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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Pesquisa Datafolha: Lula ou Dilma, no primeiro turno"

No último domingo, dia 16, o Datafolha divulgou uma pesquisa de intenção de voto para a presidência do Brasil em 2014, quando vence o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff. É claro que, sendo feita pelo Datafolha, instituto do conservador jornal Folha de S. Paulo, a pesquisa intentava captar, sobretudo, a força do processo da ação penal 470, batizada de "mensalão", sobre a intenção de voto dos brasileiros.

Para surpresa da grande mídia, chamada pelos mais progressistas de golpista, a pesquisa traz Lula ou Dilma como vencedores, já no primeiro turno. A independer da candidatura a ser defendida pelo Partido dos Trabalhadores em 2014 (sendo que Lula já afirmou que sua candidata é a atual presidenta), a pesquisa mostra que o PT ganharia facilmente a eleição, o que assustou, e muito, a grande mídia, fazendo com que tal pesquisa sequer fosse mencionada pela Rede Globo, carro chefe - ao lado da revista Veja - do que é hoje chamado de PIG - Partido da Imprensa Golpista.

O excelente Observatório da Imprensa chegou a conjecturar que talvez a mídia não tenha tanta força assim, ao se pensar em formação da opinião pública. Afinal, a voracidade com que Globo, Veja, Estadão e Folha trabalharam o evento "mensalão"  não poderia ser paga com um povo que "parece que não entendeu nada"! Sim, parece que a força da grande mídia não atingiu o demos, o povo; não atingiu a democracia.

Se o Observatório estiver com a razão, Marx poderá ser mais problematizado, uma vez que uma sua tese defende os detentores do poder econômico como detentores também do poder de formar opinião e gerar as demandas que mais lhes interessam. Agora, se o povo, apesar do teatro promovido em torno da ação penal 470, não mudou radicalmente de intenção, buscando uma direita que sempre o recebe (em épocas eleitorais) "de braços abertos", é porque tal povo, o demos, não forma sua opinião pela grande mídia! Se essa afirmação for verdadeira, existe razão para se ter esperança no Brasil. Existe motivação para se buscar o fim da corrupção no país. Existe, pois, saída para todos as demais mazelas sociais brasileiras, visto que a pior delas, a opinião publicada tentando ser entendida como pública, gerando alienação e manipulação, já não se conseguirá efetivar. 

Que todos os culpados por corrupção sejam punidos, sejam do mensalão do PSDB, sejam do mensalão do PT, sejam de quaisquer outros órgãos e organizações. Que o ministério público e a polícia federal tenham  sempre liberdade para investigar a todos, incluindo o procurador geral da República Roberto Gurgel, o ministro do STF Gilmar Mendes, o banqueiro Daniel Dantas e o jornalista da Veja Policarpo Júnior. Enquanto os sonhos deste parágrafo não se realizam, que o povo possa votar com liberdade, independentemente do que pensam Globo, Veja, Estadão, Folha e os demais organismos que pensam que o demos são eles. O demos é o povo; eles, na verdade, são o "demo".

liberdade, beleza e Graça...
  

sábado, 1 de dezembro de 2012

"Toda Teologia é uma Antropologia"

Se existe uma formação que sempre terá problemas para se estabelecer academicamente, essa é a formação em Teologia. São vários os problemas que perpassam essa cadeira acadêmica, a começar pela etimologia da palavra. Sim, para começo de conversa, temos de iniciar esta provocação com uma construção lógica: quem busca a logia (reflexão, conhecimento) do socius, estuda Sociologia. Quem busca a logia do antropós, estuda Antropologia, quem busca a logia da psiquê, estuda Psicologia, quem busca a logia das palavras, estuda a Filologia, e assim por diante. Seguindo-se esse lógica, chegamos ao primeiro problema provocado por este texto: quem estuda Teologia, busca a logia do Theós, o conhecimento de Deus?

Embora a Teologia queira se estabelecer como disciplina científica, ainda está longe de o ser. Isso porque uma ciência precisa ter objeto de análise, bem como métodos e teorias. Por conta disso, a Teologia sempre foi relegada a uma posição acadêmica menor, sendo chamada de "disciplina confessional" e não de "ciência humana". Se a busca da Teologia for pela logia do Theós, o Ministério da Educação estará com a razão, pois o estudo de Deus simplesmente não pode existir, senão numa vertente confessional religiosa.

