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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

"Já não temos mais um Papa"

Mexendo com a história da ainda muito poderosa Igreja Católica Apostólica Romana, Bento XVI acaba de renunciar. Foram oito anos de um pontificado que se mostrava "sem qualquer novidade", logo de início. Ao optarem pelo alemão Joseph Ratzinger, os cardeais católicos colocavam como líder máximo da cúria romana um dos mais geniais e também um dos mais conservadores teólogos de que se tinha notícia. No que nos toca mais proximamente, tratava-se daquele que, tendo sido presidente da "Congregação para a Doutrina da Fé" (Congregatio pro Doctrina Fidei), tinha sido o responsável pela excomunhão de um teólogo e frei brasileiro; o hoje apenas escritor e palestrante, Leonardo Boff. 

Ratzinger, tendo escolhido o nome de Bento XVI, iniciou seu pontificado com uma missão quase impossível: substituir a contento Carol Wojtyla, o Papa João Paulo II, conhecido mundialmente pelo seu carisma e por sua postura extremamente midiática, o que fez com que ele fosse até chamado de "o Papa pop", rendendo-lhe até refrão no rock brasileiro dos anos 1980. E isso, embora o pudesse "assustar", em nenhum momento o fez, até porque Wojtyla vinha de uma carreira de ator e bailarino na Polônia, sua terra natal, o que lhe deve ter ensinado a lidar com toda sorte de exposição ao público e à mídia.

Para muitos, a escolha de Ratzinger há quase uma década seria um grande retrocesso, visto que o mesmo não trazia nem de longe o carisma e a popularidade do antecessor. Todavia, surpreendem as decisões tomadas em tão pouco tempo de pontificado, haja vista o fato de ele ser considerado ultraconservador e, com toda certeza, "inferior" a um antecessor que, de tão popular, chegou a inspirar torcidas de futebol, algo jamais imaginado para o décimo sexto Bento. Para que as tais decisões raras acontecessem, Bento XVI fez já em 2005 uma análise da situação da cúria romana, o que o fez chegar a uma conclusão demasiado forte: "quanta sujeira e quanta soberba existe na igreja e entre aqueles que se deveriam entregar ao Redentor".

Buscando fazer algo que pudesse "limpar" tal sujeira, Bento XVI expulsou o mexicano Marcial Maciel, fundador dos "Legionários de Cristo", por conta de casos de pedofilia. Na mesma linha, o Papa modificou o Código Canônico, instituindo a política de tolerância zero com os clérigos que tivessem em seu poder qualquer tipo de pornografia infantil, e entregando-os à justiça comum, já que "o perdão não substitui a justiça". Ainda, denunciou a corrupção e o tráfico de influência no Vaticano, pedindo inclusive uma varredura no banco local, o que fez com que muita sujeira e atos de corrupção fossem encontrados. Também, e embora tenha continuado contrário ao sacerdócio de homossexuais, concedeu mais dispensas do que João Paulo II para que padres pudessem se casar.

Deste modo, e numa análise comparativa, a surpresa se estabelece: muito mais conservador parece ter sido Carol Wojtyla. Progressista mesmo foi Joseph Ratinger, já que este mexeu no vespeiro que o antecessor parecia fingir que não existia. A diferença se coloca claramente, mas quase não foi percebida, já que a condição de "homem de mídia", fortemente vivenciada por João Paulo II, chegou até a confundir o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, que enxergou mais benefícios naquele do que no Bento que agora renuncia. Para Pondé, Bento XVI errou por não saber falar às massas, mas, na verdade dos fatos, João Paulo II, tão bom de massas, não fez para além de instituir mundo afora uma rede de mídia que o ajudou a ajustar contas com os regimes comunistas, já que ele conseguia, fora da "cortina", o cego e incondicional apoio de outros tipos de "Pravdas" e "Izvestiyas" (jornais russos), coisa que Stalin também conseguia, só que do lado de dentro.

