Quem sou eu

Minha foto
Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

"Paulo Freire, o energúmeno e as verdadeiras hienas"

Segundo o dicionário da Língua Portuguesa, energúmeno é um ser possuído pelo demônio, um indivíduo possesso, podendo significar também, no sentido figurado informal, um indivíduo ignorante, boçal, imbecil. E foi com o termo energúmeno que o presidente Jair Bolsonaro se referiu ao educador Paulo Freire, uma das figuras mais respeitadas no mundo todo pelo seu método educacional, que consiste em ensinar a partir das vivências e dos materiais à disposição no cotidiano dos estudantes, quase sempre  não tendo estes material tradicional para a aprendizagem.  

É claro que, vindo de Jair Bolsonaro, tal ofensa não tem nenhum poder de se apresentar como surpresa, uma vez que o presidente já se mostrou totalmente inábil para o cargo, provando que não tem qualquer outra intenção, senão o confronto ideológico com um tal de comunismo que nem ele consegue mostrar o que é, já que enxerga comunismo na Argentina, no México e na Venezuela, mas não o enxerga na China, onde há inclusive o partido estatal, e único, o Partido Comunista Chinês. Para Bolsonaro, que foi instado a responder sobre a razão de não se afastar da China e nem criticá-la, como faz com outros "comunistas menores", a China não é comunista. Como o país asiático é nosso maior parceiro comercial, a leitura bolsonariana muda de estratégia e não aceita que a China seja comunista, ainda que a mesma afirme o comunismo seu de cada dia. 

O que assusta, todavia, voltando à frase motivadora desse escrito, é que, ao chamar o "comunista" Paulo Freire de ignorante e imbecil, o presidente encontrou eco, em risos e aplausos, em um grupo que diuturnamente o espera em frente ao Palácio da Alvorada, com o intuito de tirar uma selfie e ouvir algum novo mantra do "mito", que sempre tem uma frase de efeito para motivar um grupo que está disposto até a desfilar e bater continência em frente à estátua da liberdade na entrada das lojas Havan. Sem ter qualquer noção de quem foi Paulo Freire e do tamanho de mais uma asneira cometida por Bolsonaro, tal grupo de apoiadores se comporta como um bando de hienas, comendo a merda (que sai da boca do "mito") e ao mesmo tempo rindo do "boçal" educador Paulo Freire.

Noutra frente, mas na mesma direção, um vereador de Salvador, Alexandre Aleluia (DEM), apresentou projeto de lei que retira o nome de Paulo Freire de uma escola municipal da capital baiana, alterando o nome do colégio para José Bonifácio, em homenagem ao patriarca da independência do Brasil. Não se sabe ainda se haverá reação das famílias dos 264 alunos da escola, que fica no bairro Arraial do Retiro, periferia de Salvador, mas já se sabe que a perseguição ideológica bolsonarista não parará tão cedo e tende a piorar as relações humanas dentro do país, bem como a imagem internacional do Brasil, sempre tão respeitado por ter indivíduos como Paulo Freire.

Não tenho esperanças de que Jair Bolsonaro possa um dia gozar plenamente do que é considerado sanidade mental, mas, olhando atentamente para o dicionário, tenho agora a plena convicção de que estamos sendo governados por um ser que não é apenas boçal, imbecil e ignorante, mas alguém possuído, possesso. A grande crise que se estabelece é que os maiores especialistas em expulsar o mal e livrar as pessoas da possessão são os evangélicos, que, ao fim e ao cabo, são aqueles que mais estão atiçando e fortalecendo os demônios do "mito".

liberdade, beleza e Graça...

   

terça-feira, 29 de outubro de 2019

"Meu segundo discurso como patrono de turma"

Queridas e queridos estudantes, na minha terra, quando a gente convida alguém para ser patrono, essa pessoa não fala na formatura. Assim, se fosse na minha terra, a paraninfa falaria a vocês hoje, mas eu ficaria calado. Ainda bem que não estamos na minha terra. É que eu gostaria muito de dizer-lhes algumas palavras nessa noite. Ah, mas, por outro lado, na minha terra o patrono dá nome à turma. Assim, vocês não seriam mais o 3A, mas a turma Professor Cleinton Roberto de Souza. Nesse sentido, eu prefiro a tradição da minha terra. Não por questões de vaidade, mas porque seria uma honra imensa ter meu nome atrelado a essa turma. É uma grande turma para se ser lembrado por ela, para se ter o  nome ligado a ela. Eu vou sentir falta de vocês. 

