Eu era ainda um pré-adolescente quando pela primeira vez na vida ouvi falar de política no púlpito de uma igreja evangélica. A mim, que ainda não votava, isso nem deveria ter atingido tanto, mas confesso que o estado de medo pregado por aquele pastor me fez pensar que tudo aquilo era verdade.
Pelas palavras do missionário estadunidense que pastoreava nossa comunidade, se o candidato socialista ganhasse a eleição, vencendo Fernando Collor, nossas igrejas seriam fechadas, os cristãos seriam perseguidos e não haveria mais a liberdade de adorarmos ao nosso Senhor neste país. Aquilo me meteu medo e me fez odiar o tal homem barbudo que tinha um apelido demasiado curioso: Lula.
Mas aconteceu de o sujeito de barba ganhar eleições, depois de perder três vezes, sendo que as igrejas não foram fechadas, os cristãos não sofreram perseguição do Estado e ninguém impediu nossos cultos.
Com o tempo cresci, aprendi muitas coisas, me tornei cientista político e votei várias vezes, vendo aquele discurso, que não poderia ser chamado de outra coisa a não ser "terrorismo eleitoral religioso", desaparecer por uns anos. Pelo menos até a fala da "namoradinha do Brasil", a atriz Regina Duarte, que apareceu numa propaganda eleitoral se dizendo "com medo da eleição do Lula". Mas era parte de uma classe artística de direita e não algo de cunho religioso. Não me atingiu tanto, pois.
A religião viria a se mostrar bastante forte tempos depois, com uma eleição para o Senado Federal. Numa que já parecia peleja ganha, a candidata Jandira Feghali, do PC do B, perdeu uma eleição na véspera - tinha a vitória garantida por pesquisas até dois dias antes do pleito - para Francisco Dornelles, do PP, que utilizou-se de um
fato social importantíssimo - a religião - para fazer o mesmo terrorismo que meu pastor fizera anos antes. Se Jandira fosse eleita, dizia um comunicado que Dornelles pagou para ser distribuído pelas igrejas do interior do Estado do Rio de Janeiro, o aborto seria liberado, teríamos uma "pouca vergonha com casamentos gays" e a liberdade de fé seria cerceada. Aquela eleição, já tida como ganha, se tornou uma derrota histórica para a candidata do PC do B. Sim, a religião se provava detentora de uma força descomunal.
As eleições que se aproximam também têm conseguido se valer do fator
religião. Um pastor evangélico, se dizendo "defensor da moral e dos bons valores cristãos", decidiu espalhar um vídeo onde diz que o voto no PT será um voto pela liberação do aborto, pela união civil de homossexuais e pela provocação da ira de Deus, que visitaria nosso país com grande furor divino, pois ficaria irritado com a iniquidade do povo. O vídeo fez e faz sucesso e não são poucos os apoiadores de tal mensagem, pessoas que fazem de tudo para que aquele comunicado chegue "a todos os evangélicos e pessoas de bem do país". Mas a empreitada parece repetir as mentiras do passado.
É importantíssimo dizer que a questão versa sobre o
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), que, para muito além de assuntos como as discussões acerca do aborto e união civil de homossexuais, é uma empreitada pela instauração de direitos humanos de toda natureza.
Importante também lembrar que a luta dos homossexuais pela união civil de pessoas do mesmo sexo não é algo partidário, mas uma busca de um movimento social como qualquer outro. Incomoda alguns mais conservadores e isso já era de se esperar, todavia, essa luta, pelo que vemos e entendemos de movimentos sociais, não deixará de existir se um ou outro partido tomar o poder. Se qualquer um de nós perguntar aos homossexuais se eles deixariam de lutar por esse objetivo a depender do partido que venha a vencer as eleições, a resposta será um categórico NÃO. Portanto, falar que um partido no governo seria algo a fomentar isso, não é verdade, pois o pleito de homossexuais estará em pauta de luta ganhe o partido que ganhar.
Do mesmo modo, a luta das mulheres, sobretudo as do movimento feminista, pelo direito ao aborto não será deixada de lado por causa deste ou daquele partido vencedor da eleição.
Outra questão curiosa é o fato de que a ira de Deus - que foi "profetizada" para o caso de o país se deixar levar por uma eleição num partido como o PT - não se acendeu sobre a nação por conta de um grupo de pastores, participantes do mensalão do DEM, em Brasília, que, após ganharem propina por seus serviços ao governador Arruda, oraram para agradecer a Deus pelo crime! Interessantíssimo lembrar que nenhum dos pastores que agora fazem "terrorismo eleitoral religioso" lembrou de falar de "iniquidade" ou "ira divina" naquela ocasião. Seria porque eram pastores roubando e isso poderia ser por Deus desculpado? Claro que não. As razões parecem ser outras e bem mais profundas.
A verdade nua e crua é que os pastores que propagam esse alarde nada mais fazem do que impedir um processo democrático, obrigando suas ovelhas a votarem num candidato, e fazendo valer o que a história do país apresenta como "voto de cabresto". Votos que saem de verdadeiros "currais eleitorais" em que acabaram, infelizmente, por se tornar as nossas igrejas ditas protestantes.
Não, nossas igrejas em sua maioria não são protestantes; são evangélicas e só. Mas ser evangélico hoje em dia não significa muita coisa. Qualquer elemento mal intencionado vende discos aos borbotões - e com músicas de péssima qualidade, diga-se - com o rótulo bastante vendável de "evangélico". Por conta disso, envergonhado de me dizer evangélico, passei a optar pela nomenclatura
protestante.
Infelizmente, nossas igrejas estão abarrotadas de gente facilmente manipulável. Todas ávidas por votar sem qualquer liberdade, desde que seja no "candidato do pastor". Infelizmente, também, nossa liberdade protestante foi cerceada por evangélicos que retornaram às práticas medievais, nada mais fazendo do que adoecer o povo com alienações de toda natureza. Mas protestantismo não é isso, sabemos. Ou, pelo menos, deveríamos saber e ensinar.
Ser protestante e bom pastor de fato, profetizando a verdade e a justiça divinas, é ensinar ao povo sobre as razões que fizeram o Eike Batista nascer bilionário (pesquisem a história do pai dele, Eliezer Batista, presidente da
Vale do Rio Doce quando esta ainda era uma empresa estatal), é fazer o povo entender a razão de o banqueiro Daniel Dantas não ser preso jamais, é contar a história de escravismo nas fazendas de Francisco Mendes, irmão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ensinando ao povo sobre as razões que levam o mesmo Mendes a votar contra a
Lei da Ficha Limpa. Fora disso, não há justiça; não há profecia. Há alienação e mentira travestidas de verdade revelada, mas que se mostram falácias as mais grosseiras.
Oxalá Deus nos escute a oração, dando ao nosso povo pastores segundo o Seu coração e fazendo com que nossa gente queira ser vocacionada àquilo para o que Ele mesmo nos chamou; a verdadeira liberdade.
liberdade, beleza e Graça...