A pergunta que não cala, portanto, é: se sai um Papa que, esgotado por não conseguir mudar o estado de coisas que se estabeleceu no Vaticano, e deixando um insuportável lamaçal e uma penosa agenda para o sucessor, qual será a escolha do conclave que agora se inicia? Um Papa mais jovem e duro com as posturas seculares da corrupta cúria romana (como quer Joseph Ratzinger, que inclusive apoia o Concílio Vaticano II, uma espécie de abertura da igreja para o mundo, praticamente ignorado por João Paulo II), ou um "amigo de todos", inspirador de torcidas de futebol e ator de grande categoria? E o primeiro item da agenda papal; será mesmo uma revisão do celibato clerical? Claro que não; falar de celibato é falar de algo que só midiaticamente interessa. Muito mais interessante é começar por uma séria reflexão sobre uma manchete de jornal do dia seguinte à renúncia de Joseph Ratzinger: "Ao deixar pontificado, Bento XVI perde o dom que o tornava infalível". Haja debate.

liberdade, beleza e Graça...  


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

"Adoção: ser for de negros, é algo muito fácil e rápido"

O debate sobre as relações raciais no Brasil tem pelo menos duas grandes correntes teóricas: o Continuum de Cor e o Racismo Estrutural. Tais escolas divergem radicalmente acerca das ações afirmativas baseadas na raça, sobretudo quando se trata das cotas para negros nas universidades e órgãos públicos. Para os adeptos do Continuum de Cor, não se pode afirmar categoricamente quem é negro no Brasil, uma vez que os próprios negros se utilizam de mais de 130 nomenclaturas para se autodeclararem etnicamente. Para além disso, tais pesquisadores não identificam posturas racistas explícitas no país, o que faz com que o Brasil seja até considerado, por alguns desses autores, como um país a-racista, tendo em vista uma "harmonia racial onde raramente se vê algo que pode ser chamado de racismo". Nesta direção de pensar se encontram grandes antropólogos como Peter Fry e Yvonne Maggie, pesquisadores do IFCS-UFRJ.

Noutra direção, os pesquisadores do Racismo Estrutural - aonde este que vos escreve também se encontraentendem que a estrutura brasileira é racista, independentemente das posturas racistas explícitas, que para eles não são tão raras como alguns afirmam, bastando que haja um olhar mais atento. Ainda que tal olhar não seja tão vivenciado, no entanto, pesquisadores como o historiador Edson Borges, o antropólogo Jacques d´Adesky e o sociólogo Sales Augusto dos Santos entendem que os números do acesso à educação, saúde e renda corroboram uma distância muito grande quando se compara os grupos negros e os brancos. Para além de tais números, disponíveis a quem quiser acessar, mas praticamente ignorados pelos adeptos do Continuum de Cor, eventos marcantes na história brasileira fomentam o debate e colocam as teses do Racismo Estrutural em grande evidência. Foi o que aconteceu nos últimos dias em Campinas, interior de São Paulo, e no Rio de Janeiro. 

Em Campinas, a Polícia Militar lançou um documento onde a identificação de ladrões era "selada" com um rótulo demasiadamente curioso: "elementos de cor suspeita", isto é, se os soldados se deparassem com jovens brancos, não precisariam desconfiar, mas, se encontrassem sujeitos pretos e pardos, "a abordagem deveria ser imediata", pois estes têm aquilo que a polícia tem chamado de "cor padrão" ou "suspeita". Na mesma semana, um menino negro foi instado a se retirar de uma concessionária BMW na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, pois estaria "perturbando a paz local, na insistente atividade de pedinte". O que o vendedor não sabia é que o menino negro era filho adotivo do casal branco que estava comprando o carro! Sim, o menino, que não pedia nada e estava muito bem vestido por sinal (mas o racismo não deixa perceber esses "detalhes") estava na sala de espera, vendo desenhos animados, quando decidiu se aproximar dos pais, no que foi rispidamente impedido pelo vendedor, já que "esses meninos negros só perturbam e atrapalham a vida da gente; eles só ficam nessa de pedir dinheiro". Como é possível ver, a cor chega antes, ainda que não haja qualquer atitude suspeita ou que as roupas do "suspeito" sejam "roupas de branco".