Sabe, meninos, existe uma passagem bíblica em que o apóstolo Paulo escreve ao povo de uma cidade chamada Corinto, e nessa passagem ele afirma que entregou a eles, os coríntios, a mesma coisa que ele, Paulo, tinha recebido de Jesus, seu mestre. Diz assim: "Porque eu recebi do Senhor o que também lhes entreguei", e prossegue falando sobre a última ceia de Jesus na terra, momento que retratou a comunhão entre um mestre e seus discípulos. Acho que hoje é a nossa última ceia. Quando eu lembro dessa fala de Paulo, desse versículo bíblico, eu lembro de mim e de vocês; da relação que conseguimos construir em dois anos e meio, já que cheguei a vocês apenas no meio do primeiro ano desse seu Ensino Médio. 

A razão de pensar nisso diz respeito a uma frustração que tive. Isso porque eu não posso afirmar, como o apóstolo Paulo, que entreguei a vocês o que também recebi, pois não tive professores que olhassem a educação em Filosofia e Sociologia como eu olho. Como é sabido de vocês, quando eu estava no Ensino Médio, a gente jogava bola no horário dessas aulas, ou as mesmas eram apenas espaços para que cada um desse uma opinião pessoal sobre algum tema social, ganhando todos a mesma nota 8, independentemente da resposta dada. Não entendo porque 8 até hoje. Mas entendo que aquilo não era educação. Não pensaram em mim. Não pensavam nos estudantes. Por isso, nesses dois anos e meio, não lhes entreguei o que também recebi, pois não recebi. Precisei começar do zero. Entregar algo que não me tinha sido anteriormente entregue. Eu precisava criar algo, inventar um jeito de entregar o conhecimento que eu achava que vocês mereciam receber. E foi o que eu tentei fazer nesse pequeno espaço de tempo. Só vocês podem dizer se tudo deu certo. 

A vida, meninos, é feita de encontros. E de despedidas. Se a gente aproveitar o encontro, se a gente viver muito o momento, com todas as forças, a despedida é leve, e é como algo mágico; é como algo sagrado. Eu quero que essa noite seja mágica, que seja sagrada para cada um de vocês. Costumo dizer que quando a gente coloca alguém como uma pessoa que tem algo a nos dizer, e que nos ensina algo, quando a gente estabelece uma relação de ouvir o que alguém tem a dizer, a gente sacraliza o chão entre nós e essa pessoa. Eu quero agradecer a cada um de vocês por terem feito isso. Encontrei bons ouvidos em vocês. Vocês tiveram a humildade de ouvir um cara que chegou com o bonde já andando, que caiu meio que de paraquedas no meio de vocês, e vocês sacralizaram o nosso chão. 

Nessa noite tão especial de comemoração, de festa e de luz, a única certeza que tenho é a de que não me economizei em nada para com vocês. Dei tudo o que eu tinha para ser o melhor professor possível e, se não consegui ser melhor, é porque não sei ir além do ponto em que chegamos juntos, pois, se eu pudesse entregar mais de mim, podem ter certeza, eu de todo o teria feito. E essa minha vontade de entregar tudo o que eu pudesse lhes dar para a melhor formação possível me faz lembrar de uma cena maravilhosa no final do filme "A lista de Schindler", em que o protagonista, Oscar Schindler, se encontra com as 1200 pessoas que ele conseguiu salvar da morte pelos nazistas. Mas, ao contrário de comemorar a vida daqueles 1200 judeus, Schindler percebe que ainda usava um relógio e um anel. Olhando para si e para o que ainda possuía, Schindler diz: "Eu fiquei com esse anel; eu poderia ter salvado mais uma pessoa. Eu fiquei com esse relógio; talvez eu conseguisse salvar mais uns 5 ou 10". Consolado por aqueles que livrou da morte, Schindler ouve: "Você fez o melhor que pôde; estamos vivos, e somos 1200".

