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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

"Democracia, sim, mas não de verdade, pode ser?"

A crise política que se instalou no Egito oferece-nos um material emblemático, uma vez que é uma crise para a qual o remédio que serviu sempre não serviria; a democracia no Egito é, segundo os Estados Unidos da América do Norte, "uma incógnita e um perigo", pois não significaria algo tão positivo, como sempre significou para os da "terra da liberdade".
A bem da verdade, o ditador Hosni Mubarak está no poder há trinta anos, sem qualquer intervenção que vise democratizar sua nação. Por que razão isso acontece no Egito, já que o país de Barack Obama, o grande "gestor do mundo", sempre "incentivou" a questão democrática? Embora pareça em princípio, não é difícil de se entender tal paradoxo e responder tal questão.
Como é sabido, o Egito é um país que abriga um grande número de muçulmanos, tendo muitos extremistas entre eles. Assim, na cabeça dos gestores das políticas internacionais dos Estados Unidos, dar voz e vez para que a vontade do povo se estabeleça é um risco que não se deve correr. Por essa razão, seria melhor manter Mubarak no poder, como aliás fizeram nos últimos trinta anos. Afinal, Hosni Mubarak pode ter todos os defeitos de um ditador, mas uma coisa é certa: conseguiu se manter no poder e evitar que o Egito, com a sua multidão de islâmicos, se tornasse um reduto de apoio a líderes adversários de Israel, Arábia Saudita e Estados Unidos, como é o caso do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad.
Com Mubarak, os Estados Unidos tinham um aliado que, se não era dos mais amigáveis, ao menos não permitia que os piores inimigos tomassem o poder, desafiando, apoiados por uma legião de extremistas das mais variadas facções, a terra de Hilary Clinton.
No entanto, o Egito agora está em polvorosa e o povo pede democracia. Mas não pode, segundo a cúpula de poder estadunidense. Não é possível ter democracia, pois, se a vontade da maioria prevalecer no Egito, é bem provável que seja uma vontade a desagradar os maiores patrocinadores de subidas e quedas de ditadores ao redor do mundo; os Estados Unidos da América.
Assim, a democracia é o melhor sistema de governo, desde que a maioria de uma população não pense de forma diferente daquela externalizada pelo hegemon da vez. É mais ou menos assim: "Se vocês pensarem como a gente, aceitando todos os nossos argumentos, a democracia serve para vocês. Se isso não acontecer, mais trinta anos de ditadura Mubarak será melhor, pois a nós só fez o bem".
Para os Estados Unidos a democracia é como a liberdade de imprensa; pode até existir para os outros, mas, se surgirem uns wikileaks da vida, eles prendem os responsáveis, mandando esses "estupradores" para um duradouro apodrecimento na masmorra.

liberdade, beleza e Graça...

domingo, 16 de janeiro de 2011

"Pacificação no Complexo: coisa pra alemão ver"

