloca nossas estruturas mentais e sociais em xeque, gerando rico material para o pensar complexo e democrático, fica reduzida a praticamente nada. 

O que se evidencia, então, é que, apesar das elogiadas "aproximações que as redes sociais dão", multiplicando amigos e ressocializando isolados, o problema da solidão humana não poderá ser solucionado por novas e empolgantes tecnologias, mas por uma profunda reflexão sobre os caminhos tomados pela sociedade moderna, visto que, em nome de uma pseudo-aproximação, um claro déficit democrático está sendo gerado, ficando a "revolução das redes sociais" com o triste e nada programado papel de aproximar quem já diz e faz a mesma coisa, gerando o tedioso - mas apresentado como ótimo - mais do mesmo. Para referendar tal tese, a perda de complexidade se evidencia com clareza, já que é raro encontrar-se nos comentários e "curtições" do Facebook algo que se distancie crítica e analiticamente do que já está escrito no texto "curtido". A "geração face", portanto, mais do que nunca se mostra como a geração da superfície.

Se com tudo isso ainda parece que plataformas como o Facebook vieram para "revolucionar" e para sempre ficar, é importante que a morte de tal plataforma já possa ser criticamente vislumbrada, pois o fim do Facebook está justamente na sua capacidade de crescer. Tal como aconteceu com o Orkut - e isso bem ironicamente - o "face" vai morrer justamente quando atingir o que busca atingir; conectar o máximo do mundo todo numa só rede. Tal acontecimento se dará por conta de uma construção social que o sociólogo francês Pierre Bourdieu chamava de distinção social, que é a postura defendida pelas classes sociais mais altas - que jamais se admitem parecer com as mais baixas - de não se permitirem compartilhar os conteúdos de sua alta visão de mundo com os "menos distintos". Então, com um futuro - bem próximo, pois falamos de internet - tendo quase todo mundo o "face" em comum, será chegada a hora de a nobreza pedir pra sair. E, se a nobreza sair, como bem já aconteceu com o Orkut, "todo mundo sai", pois a força do capital sempre consegue fazer com que sua visão seja entendida como universal, natural e extremamente necessária a todos.

liberdade, beleza e Graça...

terça-feira, 9 de abril de 2013

"Marco Feliciano: do que realmente interessa nele"

O deputado e pastor Marco Feliciano conseguiu muito mais do que os 15 minutos de fama profetizados pelo grande Andy Warhol. Não se fala noutra coisa e as mídias insistem em bater numa tecla que não traz nada que realmente possa edificar o nosso pensar. Quase tudo é preconceito, ditadura de pensamento único e postura antievangélica radical. Afinal, praticamente ninguém toca no assunto que é a base para quase tudo o que o infeliz Feliciano crê e espalha como verdade; a saber, sua teologia. 

Alguns entenderam meu texto anterior, também sobre o tal pastor e deputado, como sendo um texto conservador e que "não batia como deveria". No entanto, nada no texto merece retoque analítico, pois o processo democrático deve abarcar - também - figuras como o pastor e deputado que aqui nos é tema de reflexão. Ainda assim, concordo que o texto deveria ter colocado em xeque o que é o mais importante nisso tudo: as razões de tal deputado pensar como pensa sobre os temas que agora lhe são muitíssimo caros.

Como meu foco maior de pesquisas são as relações raciais, meu interesse aqui será a parte em que Feliciano toca na questão da negritude, que ele trata como maldita, já que esta se mostra - sobretudo na África - como o oposto do que seria a manifestação da bênção de Deus. Para entendermos tal pensamento, é necessário buscarmos algumas referências que nos possam auxiliar. Encontro em Max Weber uma delas. 

A ética protestante apregoada por Weber seria uma das razões do surgimento do capitalismo de mercado, o que se tornou um dos pilares da chamada Modernidade. Por tal ética, como é sabido, a bênção divina não fica protelada para uma vida após a morte, visto que uma das "provas da salvação" seria justamente a prosperidade terrena, o que veio a confrontar radicalmente a visão católica da Idade Média. 