Queridos estudantes, metaforicamente falando, chego a essa formatura sem relógio. Chego sem anel. Eu entreguei tudo o que pude; não guardei nada. O que tinha de Filosofia, foi. O que tinha de Sociologia, foi. Não me economizei em nada. Tenho a paz de consciência de poder falar "porque eu lhes entreguei aquilo que nem eu mesmo recebi". E sem nenhum arrependimento. Podem ter certeza, fi-lo cheio de alegria e na certeza de que meu compromisso, que é com a educação pública, gratuita e de qualidade, e para todos, foi cumprido ao máximo, à risca. Enfim, tenha a plena convicção, turma Professor Cleinton Roberto de Souza, se eu pudesse, se eu soubesse fazer melhor, eu teria feito; eu teria lhes oferecido algo ainda melhor. Porque vocês sempre fizeram por merecer. "Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria. Isso pra mim é viver". Muito obrigado.

liberdade, beleza e Graça...


segunda-feira, 30 de setembro de 2019

"Bacurau"

Passar duas horas em uma sala de cinema vendo o filme brasileiro Bacurau é entender muito do que somos enquanto povo e nação. Afinal, poucos filmes conseguiriam ser tão eficientes ao retratar o Brasil de modo atemporal - mostrando o que sempre fomos - e, ao mesmo tempo, dialogar de modo tão profícuo com o  momento político que vivemos no país, ainda que o filme intente falar do "futuro". Por conta disso, se alguém me perguntar do que trata o filme, não tenho como dizer outra coisa, senão o óbvio não tão óbvio: "trata-se do Brasil". Um Brasil; o que resiste. Fala de resistência. Todos os aspectos que o ato de resistir pode apresentar.

A película de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles retrata a vida de uma cidade do sertão do estado de Pernambuco, a fictícia Bacurau, sendo que, ao mesmo tempo, retrata cada vila, cada município, cada estado, cada canto de um país que, pelo filme, acaba por ser o mesmo em qualquer circunstância, o que faz com que a obra nasça já com todas as credenciais para se tornar premiada por onde passar, recebendo a alcunha de um clássico do cinema brasileiro.

Tudo isso se dá por causa das metáforas apresentadas e pela catarse pela qual parecem passar os diretores e roteiristas, uma vez que ambos escancaram tudo o que deve ser escancarado ao se pensar um lugar esquecido pelo poder público, um lugar sobre o qual os de fora não querem saber, já que o orgulho da cidade, o museu que todos incentivam à visitação, não recebe qualquer atenção dos forasteiros, que, mesmo quando são brasileiros, teimam em considerar um local do país como inferior, "fora do mapa", em especial quando se trata da região nordeste. 

É claro que o Brasil atual e a polarização política aparecem no filme, sobretudo quando se trata de falar sobre figuras como Lunga, que nada mais é do que um líder perseguido pela justiça, mas que é defendido com unhas e dentes pelo povo, já que tem o poder de catalizar a indignação popular e fomentar a luta resistente contra a invasão estrangeira. Claro que o próprio nome Lunga faz menção ao ex-presidente Lula, também em embate com a justiça brasileira, mas defendido com unhas e dentes por milhões de pessoas, em especial pela população do nordeste, de onde ele também vem. Para além de Lula, nomes como Marielle e Anderson são citados no filme, quando da homenagem do povoado aos mortos do local, o que traz, do modo muito exemplar, a política para dentro do filme. 

Em um dos mais interessantes momentos da obra, surgem brasileiros que, não querendo ser comparados aos seus patrícios, mas considerando-se mais parecidos com os estadunidenses, são pelos estrangeiros execrados, já que os exploradores vindos do exterior sempre nos verão como inferiores e com marcas muito peculiares, ainda que pensemos que falamos um inglês "sem sotaque" ou mostremos o quão branca também pode ser a nossa pele de "colonizados por alemães ou americanos". Interessantíssimo ver que, ainda que muitos nos rebaixemos diante de estrangeiros, buscando algum elemento de solidariedade, o filme mostra que os exploradores nunca nos quererão como iguais.