Um dos mais fortes debates em pauta hoje no Brasil diz respeito a um modelo de controle para a grande mídia. Se para os donos dos meios comunicação isso soa logo como censura, apontando para um passado de ditadura que todos pretendem esquecer, para um grupo cada vez maior o controle social da imprensa é algo urgente e de grande relevância. Em um outro texto neste espaço já discutimos o que achamos que deveria ser colocado após a queda da chamada Lei de Imprensa, mas nada foi ainda pensado e o debate se acalora.
Um bom episódio para se justificar uma lei que controle socialmente a imprensa é a ocupação do chamado Complexo do Alemão, conjunto de comunidades carentes na zona norte do Rio de Janeiro, espaço há muito dominado pelo tráfico de drogas e agora ocupado "pacificamente" pela força conjunta das polícias civil e militar, com o apoio federal do exército e da marinha do país.
Nossas aspas para o pacificamente se justificam, pois, ao contrário do que apregoa o jornalismo nada imparcial da Rede Globo, não houve pacificação, não há o heroísmo policial que foi apregoado e o que se vê é um processo de criminalização da pobreza e uma quebra de todo e qualquer tipo de direito constitucional que uma família pobre pode ter. Não foi apregoado e não é mostrado, mas os direitos humanos passaram longe do que aconteceu na invasão do Alemão.
Assim como comprava os "direitos de exclusividade" para entrar onde outra emissora não poderia quando da Copa do Mundo de 2006, ganhando uma proeminência não lealmente conquistada - se é que isso é possível em se tratando de telejornalismo -, a Globo repetiu o feito no maior complexo de comunidades carentes do Rio de Janeiro; câmeras a postos, esperando um massacre a qualquer momento no chamado "dia histórico para o Rio de Janeiro". Foi um show midiático nunca dantes visto no país com uma curiosa e tentadora promessa repetida, após ser dita por um policial: "Está tudo calmo, mas é uma calmaria preocupante; poderemos ter o confronto a qualquer momento. Eles estão aqui e vamos pegá-los a qualquer custo e a qualquer momento, vasculhando casa por casa". Era o Tropa de Elite ao vivo: "Não saiam e não desliguem a televisão, pois vai ter tiro, fiquem tranquilos; vai ter o que se ver". Mas, graças a Deus, os tiros não aconteceram. Pelo menos não como a Globo queria, embora muitos tenham morrido ali.
Se os tiros esperados com ávida ansiedade global não vieram, muitas outras coisas aconteceram, infelizmente, embora não tenham sido noticiadas. O grande acordo dava exclusividade de transmissão, com direito a escolta do Estado brasileiro aos repórteres globais, mas impedia e impede que se fale mal dos governantes e que se mostre o que realmente aconteceu.
Alguns policiais vieram de fora da cidade do Rio de Janeiro e, mesmo sem que possamos identificá-los por nomes agora, disseram frases como: "Nunca vi tanta corrupção na minha vida; era uma penca de policiais descendo os morros cheios de ouro e pacotes de dinheiro nas mãos". Um nosso amigo, tenente do exército, disse: "Cara, teve bandido saindo livre, escoltado pela própria polícia!".
Enquanto os maiores bandidos saíam na boa e até com a ajuda policial, as casas eram invadidas, os pobres eram desrespeitados (o chamado esculacho) em todos os seus direitos, inclusive com episódios de abuso contra trabalhadores e mulheres, sendo que a totalmente parcial mídia global mostrava um esgoto por onde os grandes traficantes (não) teriam fugido do Complexo.
Para um grande número de pessoas em todo o país a polícia carioca foi e é heroica, pois a Rede Globo insistiu em exibir gestos desesperados de moradores que tratavam os policiais como herois a libertá-los de anos e anos de opressão do tráfico. Contudo, a vida já voltou ao "normal" no Complexo e a libertação não houve. Não haverá, infelizmente. Não há real interesse.
Como diziam os grandes Marx e Engels, em A ideologia alemã, "quem detém os meios materiais, detém também os meios intelectuais e espalham a informação como lhes for conveniente, no intuito de fazer com que se pense que essa opinião de um pequeno grupo é a opinião de todos". Assim, são muitos - quase todos - os que pensam que o Alemão está pacificado, não sabendo que há um número considerável de desaparecidos, e pensando que enfim temos um governo e um sistema policial honestos. O que temos, na verdade, é uma máquina de repressão praticamente invencível e um conluio de poder de fazer inveja aos mais vorazes demônios invisíveis.
Se haverá uma resposta para isso, não sabemos, mas temos ainda a esperança de que uma mudança na estrutura social brasileira se dê, a fim de que possamos ver nossa gente vivendo com dignidade e pacificamente, mas com paz e voz, pois, como diria O Rappa, "paz sem voz, não é paz, é medo". Enquanto não houver a paz e a voz - numa mídia que a sociedade unida tenha a capacidade de controlar, refutando a nada verdadeira voz Global -, não haverá pacificação real. Haverá apenas a pacificação que já há hoje no Complexo: para alemão ver.

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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

"Wikileaks pessoa-física, por favor".