O continente africano, como não é difícil perceber, apesar de riquíssimo em minerais e riquezas outras, sofre de extremada pobreza. Na linguagem de Feliciano, sofre de uma maldição que tem um início e uma sequência bastante claros e delimitados: a maldição de Caim, no mito de origem bíblico, no Édem, e a maldição de Cam (curioso que os nomes se pareçam, não?), no episódio em que o filho Cam "visita a nudez" do pai, Noé (embora alguns pensem que isso significa que Cam viu o pai nu, um estudo da língua hebraica nos revela que Cam fez sexo com o pai). Para além destes dois textos, um outro em Cantares também foi motivo de racialização, mas poucos tocam neste texto, já que ele não traz nomes e é considerado "apenas um poema".

Para que Marco Feliciano fale menos besteiras, então, é necessário que reveja sua teologia, visto que, tanto em Gênesis quanto em Cantares, os textos bíblicos que ele usa para justificar uma "maldição dos negros" não referendam tal crença, pois em nenhum caso a escravização de um povo pelo outro significa escravização negra! Como deveria ser sabido por tal deputado e pastor, a escravização negra é um tema bastante moderno perto do tema escravidão. A escravidão não começa com os negros e negras africanos, mas muito antes, quando todo povo derrotado - fosse ariano, negro, índio, mongol etc. - era feito escravo e pagador de tributos. Dizer, portanto, que "a maldição de Caim e Cam foi ficarem com o nariz achatado e a pele escura" não passa de mais uma das muitas imbecilidades trazida pelos religiosos protestantes racistas que colonizaram religiosamente o Brasil

Como bem defende o teólogo e exegeta Osvaldo Luiz Ribeiro, no livro Religião, racismo e etnicidade, organizado por este que vos escreve, "não há qualquer base para a racialização do texto de Cantares, bem como de outros que foram utilizados para tal questão, como é o caso de Gênesis". Assim, a informação de que nariz achatado e pele escura são referências de maldição divina é, no mínimo, motivo para um debate mais sério sobre o que fala e pensa o deputado e pastor Marco Feliciano. Agora, se for para ficar na superfície do debate, é melhor ficar calado e deixar o homem trabalhar em paz, pois homem beijando homem e mulher beijando mulher não mudam a teologia e o pensamento de ninguém.

liberdade, beleza e Graça... 


terça-feira, 2 de abril de 2013

"Do curioso caso do deputado pastor Marco Feliciano"

Eu não iria escrever sobre isso. Não tinha qualquer interesse no assunto. Mas... É duro quando amigos ficam "cobrando" uma postura da gente, sobretudo por saberem que sou pastor, mesma vocação que o Feliciano diz desempenhar. Assim, como diria Nelson Rodrigues, "vamos ao". Espero, no entanto, não ocupar muito espaço, uma vez que trata-se apenas de uma tentativa de justificar minha "desvontade" de escrever sobre o assunto que está "na crista da onda". 

O deputado Marco Feliciano foi eleito democraticamente pelo povo brasileiro. O mesmo deputado foi eleito também democraticamente por seus pares na Câmara para o cargo de presidente de uma Comissão, a de Direitos Humanos. O deputado falou, há tempos, muitas coisas consideradas duras e imbecis, justificando uma sua postura religiosa sobre temas como racismo, homossexualismo e minorias em geral. 

O deputado hoje representa uma comissão que deve lutar contra muitas das besteiras que ele mesmo disse no passado. Portanto, Feliciano deve agir como um deputado da nação e não mais como um dogmático pastor, o que vem fazendo, pelo que é possível perceber. Assim, qual a razão de se precisar escrever sobre um tema, senão para fazer uma crítica da crítica? Sim, é necessário buscar as razões que nos obrigam a focar uma única comissão, sendo que muitas delas, também em andamento, estão carentes de uma atenção mais séria.

Existe uma comissão para tratar do meio ambiente, batendo de frente com os oligarcas do agronegócio, mas esta não tem nem de longe a atenção que merece ter. Existe uma comissão que trata de um marco regulatório para as comunicações no Brasil, mas esta é tratada como "possibilidade de censura" pelos grandes conglomerados de mídia, uma vez que qualquer democrática regulação tiraria destes grupos o direito de publicar uma opinião que jamais veio do povo, mas que é trazida como sendo deste

Assim, o que se deve fazer é colocar em pauta o nocivo poder das Organizações Globo, da Folha de S. Paulo, do Estadão e da Editora Abril, com sua macabra revista (não) Veja. Sem colocar o dedo nessas feridas, falar do resto é falar de "cachorro morto"; é inventar pautas que só deveriam figurar nossos dias se tivermos o que falar contra um deputado e presidente de uma comissão parlamentar, e não contra um pastor boboca que outrora falou babaquices. 