Para fechar a "quinzena racial", travando contato com uma conselheira tutelar, numa cidade do interior do Rio de Janeiro, este que vos escreve deparou-se com algo que é, no mínimo, material para uma grande tese de doutorado. Perguntando sobre os critérios para se entrar numa fila para adoção, a curiosa resposta foi: "Você quer branco, ou se for negro serve?". A conversa, claro, não poderia parar por aí, visto que um sociólogo, pesquisador de relações raciais no Brasil, estava nela e se interessou ainda mais. "Pode ser negro, sim". "Ah, aí é bem fácil, pois negro ninguém quer e quase todas as crianças negras ficam conosco até os dezoito anos, já que alguém adotar negros é algo muito difícil; ninguém quer criança negra. Agora, se quiser branca, sobretudo de olhos claros, tem até que pagar!". Depois de tal "soco no estômago", fica impossível não pensar em alguns autores do Continuum de Cor, como o Ali Kamel, cientista social e diretor de jornalismo da Rede Globo, que diz que "o país é a-racista, não havendo qualquer razão para se aprovar cotas, visto que negros e brancos são tratados da mesma maneira no Brasil". Pensando no Kamel, o autor que vos escreve quase foi convencido a mudar o tema de sua tese de doutorado, mas, já no meio do processo, preferiu deixar tal rico tema - este da adoção baseada na cor - para um possível pós-doutoramento. Até lá, talvez ele até já seja pai da Antônia; uma menina negra.

liberdade, beleza e Graça...    

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

"Tragédia em Santa Maria"

Toda grande tragédia tem um particular modo de se apresentar: primeiro vêm os números, depois vêm os rostos, depois vêm as histórias. Na madrugada de ontem, dia 27 de janeiro, mais uma delas, infelizmente, ocorreu; trouxe números (assustadores demais até), trouxe rostos (belos demais até), trouxe histórias (ávidas de vida demais até). Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, uma boate superlotada recebia o show de uma banda regional. Segundo informações dos mais variados meios de comunicação, havia gente demais, material anti-incêndio de menos (na verdade, os extintores estavam vazios e não havia saída de emergência), artefatos inflamáveis para todos os lados, do teto ao chão, e havia, também, um miserável sinalizador; uma espécie de fogo de artifício incumbido de trazer "efeitos especiais" aos olhos dos presentes.

O "se" apareceu, como sempre, na tentativa de se buscar os culpados e de se evitar o que não pode mais ser evitado. "Se os seguranças não tivessem travado as portas, para que não se saísse sem pagar, as pessoas poderiam ter saído com vida"; "se a vigilância do poder público funcionasse em casas privadas, aquela boate nem estaria aberta, já que estava em situação demasiado irregular"; "se os fogos de artifício fossem proibidos em lugares fechados, isso não teria ocorrido aqui, assim como não teria ocorrido em várias partes do mundo, onde o mesmo tipo de tragédia já ocorreu". Com dor no coração, e também participando da indignação que a todos toma, é preciso ser forte para afirmar que, pelo menos para Santa Maria, o "se" não pode ajudar em mais nada, uma vez que mais de duzentos e trinta caixões desceram à cova hoje, subvertendo uma ordem que ninguém gosta de ver subvertida: os pais, com corações arrebentados e com interrogação surda no olhar, enterrando seus muitos e jovens filhos. 

Da indignação ao ódio; do sentimento de perda - que jamais conseguiremos compartilhar totalmente com as famílias enlutadas - à busca por um lampejo que possa trazer esperança, fica a tentativa de cavar, decepcionado, no vernáculo, algo que possa expressar o tamanho do rombo no peito, a quantidade de peso que se perde em líquido. Sem sucesso, só a poesia de um também jovem, também gaúcho, Fabrício Carpinejar, para tentar dar alento: "Morri em Santa Maria hoje/ Quem não morreu?/ Morri na Rua dos Andradas, 1925/ Numa ladeira encrespada de fumaça". Estamos em luto.

liberdade, beleza e Graça...