São muitos os assuntos que deveriam ser lembrados numa retrospectiva do ano que já está em seu final. Todavia, nenhum acontecimento foi tão importante e bombástico quanto as revelações do sítio eletrônico Wikileaks, criado pelo australiano Julian Assange.
Este site, que se interessa por assuntos sigilosos da política internacional e seus representantes, é o responsável pelo imenso estrago que manchou ainda mais a reputação dos Estados Unidos da América, país que sempre se pretendeu "o berço da democracia e da liberdade individual e de imprensa".
Sem querer exagerar, mas já o fazendo, entendemos que as revelações do Wikileaks poderiam ser consideradas as mais adequadas razões para a explosão de uma nova guerra em escala mundial. Isso porque as revelações daquele site confirmam o que até aqui foi considerada apenas como uma "teoria da conspiração" ou como o despeito de um bando de "comunistas enrustidos".
Pelo Wikileaks, confirmamos de forma documentada tudo aquilo que só acessávamos pelos discursos de alguns pensadores considerados "dinossauros de uma política vermelha". Prova disso é que o site de Assange nos colocou diante de uma política estadunidense que não mede esforços para provar o improvável; se uma investigação não confirma a existência de armas químicas no Iraque, por exemplo, pior para a investigação e para os investigadores, pois basta que um helicóptero dos Estados Unidos mate mais alguns civis - entre jornalistas, intelectuais e pacifistas - para que uma teoria do medo se estabeleça e referende uma invasão criminosa e mentirosa em terras que deveriam ser soberanas no Oriente Médio.
Também descobrimos pelo site de Assange que a soberania dos povos só existe no papel, pois os Estados Unidos é que ditam as regras sobre o que é importante para o sustento deles tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Aquilo de que eles disserem "é nosso" acaba sendo considerado como ponto estratégico deles e nem se fala mais nisso.
O mais curioso é que o Wikileaks também nos fez entender que este é um planeta a serviço de Mamon, pois a força da grana falou tão alto que acabou por patrocinar a soltura de um terrorista pela Grã-Bretanha para que o seu país de origem, a Líbia, não cancelasse um acordo sobre petróleo e gás com a terra da rainha. Como vemos, quem manda é o dinheiro e não qualquer senso de justiça ou verdade.
Com tudo isso revelado pelo Wikileaks, é claro que não se poderia esperar algo diferente do que já aconteceu; Julian Assange está preso, acusado de estupro na Suécia, país onde o sexo sem proteção de preservativo é um tipo leve de estupro. Se não fosse dono da "pedra no sapato" em que se tornou o Wikileaks, estaria soltinho soltinho. Mas, como se tornou a "mosca na sopa", terá de amargar quatro anos de reclusão, se condenado. Mas o bom nisso tudo é que não se consegue prender ideias. Prendem Assange, mas suas ideias voam cada vez mais longe, ainda que os Estados Unidos tenham retirado seu site do ar, obrigando-o a ganhar hospedagem na França, na Suíça e na Alemanha.
Se não podemos mensurar os ganhos e os estragos que o sítio de Assange ainda trará, ao menos podemos nos inspirar na belíssima ideia, sonhando com um Wikileaks pessoa-física. Por este sistema, ficaríamos sabendo o que as pessoas realmente pensam sobre nós, sem as máscaras sociais que teimam em esconder uma humanidade adoecida pela mentira e pela falsidade.
Pensemos no grande ganho: descobriríamos na hora quem são os falsos profetas e nossas igrejas ficariam prontas para o ensino e a prática do bom, do justo e do melhor do mundo! Em termos ainda mais práticos, com um Wikileaks pessoa-física conseguiríamos ler os "telegramas secretos" do Marco Feliciano, do Silas Malafaia, do Jabes de Alencar, do Manoel Ferreira, do Edir Macedo, do RR Soares, do Waldomiro Santiago, do Miguel Ângelo e de tantos outros! Já pensaram no ganho que isso traria para a igreja cristã e para a humanidade como um todo?
Com um Wikileaks pessoa-física correríamos um risco que se mostra um tanto quanto interessante: a igreja evangélica e as convenções de suas denominações correriam o maravilhoso risco de se tornarem cristãs!

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sábado, 20 de novembro de 2010

"Cristianismo: a melhor possibilidade de se atualizar Marx"