Afinal, se a lógica for transportada democrática e justamente para todos - o que deveria sempre ser feito - a Xuxa jamais poderia trabalhar com crianças, pois no passado fez filme pornográfico com um menino, bem como eu não poderia ser pastor e nem falar sobre o que entendo ser justo e correto, pois vivi boa parte da minha infância e adolescência roubando chocolates e pilhas para o meu rádio, nas Lojas Americanas. Então, se a Xuxa pode e eu posso, o Feliciano também pode. Se fizer besteiras lá, como falou besterias em tempos idos, tirem-no de seu posto! Do contrário, aquietem o coração e deixem o homem trabalhar!

liberdade, beleza e Graça...


quarta-feira, 13 de março de 2013

"Habemus Papam Franciscum"

Depois de dois dias de um conclave que com certeza será fonte de inspiração para muitos diretores de cinema, dadas as dificuldades para se ter informações e dado o forte simbolismo que cercou o evento, Jorge Mário Bergoglio, um cardeal argentino, arcebispo de Buenos Aires, foi escolhido o novo Papa da Igreja Católica Apostólica Romana, gerando um misto de surpresa e contentamento. 

Para os mais entendidos no assunto, a escolha de Jorge Mário é um "golpe de mestre" da Santa Sé, já que o desgaste provocado pelo clero católico clamava por uma grande renovação e por uma inédita atenção à América Latina, bem como à África, que também vinha forte no conclave que hoje se encerrou. O Brasil, maior país católico do mundo, ficou de fora, pois, segundo as más (ou seriam boas?) línguas, na condição de favorito (quase que) absoluto, o cardeal Dom Odilo Scherer não deveria ter dito o que disse em Roma no último dia de preparação para o conclave. Segundo o jornal "La Reppublica", as chances do brasileiro papável foram ao chão após uma preleção onde nosso patrício defendeu a atual situação da Igreja, falando bem do Instituto para Obras da Religião (IOR) e, o que seria ainda mais "imperdoável", elogiando a gestão do Banco do Vaticano, tão manchada pelas denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro. 

Ainda assim, o Brasil ficou de fora, mas nem tanto. Ter um Papa argentino, um latino-americano pela primeira vez na história, já é uma grande coisa, já que o conservadorismo de grande parte da cúria romana apregoava uma volta aos tempos em que o Papa teria de ser um italiano. Diga-se de passagem, desde Carol Wojtyla que a regra se quebrou, pois aquele polonês foi sucedido por um alemão e este, para surpresa (?) geral, por um latino-americano, um argentino. Se escolhido o cardeal africano Wilfrid Napier, arcebispo de Durban, a jogada de Roma teria sido ainda mais perfeita, mas, para sermos bem francos, não há força em Roma para tanta "fraqueza" assim. 

Antes que pareça uma revolução na cúria, é bom que lembremos que Jorge Mário é extremamente conservador, chegando ao ponto de ser veementemente contra todas as questões para as quais se espera uma abertura da parte dos católicos. Para a união civil de homossexuais e para o uso de preservativos, sem titubeio, Jorge Mário diz um sonoro "não". Mas isso não tira do novo Papa um ar gracioso e uma maneira de lidar com o público e com a mídia que parecem lembrar o, para os católicos, saudoso João Paulo II. Como foi dito neste espaço, no texto anterior, era por um novo carismático e midiático que se esperava, já que Bento XVI, o nosso agora novamente Joseph Ratzinger, era bom de Teologia, mas péssimo de mídia.

A prova de que Jorge Mário é bem mais "pop" se mostrou logo no primeiro momento de seu papado. Falando ao público que aos prantos o esperava na praça da Basílica de São Pedro, Jorge Mário Bergoglio disse: "meus amigos cardeais me acharam no fim do mundo", o que provocou risos e empatia do público e da mídia que acompanhava tudo. Pelo visto, então, parece que Roma acertou em cheio e deve ter conseguido eleger mais um "papa pop". Ops, perdoem o vacilo; Roma não escolheu, foi o Espírito Santo.

Se o Espirito escolheu Jorge Mário, Jorge Mário escolheu ser Francisco. Papa Francisco. O melhor de tudo é que, se todo esse evento for política pura, ao menos o nome nos servirá de inspiração para uma mudança real, já que, ao escolher o nome de alguém que deixou a riqueza para vestir sandálias de gente simples e andar no meio do povo, Jorge Mário se reveste de Francisco de Assis, aquele que renovou a Igreja num momento histórico muito parecido com o que os católicos hoje vivenciam.