Ps: Queria que a postagem de número 100 deste blog fosse sobre algo feliz. Não deu.


domingo, 6 de janeiro de 2013

"Batistas bonzinhos e mocinhas evangélicas nas novelas"

Quando a teledramaturgia, através das novelas e minisséries, busca apresentar sua visão daquilo que seria uma pessoa evangélica, quase sempre acontecem equívocos - e até maldades - de irritar a milhões de pessoas. Como já foi mostrado em outros textos neste espaço, evangélico acaba sempre sendo apresentado como ladrão - quando a história versa sobre pastores e outros personagens do sexo masculino - ou como prostituta travestida de santinha - quando se trata de personagens do sexo feminino. Por conta disso, houve um tempo em que os líderes evangélicos tentavam fazer com que seus fiéis se afastassem das novelas e de programas que eram por eles chamados de "prejudiciais à fé cristã". A "ordem" era: "desligue a televisão, meu irmão!". Com a compra da Rede Record por evangélicos neopentecostais, a "ordem" mudou para: "troque de canal, meu irmão!".

Se isso não afetava à maior detentora de audiência televisiva do país, a Rede Globo, a coisa começou a mudar de figura com o advento do crescimento da bancada evangélica no Congresso Nacional e com o crescimento vertiginoso do contingente de evangélicos da nação, crescimento este que catapultou tal segmento a uma condição de "mercado consumidor demasiadamente interessante". Ignorar 25% da população economicamente ativa, e de um público consumidor fiel, que ainda não se sente à vontade com a pirataria, seria uma besteira imensa para quem gosta de lucrar ao máximo, que é o caso de todo conglomerado de mídia. Está aí a explicação para o fato de a música gospel ser a mais lucrativa e a única que resiste ao "admirável mundo novo da cópia". Thalles Roberto, obviamente, agradece.

Para não perder tal filão econômico, então, a Globo resolveu dar mais um "golpe de mestre": separar o que é ser evangélico do que é ser membro da Igreja Universal ou de comunidades que com ela se parecem. Assim, grupos tradicionais como os batistas passaram a receber o que nunca se imaginou que a Rede Globo pudesse aos evangélicos oferecer: reportagens no Jornal Nacional, mostrando, por exemplo, o belíssimo trabalho de tal segmento religioso com as missões urbanas, tendo a Cristolândia, projeto evangélico batista plantando em meio à Cracolândia, em São Paulo, como um local de referência social e religiosa positivas. É claro que não é de hoje a relevância social dos batistas e outros segmentos protestantes tradicionais nas comunidades mais carentes do país. Todavia, agora isso começa a interessar, pois tal público consumidor é imenso e interessa - e muito - a toda corporação capitalista que almeja lucrar com um público "fiel".

Com a perda histórica de audiência de uma novela de horário nobre, a chamada "Salve Jorge", os olhos dos diretores da Globo voltaram-se de forma ainda mais detida para os evangélicos. Sim, descobriu-se que tal público - que não obedeceu à antiga "ordem" dos pastores para desligar a tevê, pois adora novelas - não se sente à vontade para "desobedecer" dessa vez, já que "Salve Jorge" nada mais é do que um mantra que reverencia Ogum, entidade do Candomblé e da Umbanda, que são, como é sabido, expressões de religiosidade que os evangélicos não conseguem engolir. Assim, para se fazer novelas e se ter o apoio e audiência de 25% de consumidores fieis da nação, seria necessário ouvir o que os evangélicos têm a dizer. E foi o que a Globo fez! Quem diria que isso um dia aconteceria...

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, está agendado para os próximos dias um almoço entre o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, e o coordenador de projetos especiais da Rede Globo, Amauri Soares. Um dos principais pratos do almoço será a sugestão de uma mocinha evangélica numa das próximas novelas da Globo. Sim, chega de prostitutas travestidas de santas e de pastores ladrões; o negócio agora é ser protagonista e ser "do bem",  como todos os evangélicos apregoam ser. Segundo Malafaia: "Em vinte e cinco anos só vi a Globo falar bem de evangélicos uma vez. Já de católicos, o Jornal Nacional tem semana que fala bem todo dia!".