Se a resistência se estabelece com a arma que os próprios estrangeiros criaram, também é interessante perceber que a tecnologia não conseguirá se estabelecer como mais importante do que a coesão social de um povo que resiste à invasão de oportunistas, ainda que um povoado não apareça no mapa ou que não tenha sinal de internet. Também é interessante notar que o local de proteção e de revide é a escola, que no filme se torna o espaço em que todos podem se refugiar, já que quem tem a educação como proteção sempre terá como resistir aos desmandos dos que vêm de fora e menosprezam um povo. 

Em meio a tantas metáforas, pois, fica a dica para que valorizemos o que é nosso, nunca abandonando a nossa história, assim como o povo de Bacurau valorizava o museu que guardava seu passado. Que também saibamos que quem nasce em um lugar desconhecido e desvalorizado por muitos não é outra coisa, senão "gente", e que, ainda que queiram nos diminuir, tratando tudo o que é nosso no diminutivo, possamos mostrar que Bacurau é um pássaro, e não um "passarinho", e que, embora pareça, não está em extinção, pois só sai à noite, já que consegue enxergar e se fazer perceber até mesmo no escuro; em tempos obscuros. 

liberdade, beleza e Graça...



sábado, 31 de agosto de 2019

"Da razão de evangélicos apoiarem cegamente Bolsonaro"

É sabido que o mundo evangélico, sobretudo os segmentos pentecostal e neopentecostal, apoiaram com todo vigor a eleição do atual presidente, o ex-deputado federal Jair Bolsonaro. Todavia, se fôssemos voltar um pouco no tempo, diríamos que tal apoio não teria como acontecer, já que, só a título de exemplo, outrora os evangélicos abominavam o divórcio, sendo que Bolsonaro é casado já pela terceira vez. No mesmo diapasão, Bolsonaro destila ojeriza por uma série de grupos minoritários no país, algo que de modo algum poderia ser atrelado ao que se prega como cristianismo, uma doutrina religiosa que visa acolher pessoas em situação de vulnerabilidade social, tal como fazia seu mestre maior, um controverso judeu que aceitava estabelecer diálogo e amizade que aqueles que, para os judeus de então, eram considerados escória da sociedade.

Do menosprezo a mulheres, negros e gays a outras posturas, como a que defende o armamento da população, além da incitação ao ódio, através de discursos e posturas belicistas, Bolsonaro passou a se colocar como o fomentador de um sistema econômico que preza pela desigualdade, já que as políticas e posturas do presidente, em especial as relacionadas à educação, à saúde e ao meio ambiente, corroboram uma situação que só faz perpetuar a lógica de que poucos devem ganhar muito e muitos devem mesmo ganhar pouco (ou nada). Assim, soa estranho o apoio de um grupo que se pretende cristão, já que praticamente todas as ações do presidente e de seus asseclas visam ratificar aquilo que certamente Jesus Cristo, o líder tão idolatrado pelos evangélicos, refutaria de pronto.

Mas por que, então, esses evangélicos apoiam tão cegamente ao governo de extrema-direita de Bolsonaro? Embora pareça difícil responder, uma linha de pensamento me faz atentar para a maneira como os evangélicos vivem  a religião e a política. Atentando em especial para os segmentos pentecostais, é possível ver que a vivência de um ambiente democrático não é tida como cara, já que, na maioria dos casos, igreja evangélica não é lugar de debate, de reflexão e muito menos de opiniões divergentes, o que, por acaso, é tudo o que configura um saudável ambiente democrático. Em quase todas as igrejas pelas quais passei, se alguém ousava pensar de modo diferente ao do pastor, logo era banido da comunidade, fosse com a "exclusão por desobediência", fosse por um processo esdrúxulo chamado "disciplina", que é quando o membro "rebelde" não pode atuar em qualquer setor da igreja, ficando apenas no banco e recebendo ensinamentos que os líderes entendem que ele deixou de aprender. 