Ser simples e ser "pop"; eis a dificílima missão de Francisco. Se a busca for por um novo João Paulo II, o começo já parece ser bem promissor, pois o novo Papa, para além de torcedor inveterado do San Lorenzo, time de futebol argentino, é xará de um grande músico brasileiro, o também Jorge Mário, "Seu Jorge". Com compromisso marcado para falar na Jornada Mundial da Juventude, evento católico que vai mexer com o Brasil já neste 2013, Jorge Mário Bergoglio tem tudo para fazer o que Carol Wojtyla conseguiu. Para tanto, é só vibrar quando o saudarem com as seguintes palavras: "Seja bem vindo, aqui nós adoramos ser filhos de Francisco. Salve Jorge!".

liberdade, beleza e Graça... 

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

"Já não temos mais um Papa"

Mexendo com a história da ainda muito poderosa Igreja Católica Apostólica Romana, Bento XVI acaba de renunciar. Foram oito anos de um pontificado que se mostrava "sem qualquer novidade", logo de início. Ao optarem pelo alemão Joseph Ratzinger, os cardeais católicos colocavam como líder máximo da cúria romana um dos mais geniais e também um dos mais conservadores teólogos de que se tinha notícia. No que nos toca mais proximamente, tratava-se daquele que, tendo sido presidente da "Congregação para a Doutrina da Fé" (Congregatio pro Doctrina Fidei), tinha sido o responsável pela excomunhão de um teólogo e frei brasileiro; o hoje apenas escritor e palestrante, Leonardo Boff. 

Ratzinger, tendo escolhido o nome de Bento XVI, iniciou seu pontificado com uma missão quase impossível: substituir a contento Carol Wojtyla, o Papa João Paulo II, conhecido mundialmente pelo seu carisma e por sua postura extremamente midiática, o que fez com que ele fosse até chamado de "o Papa pop", rendendo-lhe até refrão no rock brasileiro dos anos 1980. E isso, embora o pudesse "assustar", em nenhum momento o fez, até porque Wojtyla vinha de uma carreira de ator e bailarino na Polônia, sua terra natal, o que lhe deve ter ensinado a lidar com toda sorte de exposição ao público e à mídia.

Para muitos, a escolha de Ratzinger há quase uma década seria um grande retrocesso, visto que o mesmo não trazia nem de longe o carisma e a popularidade do antecessor. Todavia, surpreendem as decisões tomadas em tão pouco tempo de pontificado, haja vista o fato de ele ser considerado ultraconservador e, com toda certeza, "inferior" a um antecessor que, de tão popular, chegou a inspirar torcidas de futebol, algo jamais imaginado para o décimo sexto Bento. Para que as tais decisões raras acontecessem, Bento XVI fez já em 2005 uma análise da situação da cúria romana, o que o fez chegar a uma conclusão demasiado forte: "quanta sujeira e quanta soberba existe na igreja e entre aqueles que se deveriam entregar ao Redentor".

Buscando fazer algo que pudesse "limpar" tal sujeira, Bento XVI expulsou o mexicano Marcial Maciel, fundador dos "Legionários de Cristo", por conta de casos de pedofilia. Na mesma linha, o Papa modificou o Código Canônico, instituindo a política de tolerância zero com os clérigos que tivessem em seu poder qualquer tipo de pornografia infantil, e entregando-os à justiça comum, já que "o perdão não substitui a justiça". Ainda, denunciou a corrupção e o tráfico de influência no Vaticano, pedindo inclusive uma varredura no banco local, o que fez com que muita sujeira e atos de corrupção fossem encontrados. Também, e embora tenha continuado contrário ao sacerdócio de homossexuais, concedeu mais dispensas do que João Paulo II para que padres pudessem se casar.

Deste modo, e numa análise comparativa, a surpresa se estabelece: muito mais conservador parece ter sido Carol Wojtyla. Progressista mesmo foi Joseph Ratinger, já que este mexeu no vespeiro que o antecessor parecia fingir que não existia. A diferença se coloca claramente, mas quase não foi percebida, já que a condição de "homem de mídia", fortemente vivenciada por João Paulo II, chegou até a confundir o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, que enxergou mais benefícios naquele do que no Bento que agora renuncia. Para Pondé, Bento XVI errou por não saber falar às massas, mas, na verdade dos fatos, João Paulo II, tão bom de massas, não fez para além de instituir mundo afora uma rede de mídia que o ajudou a ajustar contas com os regimes comunistas, já que ele conseguia, fora da "cortina", o cego e incondicional apoio de outros tipos de "Pravdas" e "Izvestiyas" (jornais russos), coisa que Stalin também conseguia, só que do lado de dentro.