Não dá para prever aonde isso tudo vai dar, mas é interessante pensar sobre uma possível "duplicação do projeto de manipulação", já que agora se terá de enfrentar a manipulação da mídia jungida à manipulação religiosa. Com homens como Silas Malafaia à frente - e aqui poderiam aparecer também muitos Valdemiros, Soares e Macedos - é bom o segmento evangélico começar a se preparar para uma formação de opinião com muito mais imbecilidades, e agora ratificada por seus líderes! E pensar que no passado a referência de liderança evangélica era o Caio Fábio...

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Pesquisa Datafolha: Lula ou Dilma, no primeiro turno"

No último domingo, dia 16, o Datafolha divulgou uma pesquisa de intenção de voto para a presidência do Brasil em 2014, quando vence o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff. É claro que, sendo feita pelo Datafolha, instituto do conservador jornal Folha de S. Paulo, a pesquisa intentava captar, sobretudo, a força do processo da ação penal 470, batizada de "mensalão", sobre a intenção de voto dos brasileiros.

Para surpresa da grande mídia, chamada pelos mais progressistas de golpista, a pesquisa traz Lula ou Dilma como vencedores, já no primeiro turno. A independer da candidatura a ser defendida pelo Partido dos Trabalhadores em 2014 (sendo que Lula já afirmou que sua candidata é a atual presidenta), a pesquisa mostra que o PT ganharia facilmente a eleição, o que assustou, e muito, a grande mídia, fazendo com que tal pesquisa sequer fosse mencionada pela Rede Globo, carro chefe - ao lado da revista Veja - do que é hoje chamado de PIG - Partido da Imprensa Golpista.

O excelente Observatório da Imprensa chegou a conjecturar que talvez a mídia não tenha tanta força assim, ao se pensar em formação da opinião pública. Afinal, a voracidade com que Globo, Veja, Estadão e Folha trabalharam o evento "mensalão"  não poderia ser paga com um povo que "parece que não entendeu nada"! Sim, parece que a força da grande mídia não atingiu o demos, o povo; não atingiu a democracia.

Se o Observatório estiver com a razão, Marx poderá ser mais problematizado, uma vez que uma sua tese defende os detentores do poder econômico como detentores também do poder de formar opinião e gerar as demandas que mais lhes interessam. Agora, se o povo, apesar do teatro promovido em torno da ação penal 470, não mudou radicalmente de intenção, buscando uma direita que sempre o recebe (em épocas eleitorais) "de braços abertos", é porque tal povo, o demos, não forma sua opinião pela grande mídia! Se essa afirmação for verdadeira, existe razão para se ter esperança no Brasil. Existe motivação para se buscar o fim da corrupção no país. Existe, pois, saída para todos as demais mazelas sociais brasileiras, visto que a pior delas, a opinião publicada tentando ser entendida como pública, gerando alienação e manipulação, já não se conseguirá efetivar. 

Que todos os culpados por corrupção sejam punidos, sejam do mensalão do PSDB, sejam do mensalão do PT, sejam de quaisquer outros órgãos e organizações. Que o ministério público e a polícia federal tenham  sempre liberdade para investigar a todos, incluindo o procurador geral da República Roberto Gurgel, o ministro do STF Gilmar Mendes, o banqueiro Daniel Dantas e o jornalista da Veja Policarpo Júnior. Enquanto os sonhos deste parágrafo não se realizam, que o povo possa votar com liberdade, independentemente do que pensam Globo, Veja, Estadão, Folha e os demais organismos que pensam que o demos são eles. O demos é o povo; eles, na verdade, são o "demo".

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sábado, 1 de dezembro de 2012

"Toda Teologia é uma Antropologia"

Se existe uma formação que sempre terá problemas para se estabelecer academicamente, essa é a formação em Teologia. São vários os problemas que perpassam essa cadeira acadêmica, a começar pela etimologia da palavra. Sim, para começo de conversa, temos de iniciar esta provocação com uma construção lógica: quem busca a logia (reflexão, conhecimento) do socius, estuda Sociologia. Quem busca a logia do antropós, estuda Antropologia, quem busca a logia da psiquê, estuda Psicologia, quem busca a logia das palavras, estuda a Filologia, e assim por diante. Seguindo-se esse lógica, chegamos ao primeiro problema provocado por este texto: quem estuda Teologia, busca a logia do Theós, o conhecimento de Deus?