Ademais, igrejas pentecostais e - em especial - as neopentecostais (o chamado pentecostalismo de terceira onda) não são tão cristãs como são judaicas. Explico-me melhor: em geral, o chamado protestantismo histórico se atrela muito à figura de Jesus Cristo e seus ensinamentos, com foco no Novo Testamento, o que o aproxima mais de pautas progressistas e o distancia de discursos e posturas extremadas como as que o bolsonarismo apregoa. Por seu turno, os pentecostais se agarram à pessoa do Espírito Santo, buscando uma religiosidade mais mágica e voltada aos mistérios do ser e fazer religioso, como nas experiências de visões mágicas, profecias e revelações acerca da vida alheia. No que diz respeito ao neopentecostalismo, porém, a leitura da Bíblia se dá com foco muito grande na primeira pessoa da trindade, Deus pai, figura mais presente no Antigo Testamento, que traz como mote a posse da terra e a destruição dos "inimigos da fé".

Como os segmentos que realmente crescem em um mundo evangélico em expansão são os pentecostais e neopentecostais, não é difícil inferir que é normal para esses evangélicos aceitarem que a mentira seja dita, inclusive por seus líderes, desde que tal mentira seja para proteger a fé do grupo, tal como no episódio bíblico que narra a mentira de uma mulher para proteger espiões do povo de Israel, mentira essa que fez até com que tal mulher, Raabe, fosse catapultada à condição de "heroína da fé". Do mesmo modo, não assusta a morte de adversários, já que o mesmo deus do Antigo Testamento também ordenou que, na luta pela conquista da terra que Israel queria ocupar, se pudesse e devesse matar quem aparecesse pela frente, e com muitos requintes de crueldade, tal como nas ordens para que mulheres grávidas de povos inimigos fossem rasgadas pelo ventre com espadas bem afiadas. Então, se crentes aceitam que isso seja naturalizado, mesmo fora de contexto, já que milhares de anos se passaram e se tratava de uma postura judaica para problemas judaicos da época, com certeza não se importam com a violência, a corrupção e a mentira nos dias de hoje, desde que sejam exercidas contra os "inimigos da fé", o que faz com que tais segmentos evangélicos perdoem o Queiroz, o Flávio, o Carluxo e todo o laranjal que os cerca, desde que tudo seja feito "em nome de deus".

liberdade, beleza e Graça...    



sexta-feira, 26 de julho de 2019

"Moro e Dallagnol são criminosos: alguém fará algo?"

Já é sabido que o site de jornalismo investigativo The Intercept Brasil - agora juntamente com a Revista Veja, o colunista Reinaldo de Azevedo e o Jornal Folha de S. Paulo - confirmou, através de rigorosos exames jornalísticos, a autenticidade do material que comprova o conluio formado pelo ex-juiz Sergio Moro e o Ministério Público Federal, em especial na pessoa de seu líder, o procurador Deltan Dallagnol, no intuito de burlar o sistema jurídico nacional, visando, como se a Operação Lava Jato fosse um grupo ou partido político, interferir no resultado das eleições de 2018, no que foram exitosos, como se pode agora ver. 

A pergunta que fica é se, após tantas provas, o agora Ministro da Justiça e Segurança Pública vai continuar no cargo, já que tem, com o apoio da grande mídia, tentado mudar o foco para a forma como as informações chegaram ao conhecimento público, visto que agora chama de "flagrante ilegalidade" o que ele mesmo fez, quando do vazamento ilegal de conversas da ex-presidente Dilma Rousseff, momento no qual o então juiz disse que "não importava a forma por meio da qual a conversa foi obtida, mas sim o conteúdo do diálogo", que seria "de grande interesse nacional". 

Também é de muito interesse nacional saber como um juiz pode atuar como líder de uma força tarefa, já que assumiu uma das partes e articulou a derrota da outra, demostrando que não manteve a imparcialidade necessária, o que o coloca em suspeição e, legalmente, anula todos os atos do mesmo na operação que o catapultou à condição de Ministro de Estado. Todavia, com a polarização política esgarçada como está - e com um presidente que não entende que a campanha política acabou, incitando seu eleitorado mais radical a tomar posturas belicistas - não se sabe como será possível que Moro, que teria de ser investigado pela Polícia Federal, será atingido, visto que tal polícia está sob seu controle, o que pode até culminar no que alguns já chamam de "polícia política de Moro".