A pergunta que não cala, portanto, é: se sai um Papa que, esgotado por não conseguir mudar o estado de coisas que se estabeleceu no Vaticano, e deixando um insuportável lamaçal e uma penosa agenda para o sucessor, qual será a escolha do conclave que agora se inicia? Um Papa mais jovem e duro com as posturas seculares da corrupta cúria romana (como quer Joseph Ratzinger, que inclusive apoia o Concílio Vaticano II, uma espécie de abertura da igreja para o mundo, praticamente ignorado por João Paulo II), ou um "amigo de todos", inspirador de torcidas de futebol e ator de grande categoria? E o primeiro item da agenda papal; será mesmo uma revisão do celibato clerical? Claro que não; falar de celibato é falar de algo que só midiaticamente interessa. Muito mais interessante é começar por uma séria reflexão sobre uma manchete de jornal do dia seguinte à renúncia de Joseph Ratzinger: "Ao deixar pontificado, Bento XVI perde o dom que o tornava infalível". Haja debate.

liberdade, beleza e Graça...  


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

"Adoção: ser for de negros, é algo muito fácil e rápido"

O debate sobre as relações raciais no Brasil tem pelo menos duas grandes correntes teóricas: o Continuum de Cor e o Racismo Estrutural. Tais escolas divergem radicalmente acerca das ações afirmativas baseadas na raça, sobretudo quando se trata das cotas para negros nas universidades e órgãos públicos. Para os adeptos do Continuum de Cor, não se pode afirmar categoricamente quem é negro no Brasil, uma vez que os próprios negros se utilizam de mais de 130 nomenclaturas para se autodeclararem etnicamente. Para além disso, tais pesquisadores não identificam posturas racistas explícitas no país, o que faz com que o Brasil seja até considerado, por alguns desses autores, como um país a-racista, tendo em vista uma "harmonia racial onde raramente se vê algo que pode ser chamado de racismo". Nesta direção de pensar se encontram grandes antropólogos como Peter Fry e Yvonne Maggie, pesquisadores do IFCS-UFRJ.

Noutra direção, os pesquisadores do Racismo Estrutural - aonde este que vos escreve também se encontraentendem que a estrutura brasileira é racista, independentemente das posturas racistas explícitas, que para eles não são tão raras como alguns afirmam, bastando que haja um olhar mais atento. Ainda que tal olhar não seja tão vivenciado, no entanto, pesquisadores como o historiador Edson Borges, o antropólogo Jacques d´Adesky e o sociólogo Sales Augusto dos Santos entendem que os números do acesso à educação, saúde e renda corroboram uma distância muito grande quando se compara os grupos negros e os brancos. Para além de tais números, disponíveis a quem quiser acessar, mas praticamente ignorados pelos adeptos do Continuum de Cor, eventos marcantes na história brasileira fomentam o debate e colocam as teses do Racismo Estrutural em grande evidência. Foi o que aconteceu nos últimos dias em Campinas, interior de São Paulo, e no Rio de Janeiro. 

Em Campinas, a Polícia Militar lançou um documento onde a identificação de ladrões era "selada" com um rótulo demasiadamente curioso: "elementos de cor suspeita", isto é, se os soldados se deparassem com jovens brancos, não precisariam desconfiar, mas, se encontrassem sujeitos pretos e pardos, "a abordagem deveria ser imediata", pois estes têm aquilo que a polícia tem chamado de "cor padrão" ou "suspeita". Na mesma semana, um menino negro foi instado a se retirar de uma concessionária BMW na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, pois estaria "perturbando a paz local, na insistente atividade de pedinte". O que o vendedor não sabia é que o menino negro era filho adotivo do casal branco que estava comprando o carro! Sim, o menino, que não pedia nada e estava muito bem vestido por sinal (mas o racismo não deixa perceber esses "detalhes") estava na sala de espera, vendo desenhos animados, quando decidiu se aproximar dos pais, no que foi rispidamente impedido pelo vendedor, já que "esses meninos negros só perturbam e atrapalham a vida da gente; eles só ficam nessa de pedir dinheiro". Como é possível ver, a cor chega antes, ainda que não haja qualquer atitude suspeita ou que as roupas do "suspeito" sejam "roupas de branco".