Concordando ou não com o seu posicionamento ideológico, todos sabemos que é inegável a enorme importância da contribuição de Karl Marx para o pensamento crítico contemporâneo nas mais diversas áreas do conhecimento. Tanto na Economia quanto na Filosofia, na História e nas Ciências Sociais, as ideias marxianas conseguem ainda encontrar espaço privilegiado nos debates acadêmicos e em outras rodas em que se interessam por pensar o modus operandi do sistema capitalista selvagem em que nos metemos. Em épocas de crises econômicas, como a que atingiu o mundo em 2009, isso fica ainda mais evidenciado e a obra de Marx é acessada até vorazmente.
No entanto, excetuando-se aquela que seria conhecida como a Teologia da Libertação, a única esfera onde o tal pensamento marxiano sempre pareceu não encontrar muita aceitação foi a esfera religiosa. Talvez por culpa do próprio Marx, que - não atentando para o forte poder da religião na mobilização das massas contra a opressão do Estado e do capitalismo e para o poder de sociação de algumas denominações religiosas em relação a grupos socialmente excluídos - taxou a religião como simplesmente "o ópio do povo", pois algo que só faria alienar os grupos de explorados, que não lutariam contra os seus dominadores, por conta de algo que seria para Marx um "posicionamento castrador" inerente à religiosidade.
Com a mesma ideologia de Karl Marx, mas com um olhar mais atento para as religiões e sua inegável contribuição na luta contra a opressão, Friedrich Engels, Rosa Luxemburgo e António Gramsci apresentaram textos onde a religiosidade fugia à afirmativa em princípio bastante reducionista que Marx legou à humanidade. A religião veio então a ser apresentada como algo para além de um simples "anestésico" para os dramas de uma humanidade permeada por desigualdades de toda natureza.
Ao arriscarem uma comparação entre o comunismo e o cristianismo primitivo, tais autores conseguiram fazer a aproximação que Marx não conseguira e possibilitaram, por esse gesto bastante solidário e delicado, uma abertura que fomentaria o pensamento marxiano como praticamente sinônimo do cristianismo strictu sensu. Se num âmbito mais latu o cristianismo passou nos últimos anos a ser uma faceta religiosa do capitalismo alienador - vide a "Teologia da Prosperidade" neopentecostal -, o tal cristianismo strictu sensu, o chamado cristianismo primitivo, conseguiu ser exatamente o que Karl Marx apregoaria como sonho para uma humanidade realmente humana, pois comunista: todos teriam tudo em comum e não haveria quem escravizasse os outros, numa hierarquização opressora, pois todos lutariam pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo.
Embora países ocidentais hegemônicos tenham fomentado uma luta entre o bem e o mal, taxando o comunismo de mal, já que eles, os hegemônicos capitalistas, seriam "do bem", a lógica do individualismo e da luta de todos contra todos no sistema de acumulação e de propriedade privada dos meios de produção só fez gerar algo que nunca esteve tão distante da cosmovisão do Cristo. Portanto, se a tal apelação para a esfera espiritual pudesse ser acessada para a justificativa de algo que é totalmente terreno, o capitalismo estaria muito mais distante do ideal cristão do que o comunismo, pois este último seria na verdade a própria expressão da ética do Cristo: para cada um conforme a sua necessidade e de cada um conforme a sua capacidade. Os que podem mais, contribuem mais e o que necessitam mais, recebem mais. Nada mais cristão.
O que vemos, pois, é que, embora possa parecer contraditória e totalmente descabida, a máxima que dá título a este escrito consegue se fazer justificar. Afinal, se o verdadeiro cristianismo é uma religião ao redor de uma mesa, onde todos podem ter o mesmo pedaço de pão, se tornando cumpanis - do latim, "com quem você come o pão" -, quem melhor do que os comunistas para nos ensinar o abrasileiramento da palavra companheiro?

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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

"A Reforma Protestante e o imenso equívoco evangélico"

Está chegando aquele que deveria ser o dia mais importante para o segmento religioso evangélico, embora não seja nem lembrado como um dia de festa. Dia 31 de outubro é comemorado o dia em que o monge Martinho Lutero pregou as suas 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg, na Alemanha, protestando contra os desmandos da Igreja Católica do século XVI.

Embora seja um dia em que se deveria festejar com toda sorte de comemorações, o dia que fecha o mês de outubro, mesmo entre os ditos protestantes, só consegue ser um dia de importação de cultura estadunidense, para que o chamado "dia das bruxas" traga suas brincadeiras, escondendo a potência do evento que mexeu radicalmente com as estruturas sociais do Ocidente, contribuindo também para instaurar a chamada Modernidade.

A pergunta que fica, porém, é: Por que a Reforma não tem nem de longe o efeito que deveria ter no segmento evangélico brasileiro? Simples; porque o povo evangélico brasileiro não é protestante. Ao contrário do que se pensa, os evangélicos são mais católicos do que em última instância pensam ser. Para provar tal tese, além de mostrar que o dia 31 de outubro não será dia de festa - a não ser por razões eleitorais, visto que teremos eleições presidenciais - intento descrever em poucas linhas as diferenças e semelhanças entre ser protestante e pensar ser protestante.