A fome por dinheiro já desbancou o evangélico Deltan Dallagnol, que nada mais queria do que enriquecer com palestras, montando empresa com a esposa como laranja. Assim também, a fome por poder acaba por desbancar o superministro Moro, que, no afã de uma vaga no Supremo, acabou com qualquer chance de figurar lá como ministro, já que só um bolsonarista louco ainda acredita nisso. Se ambos vão cair, perdendo seus cargos e sendo julgados por prevaricação e formação de quadrilha, já é outra e muito mais difícil questão. Mas uma coisa é certa, quando começarem a surgir os áudios mais dolorosos para o ministro Moro, não restará ao Presidente da República outra coisa, senão continuar a colocar a mão no fogo apenas pela famiglia.

liberdade, beleza Graça...   



quinta-feira, 27 de junho de 2019

"E eis que o The Intercept Brasil salva o ano"

A revista Veja, conhecida no Brasil por se alocar à direita do espectro político, fez um mea culpa importantíssimo; ao reconhecer que tratou, em várias de suas capas e reportagens, o ex-juiz, e agora Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro como herói, a Veja se desculpa com seu público, ainda que a maioria de seus leitores continue a apoiar Moro, já que a revista semanal, em posse de material compartilhado pelo site The Intercept Brasil, chegou à conclusão de que o ex-juiz realmente foi antiético e agiu de forma parcial e política nos processos da Operação Lava Jato, em especial no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pode parecer pouca coisa, mas, assim como aconteceu com as Organizações Globo, quando admitiram - em rede nacional em seu telejornal mais importante - que erraram ao apoiar a ditadura militar no Brasil, assumir um erro é algo fundamental para que novos não sejam cometidos, embora não se possa garantir que o semanário de notícias não venha a cometer novos equívocos, dado que o viés ideológico da revista acaba sempre por enviesar um sem número de informações que nos chegam semanalmente. Ainda assim, é importante ter a Veja trabalhando jornalisticamente sobre o material vazado para o The Intercept, sobretudo por conta da importância, para o sistema democrático nacional, da união de veículos de mídia de vários vieses na elucidação de casos que muito interessam à opinião pública do país, intentando defender o chamado Estado Democrático de Direito. 

Tal como a Veja, o Jornal Folha de S. Paulo também firmou parceria com o The Intercept, assim como importantes colunistas, incluindo aí o anti-petista Reinaldo de Azevedo, que, por conta de sua postura em programa na Rádio Band News FM, tem até sido chamado de "petista", já que a falácia de generalização tem tomado as consciências bolsonaristas, visto que tais indivíduos chamam de petista todo aquele que discorde das posturas do governo federal, o que os fez chegar ao absurdo de chamar o Movimento Brasil Livre - MBL, que é assumidamente direitista, de "grupo petista", uma vez que tal movimento não aceitou participar de uma manifestação conservadora que pedia, entre outras coisas, a volta do regime militar e o fechamento do Congresso Nacional. 

Embora não se possa ainda mensurar a dimensão do trabalho jornalístico que agora une indivíduos de vários espectros políticos numa mesma empreitada, será importante ver como resistirá o nosso Estado Democrático de Direito, sobretudo com o contra-ataque do ministro Moro, que não parece disposto a deixar o cargo, ainda que não consiga provar que não falou e não fez o que falou e fez. De todo modo, já podemos alterar a ordem dos fatores, pois, se em uma de suas equivocadas capas a Veja afirmou que o então juiz Sergio Moro tinha "salvado o ano", é hora de reconhecermos que, mais do que o ano, talvez o The Intercept tenha nos salvado a democracia. 

liberdade, beleza e Graça...     


quarta-feira, 29 de maio de 2019

"E conhecereis a verdade..."