Embora a Teologia queira se estabelecer como disciplina científica, ainda está longe de o ser. Isso porque uma ciência precisa ter objeto de análise, bem como métodos e teorias. Por conta disso, a Teologia sempre foi relegada a uma posição acadêmica menor, sendo chamada de "disciplina confessional" e não de "ciência humana". Se a busca da Teologia for pela logia do Theós, o Ministério da Educação estará com a razão, pois o estudo de Deus simplesmente não pode existir, senão numa vertente confessional religiosa.

Para que se torne ciência academicamente reconhecida, a Teologia precisa se admitir como inexistente. Sim, Teologia não existe, bem como teólogos não existem! Explico, questionando: o que tem de científico no estudo teológico? Ao "fuçar" uma grade curricular de tal curso, encontraremos as razões que justificam o presente escrito. Sendo muito honesto, todas as disciplinas de um curso de Teologia são confissões de fé dogmatizadas, ou Antropologia pura e simples, com uma pitadinha de História aqui e ali. Teologia Sistemática, por exemplo: dogma puro e total razão à veemente negação do MEC (importante lembrar que quem acaba de escrever isso é um professor de Teologia Sistemática). Hermenêutica, nada além do que uma boa Análise do Discurso (Linguística) não consiga fazer. Isso se for para buscar uma construção para além do dogma, claro, pois hermenêutica em estudos teológicos mais parece uma nova Sistemática e, consequentemente, confissão de fé.

Eliminando História (de Israel, da formação das escrituras entendidas como sagradas, ou das religiões e denominações religiosas que aparecem nos cursos), que é História mesmo, e as humanidades, como Psicologia, Sociologia e Antropologia, o que sobra que se possa chamar de teológico? Nada. Alguns poderão arguir que sobra a exegese. Bem, sejamos honestos, exegese não é Teologia, levando-se em consideração a logia do Theós; é uma metodologia de pesquisa que lança mão da Arqueologia, da História, da Sociologia, da Antropologia e dos muitos estudos da Linguística para tentar chegar o mais perto possível da intenção que um autor ou texto teve para uma específica época.

Assim, já que a Antropologia Social é uma disciplina comparativa, de base sociológica, com conceitos nucleares como estrutura social, normas, estatutos e interação social, sendo por Franz Boas dividida em quatro campos de estudos, dificilmente se poderia encontrar a Teologia fora de tal alcance acadêmico. Para Boas, a Antropologia deve ser entendida com uma "abordagem de quatro campos" que a dividem em Linguística, Antropologia Física, Arqueologia e Antropologia Cultural. Como a Teologia não consegue fugir desses quatro campos para se justificar como ciência, não resta muito a dizer, senão que toda Teologia é uma Antropologia.

Agora, se admitirmos que o que buscamos analisar não é a logia do Theós, mas os discursos e práticas de grupos sociais em relação às suas divindades (tudo sendo muito bem analisado pelas quatro abordagens da Antropologia), aí sim, estaremos num caminho que se poderá chamar de científico. E, após isso, se nos perguntarem se falar em Teologia não seria um erro semântico, diremos, na boa: "Isso é só um nick; é só um fake, afinal, estamos na era do facebook!".

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terça-feira, 13 de novembro de 2012

"Da judicialização e da privatização da política"

A ação penal 470, conhecida popularmente como "mensalão", tramitando atualmente no Supremo Tribunal Federal, tornou-se a mais descarada tentativa de judicialização e privatização da política no Brasil. Isso porque uma força descomunal daquela que é chamada de "o quarto poder", a mídia, influenciou drástica e nocivamente a opinião acerca do evento, chegando ao disparate de provocar um julgamento onde os réus já entrassem condenados, o que aconteceu em quase todos os casos - ou pelo menos nos casos que mais interessavam à grande mídia.