O tripé da Reforma, como é sabido, é a junção do sola fide com o sola gratia e o sola scriptura. Isto é, salvação somente pela fé, somente por graça e somente através das Escrituras Sagradas. E, para radicalizar ainda mais a situação, Lutero, bebendo na sabedoria aristotélica, apregoa o chamado "sacerdócio universal de todo crente". Isso sim foi considerado protestar no século XVI, pois a universalização do sacerdócio traria, sem titubeios, a queda da hierarquia da cúria romana.

O problema é: será que os cristãos entendem a dimensão de tais propostas luteranas? Penso que não e até entendo, pois o próprio Lutero tentou voltar atrás, uma vez que percebeu que ser protestante era algo para muito além do que ele mesmo sonhara em princípio. Mas a coisa já estava feita e não tinha mais como o monge revoltado voltar atrás, exceto construindo um protestantismo com fortes bases católicas, como foi mesmo o que veio a acontecer, descontentando outros reformadores, como Calvino, Melanchton e Zwinglio.

Analisando com cuidado as implicações das máximas que permearam o nascimento do protestantismo, percebemos que o catolicismo medieval ainda é forte nas nossas relações de evangélicos. Embora seja uma tese para gerar debates até acalorados, ninguém pode negar que somos mais dependentes da hierarquia sacerdotal do que nunca. Afinal, até na hora de exercermos nossa cidadania delegamos nossas decisões democráticas aos líderes - muitas vezes mal intencionados - de nossas comunidades de fé. 

A postura do pastor Silas Malafaia, tentando colocar "cabresto" no voto de milhares de evangélicos assembleianos - e conseguindo inicialmente até algum sucesso - é uma prova cabal disso. A postura de milhares - quiçá milhões - de evangélicos que sacralizam a voz do pastor como se fosse a própria voz de Deus, mesmo quando o pastor fala uma série de besteiras refutadas pela Teologia, pela Exegese, pela História e pela Arqueologia, é outra prova dessa permanência nas "trevas" do catolicismo retrógrado medieval.

Mas ser protestante é outra coisa; é saber que é a fé em Deus - e não a fé nas correntes intermináveis das igrejas evangélicas - que tem o poder de derramar a graça que redime. É saber que é a graça deste mesmo Deus, entregando Jesus para todos - e não as falsas promessas pastorais, que só são compreendidas numa confissão positiva adoecida - que realmente salva o ser humano. É saber que é Bíblia - e não a leitura interesseira que muitos líderes fazem dela - que realmente alimenta e edifica os indivíduos, assemelhando-os ao Cristo que a todos recebe sem distinção. É saber que sou eu - e não um pastor aproveitador qualquer - que tenho o poder de ser sacerdote de mim mesmo diante de Deus. Isso é que é, stricto sensu, o protestantismo.

Era isso que Martinho Lutero queria em princípio e que devemos querer agora. Afinal, a Bíblia é protesto e profecia, enquanto denúncia social, pura. Sem entendermos isso, não nos restará nada além de, no domingo próximo, comemorarmos mais uma eleição, convidando o vizinho evangélico para uma festa de halloween.

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sábado, 25 de setembro de 2010

"A infelicidade do voto de cabresto evangélico"