O Brasil está em um momento único de sua história. O maior furo jornalístico de que se tem notícia no país tomou a internet nos últimos dias, quando o site The Intercept Brasil, fundado pelo renomado jornalista estadunidense - ganhador dos prêmios Pulitzer e Esso de jornalismo - Glenn Greenwald, publicou mensagens trocadas entre o ex-juiz federal e hoje ministro da justiça e segurança pública, Sérgio Moro, com o procurador federal Deltan Dallagnol. As conversas, nada republicanas, mostram uma trama para, burlando o devido processo legal, conseguir em tempo recorde condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão, ainda que os mesmos admitissem não terem provas para o mesmo, além de impedirem que Lula desse entrevista na prisão, pois os próprios procuradores temiam que isso "pudesse eleger o (Fernando) Haddad" (candidato de Lula à presidência). 

Se em um primeiro momento, quando 4 arquivos foram liberados, as conversas e as tramas ilegais foram vistas como um flagrante descumprimento da Constituição e do Código de Processo Penal do país, além de um forte ataque ao Estado Democrático de Direito, um novo momento, que detalha tais conversas, trazem ainda a participação de um membro do Supremo Tribunal Federal - STF, o ministro Luiz Fux, sendo este, pelas palavras de Dallagnol, um apoiador de tudo o que a Operação Lava Jato e seus procuradores politicamente combinavam.

As primeiras respostas de Moro, Dallagnol e da grande mídia, ancorada em especial na Globo, apontam para o possível hackeamento dos dados e se fala em punir os possíveis invasores, mas sem negar o conteúdo de tudo o que ali foi revelado. Todavia, é importante lembrar que, sobre situação similar, acerca de quando vazou dados obtidos ilegalmente de uma conversa telefônica entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, Moro, em entrevista ao jornalista Pedro Bial, disse que "não importavam os meios, mas o conteúdo do diálogo", o que agora ele mesmo refuta, pois o foco está em desqualificar aqueles que apontam aquilo que o ex-juiz ilegalmente fez. 

Qualquer pessoa que aprecie o Direito e conheça um mínimo de processo penal sabe que as três partes envolvidas em um processo, o Ministério Público que acusa, o juiz que julga e os advogados que defendem, não podem tratar do caso em reservado, sobretudo com duas partes tramando como poderiam juntas vencer a terceira (o que as gravações mostram sobre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol), visto que isso colocaria o juiz em suspeição e tornaria os atos por ele confirmados totalmente nulos, isto é, invalidaria todo o processo, desde o recebimento da denúncia até a proclamação da sentença. 

É sabido que a escola de jornalismo investigativo estadunidense tem por princípio publicar aquilo que tem peso moderado em um primeiro momento, guardando questões mais graves para um momentos posteriores, pois as partes envolvidas teriam como buscar tornar banais o material divulgado, inclusive com falácias contra os envolvidos na publicação e acusações contra os responsáveis por entregar o conteúdo para que jornalistas pudessem publicar, o que até aqui tem sido apontado para hackers invasores de linhas telefônicas de procuradores e do ex-juiz e agora ministro. 

Se tal escola se mantiver firme em seus princípios, o pior sobre toda a articulação política entre Moro, Dallagnol e outros membros do judiciário - e até da mídia, em especial o Grupo Globo - ainda está por vir, o que possivelmente implicará em julgamento de Dallagnol pelo Conselho Nacional dos Procuradores Públicos e na exoneração do ministro Sérgio Moro, o que seria um forte golpe no governo de Jair Bolsonaro, já que este tem em Moro um dos seus principais pilares a sustentar uma popularidade que, focada apenas em Bolsonaro, já começa a despencar, ainda que com apenas 5 meses de governo, governo este que começa a confirmar a frase bíblica que o fortaleceu religiosamente; "e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Sim, estamos conhecendo a verdade; só não sabemos ainda como ela realmente poderá nos libertar.

liberdade, beleza e Graça...


ps: caros, o texto data de 29/05, pois o tempo para escrever me era curto e o espaço estava reservado para outro assunto, todavia, a potência do que escrevo e publico nesse dia 13/06 me faz colocar aqui algo que só aconteceu a partir de domingo, dia 09/06.