Para fechar a "quinzena racial", travando contato com uma conselheira tutelar, numa cidade do interior do Rio de Janeiro, este que vos escreve deparou-se com algo que é, no mínimo, material para uma grande tese de doutorado. Perguntando sobre os critérios para se entrar numa fila para adoção, a curiosa resposta foi: "Você quer branco, ou se for negro serve?". A conversa, claro, não poderia parar por aí, visto que um sociólogo, pesquisador de relações raciais no Brasil, estava nela e se interessou ainda mais. "Pode ser negro, sim". "Ah, aí é bem fácil, pois negro ninguém quer e quase todas as crianças negras ficam conosco até os dezoito anos, já que alguém adotar negros é algo muito difícil; ninguém quer criança negra. Agora, se quiser branca, sobretudo de olhos claros, tem até que pagar!". Depois de tal "soco no estômago", fica impossível não pensar em alguns autores do Continuum de Cor, como o Ali Kamel, cientista social e diretor de jornalismo da Rede Globo, que diz que "o país é a-racista, não havendo qualquer razão para se aprovar cotas, visto que negros e brancos são tratados da mesma maneira no Brasil". Pensando no Kamel, o autor que vos escreve quase foi convencido a mudar o tema de sua tese de doutorado, mas, já no meio do processo, preferiu deixar tal rico tema - este da adoção baseada na cor - para um possível pós-doutoramento. Até lá, talvez ele até já seja pai da Antônia; uma menina negra.

liberdade, beleza e Graça...    

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

"Tragédia em Santa Maria"

Toda grande tragédia tem um particular modo de se apresentar: primeiro vêm os números, depois vêm os rostos, depois vêm as histórias. Na madrugada de ontem, dia 27 de janeiro, mais uma delas, infelizmente, ocorreu; trouxe números (assustadores demais até), trouxe rostos (belos demais até), trouxe histórias (ávidas de vida demais até). Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, uma boate superlotada recebia o show de uma banda regional. Segundo informações dos mais variados meios de comunicação, havia gente demais, material anti-incêndio de menos (na verdade, os extintores estavam vazios e não havia saída de emergência), artefatos inflamáveis para todos os lados, do teto ao chão, e havia, também, um miserável sinalizador; uma espécie de fogo de artifício incumbido de trazer "efeitos especiais" aos olhos dos presentes.

O "se" apareceu, como sempre, na tentativa de se buscar os culpados e de se evitar o que não pode mais ser evitado. "Se os seguranças não tivessem travado as portas, para que não se saísse sem pagar, as pessoas poderiam ter saído com vida"; "se a vigilância do poder público funcionasse em casas privadas, aquela boate nem estaria aberta, já que estava em situação demasiado irregular"; "se os fogos de artifício fossem proibidos em lugares fechados, isso não teria ocorrido aqui, assim como não teria ocorrido em várias partes do mundo, onde o mesmo tipo de tragédia já ocorreu". Com dor no coração, e também participando da indignação que a todos toma, é preciso ser forte para afirmar que, pelo menos para Santa Maria, o "se" não pode ajudar em mais nada, uma vez que mais de duzentos e trinta caixões desceram à cova hoje, subvertendo uma ordem que ninguém gosta de ver subvertida: os pais, com corações arrebentados e com interrogação surda no olhar, enterrando seus muitos e jovens filhos. 

Da indignação ao ódio; do sentimento de perda - que jamais conseguiremos compartilhar totalmente com as famílias enlutadas - à busca por um lampejo que possa trazer esperança, fica a tentativa de cavar, decepcionado, no vernáculo, algo que possa expressar o tamanho do rombo no peito, a quantidade de peso que se perde em líquido. Sem sucesso, só a poesia de um também jovem, também gaúcho, Fabrício Carpinejar, para tentar dar alento: "Morri em Santa Maria hoje/ Quem não morreu?/ Morri na Rua dos Andradas, 1925/ Numa ladeira encrespada de fumaça". Estamos em luto.

liberdade, beleza e Graça...

Ps: Queria que a postagem de número 100 deste blog fosse sobre algo feliz. Não deu.