Eu era ainda um pré-adolescente quando pela primeira vez na vida ouvi falar de política no púlpito de uma igreja evangélica. A mim, que ainda não votava, isso nem deveria ter atingido tanto, mas confesso que o estado de medo pregado por aquele pastor me fez pensar que tudo aquilo era verdade.
Pelas palavras do missionário estadunidense que pastoreava nossa comunidade, se o candidato socialista ganhasse a eleição, vencendo Fernando Collor, nossas igrejas seriam fechadas, os cristãos seriam perseguidos e não haveria mais a liberdade de adorarmos ao nosso Senhor neste país. Aquilo me meteu medo e me fez odiar o tal homem barbudo que tinha um apelido demasiado curioso: Lula.
Mas aconteceu de o sujeito de barba ganhar eleições, depois de perder três vezes, sendo que as igrejas não foram fechadas, os cristãos não sofreram perseguição do Estado e ninguém impediu nossos cultos.
Com o tempo cresci, aprendi muitas coisas, me tornei cientista político e votei várias vezes, vendo aquele discurso, que não poderia ser chamado de outra coisa a não ser "terrorismo eleitoral religioso", desaparecer por uns anos. Pelo menos até a fala da "namoradinha do Brasil", a atriz Regina Duarte, que apareceu numa propaganda eleitoral se dizendo "com medo da eleição do Lula". Mas era parte de uma classe artística de direita e não algo de cunho religioso. Não me atingiu tanto, pois.
A religião viria a se mostrar bastante forte tempos depois, com uma eleição para o Senado Federal. Numa que já parecia peleja ganha, a candidata Jandira Feghali, do PC do B, perdeu uma eleição na véspera - tinha a vitória garantida por pesquisas até dois dias antes do pleito - para Francisco Dornelles, do PP, que utilizou-se de um fato social importantíssimo - a religião - para fazer o mesmo terrorismo que meu pastor fizera anos antes. Se Jandira fosse eleita, dizia um comunicado que Dornelles pagou para ser distribuído pelas igrejas do interior do Estado do Rio de Janeiro, o aborto seria liberado, teríamos uma "pouca vergonha com casamentos gays" e a liberdade de fé seria cerceada. Aquela eleição, já tida como ganha, se tornou uma derrota histórica para a candidata do PC do B. Sim, a religião se provava detentora de uma força descomunal.
As eleições que se aproximam também têm conseguido se valer do fator religião. Um pastor evangélico, se dizendo "defensor da moral e dos bons valores cristãos", decidiu espalhar um vídeo onde diz que o voto no PT será um voto pela liberação do aborto, pela união civil de homossexuais e pela provocação da ira de Deus, que visitaria nosso país com grande furor divino, pois ficaria irritado com a iniquidade do povo. O vídeo fez e faz sucesso e não são poucos os apoiadores de tal mensagem, pessoas que fazem de tudo para que aquele comunicado chegue "a todos os evangélicos e pessoas de bem do país". Mas a empreitada parece repetir as mentiras do passado.
É importantíssimo dizer que a questão versa sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), que, para muito além de assuntos como as discussões acerca do aborto e união civil de homossexuais, é uma empreitada pela instauração de direitos humanos de toda natureza.
Importante também lembrar que a luta dos homossexuais pela união civil de pessoas do mesmo sexo não é algo partidário, mas uma busca de um movimento social como qualquer outro. Incomoda alguns mais conservadores e isso já era de se esperar, todavia, essa luta, pelo que vemos e entendemos de movimentos sociais, não deixará de existir se um ou outro partido tomar o poder. Se qualquer um de nós perguntar aos homossexuais se eles deixariam de lutar por esse objetivo a depender do partido que venha a vencer as eleições, a resposta será um categórico NÃO. Portanto, falar que um partido no governo seria algo a fomentar isso, não é verdade, pois o pleito de homossexuais estará em pauta de luta ganhe o partido que ganhar.
Do mesmo modo, a luta das mulheres, sobretudo as do movimento feminista, pelo direito ao aborto não será deixada de lado por causa deste ou daquele partido vencedor da eleição.
Outra questão curiosa é o fato de que a ira de Deus - que foi "profetizada" para o caso de o país se deixar levar por uma eleição num partido como o PT - não se acendeu sobre a nação por conta de um grupo de pastores, participantes do mensalão do DEM, em Brasília, que, após ganharem propina por seus serviços ao governador Arruda, oraram para agradecer a Deus pelo crime! Interessantíssimo lembrar que nenhum dos pastores que agora fazem "terrorismo eleitoral religioso" lembrou de falar de "iniquidade" ou "ira divina" naquela ocasião. Seria porque eram pastores roubando e isso poderia ser por Deus desculpado? Claro que não. As razões parecem ser outras e bem mais profundas.
A verdade nua e crua é que os pastores que propagam esse alarde nada mais fazem do que impedir um processo democrático, obrigando suas ovelhas a votarem num candidato, e fazendo valer o que a história do país apresenta como "voto de cabresto". Votos que saem de verdadeiros "currais eleitorais" em que acabaram, infelizmente, por se tornar as nossas igrejas ditas protestantes.
Não, nossas igrejas em sua maioria não são protestantes; são evangélicas e só. Mas ser evangélico hoje em dia não significa muita coisa. Qualquer elemento mal intencionado vende discos aos borbotões - e com músicas de péssima qualidade, diga-se - com o rótulo bastante vendável de "evangélico". Por conta disso, envergonhado de me dizer evangélico, passei a optar pela nomenclatura protestante.
Infelizmente, nossas igrejas estão abarrotadas de gente facilmente manipulável. Todas ávidas por votar sem qualquer liberdade, desde que seja no "candidato do pastor". Infelizmente, também, nossa liberdade protestante foi cerceada por evangélicos que retornaram às práticas medievais, nada mais fazendo do que adoecer o povo com alienações de toda natureza. Mas protestantismo não é isso, sabemos. Ou, pelo menos, deveríamos saber e ensinar.
Ser protestante e bom pastor de fato, profetizando a verdade e a justiça divinas, é ensinar ao povo sobre as razões que fizeram o Eike Batista nascer bilionário (pesquisem a história do pai dele, Eliezer Batista, presidente da Vale do Rio Doce quando esta ainda era uma empresa estatal), é fazer o povo entender a razão de o banqueiro Daniel Dantas não ser preso jamais, é contar a história de escravismo nas fazendas de Francisco Mendes, irmão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ensinando ao povo sobre as razões que levam o mesmo Mendes a votar contra a Lei da Ficha Limpa. Fora disso, não há justiça; não há profecia. Há alienação e mentira travestidas de verdade revelada, mas que se mostram falácias as mais grosseiras.
Oxalá Deus nos escute a oração, dando ao nosso povo pastores segundo o Seu coração e fazendo com que nossa gente queira ser vocacionada àquilo para o que Ele mesmo nos chamou; a verdadeira liberdade.