A manobra não é inédita, pois, num caso anterior, o que versava sobre a obrigatoriedade de diploma para se exercer a profissão de jornalista, já tinha acontecido, saindo a grande mídia vitoriosa, uma vez que conseguiu proteger seus interesses, mantendo em seus quadros pessoas sem formação, mas que "era importante que estivessem em seus postos". Já no caso atual, para que conseguisse atingir seu novo objetivo, condenar os indivíduos que para o "quarto poder" já entraram condenados, foi preciso uma série de manobras jurídicas e até atos inconstitucionais, visto que o uso praticamente inédito do "domínio do fato" fez com que pessoas fossem condenadas, ainda que nenhuma prova pudesse ser computada em sua conta.

Por intermédio deste construto jurídico, o "domínio do fato", todo líder passa a ser automaticamente responsabilizado pelos atos de seus comandados, uma vez que, como foi dito durante o julgamento aqui analisado, "é impossível que não se tivesse noção do que estava acontecendo". Assim, a possibilidade de realmente não estar por dentro de atividades criminosas foi de todo descartada, numa manobra que viola o direito de se ser considerado inocente, até que se prove o contrário. Sim, até que se prove, sendo que tal prova precisa ter um peso bastante considerável, já que - no caso em questão - apenas testemunhos de adversários políticos não poderiam ter a força que tiveram, visto que testemunhos de cunho contrário também existiram, só que não levados em consideração. 

Antes que pensem o contrário, é importante ressaltar que este texto não é uma defesa do ex-ministro José Dirceu e nem do ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genuíno, até porque podem mesmo ser culpados. O foco deste escrito, por outro lado, está na extrema facilidade com que a mídia de massa envolveu a corte mais alta do país, no intuito de mostrar sua força e instaurar aquilo que Marx já preconizava em seus escritos: "quem detém a força econômica, construirá a opinião e manipulará as ideias e ideais, fazendo-os parecer universais, naturais a todos".

Em um país como o Brasil, que ainda engatinha enquanto vivenciador daquilo que se entende como uma nação democrática, é curioso perceber como a divisão de poderes - apregoada como fundamental pelo filósofo da política Montesquieu, já que só assim se poderia encontrar o equilíbrio democrático desejado - pode ser também um instrumento de total desequilíbrio e fomentador do oposto daquilo que se diz buscar. 

Retirando a força dos movimentos sociais populares na fomentação de políticas públicas de interesse de todos, sobretudo dos que mais precisam, o peso dado ao STF faz preocupar, pois, se tal casa se encontra, como já se pode ver, tão vulnerável à influência da mídia e das classes mais privilegiadas do país, de pouco ou nada adianta falar-se em democracia, uma vez que a política se encontrará judicializada - tendo o judiciário, não eleito pelo povo, a palavra final sobre as questões de interesse nacional - e privatizada - pela grande mídia e elite econômica do país -, o que acaba nocivamente submetendo a lógica pública à lógica privada.

Assim, antes que as "macacas de auditório" gritem "Joaquim Barbosa 2014", é preciso que algumas perguntas sejam respondidas pelo novo "paladino da ética brasileira": Por que o mensalão de Marcos Valério começa em Minas Gerais, com o ex-governador, do PSDB, Eduardo Azeredo, mas não começa a ser julgado assim? Por que o "ministro justo" topou desmembrar o julgamento do chamado "mensalão do PSDB", mas se recusou a fazer o mesmo com o chamado "mensalão do PT"? Por que os membros do "mensalão do PSDB" serão julgados em instâncias estaduais - exceto o líder, Azeredo - e os do "mensalão do PT" tiveram de ser julgados em nível federal? Que forças foram responsáveis por conseguir agilmente encaixar o "julgamento histórico" antes e durante um importante pleito eleitoral? Onde está o senso de justiça do ministro relator quando se trata de pessoas como o banqueiro Daniel Dantas, solto pelo próprio STF, mesmo que comprovadamente - e aí existiram provas cabais! - em crime contra o sistema financeiro nacional? Bem, como o ministro - grande curtidor dos seus 15 (já longos) minutos de fama - não se dará ao luxo de responder a este desconhecido questionador, em 2014 eu vou votar, de novo, com a força do povo!

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