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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"A amizade e a humanidade que vêm antes do milagre"

O Evangelho de João é de fato de uma beleza incomum. Nele encontramos situações que nos movem a uma postura cada vez mais humanista e cada vez mais chegada ao que Deus espera realmente dos homens e mulheres nesta vida. Um dos textos mais conhecidos deste Evangelho é o da morte e ressurreição de Lázaro, um amigo de Jesus.

No texto que vem antes do milagre, porém, começando pelo versículo 22 do capítulo 10, Jesus está passeando pelo templo, quando é interpelado por líderes religiosos que o queriam pegar noutra de suas tradicionais "armadilhas". Jesus afirma categoricamente que de fato é o Cristo, o filho de Deus, e que faz tudo o que Deus faz, pois foi enviado para isso mesmo. Os religiosos judeus - que Jesus diz que não são suas ovelhas, pois não aceitam a sua palavra - encontram então razão para fazerem o que adoravam fazer e, pegando em pedras, obrigam Jesus a fugir da localidade, para que a morte não o encontrasse, através de pedras, antes do tempo da inadiável e fatal crucificação.

Depois disso, já um tanto distante da Judéia, o mestre de Nazaré fica sabendo que seu grande amigo Lázaro, que estivera doente, morrera e, movido por uma divina humanidade, decide que deve voltar e fazer algo pela família. Todavia, o mestre é repreendido pelos seus discípulos, uma vez que ainda havia bem pouco tempo que ele tinha fugido da morte na mesma Judéia. Apesar de esta narrativa não nos dar informações de natureza emocional tão claramente, é possível inferir que a postura de Jesus é a de um amigo fiel que, sabendo que queridos seus estão precisando de ajuda - pois mesmo estando Lázaro já morto, havia ainda algo a se fazer por aquela família enlutada e por todos os que o veriam em ação surpreendente -, decide que sua vida pode sim ser colocada em grande risco, pois nada supera o amor que uma verdadeira amizade oferece. E é tão verdadeira essa compaixão de Jesus, que Tomé, ao perceber o amor e o brilho no olhar do mestre, diz aos outros discípulos: "Vamos nós também, para morrermos com ele!" (João 11:16). Poucos falam do Tomé deste episódio, mas precisamos nos lembrar da tão rica postura de um grande discípulo, pois nenhum outro pensou do mesmo modo que aquele que, também humanamente, duvidaria tempos depois.

Em tempos em que a amizade verdadeira está cada vez mais escassa e quando o "um milhão de amigos" não passa de um número fictício em páginas de relacionamentos literalmente virtuais, é bom acessarmos um texto onde duas pessoas - Jesus e Tomé - se dispõem a colocar a própria vida em risco por causa de um amigo real.
O grande chamariz da narrativa em questão é a ressurreição do homem que já estava sepultado havia quatro dias. No entanto, o foco poderia ser outro, pois, ao invés de apenas um, que até já estava morto, poderia ter sido uma chacina de pelo menos mais 13! Tudo por causa de algo que parece, infelizmente, estar já démodé; a verdadeira amizade.

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