Para que se torne ciência academicamente reconhecida, a Teologia precisa se admitir como inexistente. Sim, Teologia não existe, bem como teólogos não existem! Explico, questionando: o que tem de científico no estudo teológico? Ao "fuçar" uma grade curricular de tal curso, encontraremos as razões que justificam o presente escrito. Sendo muito honesto, todas as disciplinas de um curso de Teologia são confissões de fé dogmatizadas, ou Antropologia pura e simples, com uma pitadinha de História aqui e ali. Teologia Sistemática, por exemplo: dogma puro e total razão à veemente negação do MEC (importante lembrar que quem acaba de escrever isso é um professor de Teologia Sistemática). Hermenêutica, nada além do que uma boa Análise do Discurso (Linguística) não consiga fazer. Isso se for para buscar uma construção para além do dogma, claro, pois hermenêutica em estudos teológicos mais parece uma nova Sistemática e, consequentemente, confissão de fé.

Eliminando História (de Israel, da formação das escrituras entendidas como sagradas, ou das religiões e denominações religiosas que aparecem nos cursos), que é História mesmo, e as humanidades, como Psicologia, Sociologia e Antropologia, o que sobra que se possa chamar de teológico? Nada. Alguns poderão arguir que sobra a exegese. Bem, sejamos honestos, exegese não é Teologia, levando-se em consideração a logia do Theós; é uma metodologia de pesquisa que lança mão da Arqueologia, da História, da Sociologia, da Antropologia e dos muitos estudos da Linguística para tentar chegar o mais perto possível da intenção que um autor ou texto teve para uma específica época.

Assim, já que a Antropologia Social é uma disciplina comparativa, de base sociológica, com conceitos nucleares como estrutura social, normas, estatutos e interação social, sendo por Franz Boas dividida em quatro campos de estudos, dificilmente se poderia encontrar a Teologia fora de tal alcance acadêmico. Para Boas, a Antropologia deve ser entendida com uma "abordagem de quatro campos" que a dividem em Linguística, Antropologia Física, Arqueologia e Antropologia Cultural. Como a Teologia não consegue fugir desses quatro campos para se justificar como ciência, não resta muito a dizer, senão que toda Teologia é uma Antropologia.

Agora, se admitirmos que o que buscamos analisar não é a logia do Theós, mas os discursos e práticas de grupos sociais em relação às suas divindades (tudo sendo muito bem analisado pelas quatro abordagens da Antropologia), aí sim, estaremos num caminho que se poderá chamar de científico. E, após isso, se nos perguntarem se falar em Teologia não seria um erro semântico, diremos, na boa: "Isso é só um nick; é só um fake, afinal, estamos na era do facebook!".

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terça-feira, 13 de novembro de 2012

"Da judicialização e da privatização da política"

A ação penal 470, conhecida popularmente como "mensalão", tramitando atualmente no Supremo Tribunal Federal, tornou-se a mais descarada tentativa de judicialização e privatização da política no Brasil. Isso porque uma força descomunal daquela que é chamada de "o quarto poder", a mídia, influenciou drástica e nocivamente a opinião acerca do evento, chegando ao disparate de provocar um julgamento onde os réus já entrassem condenados, o que aconteceu em quase todos os casos - ou pelo menos nos casos que mais interessavam à grande mídia.

A manobra não é inédita, pois, num caso anterior, o que versava sobre a obrigatoriedade de diploma para se exercer a profissão de jornalista, já tinha acontecido, saindo a grande mídia vitoriosa, uma vez que conseguiu proteger seus interesses, mantendo em seus quadros pessoas sem formação, mas que "era importante que estivessem em seus postos". Já no caso atual, para que conseguisse atingir seu novo objetivo, condenar os indivíduos que para o "quarto poder" já entraram condenados, foi preciso uma série de manobras jurídicas e até atos inconstitucionais, visto que o uso praticamente inédito do "domínio do fato" fez com que pessoas fossem condenadas, ainda que nenhuma prova pudesse ser computada em sua conta.

Por intermédio deste construto jurídico, o "domínio do fato", todo líder passa a ser automaticamente responsabilizado pelos atos de seus comandados, uma vez que, como foi dito durante o julgamento aqui analisado, "é impossível que não se tivesse noção do que estava acontecendo". Assim, a possibilidade de realmente não estar por dentro de atividades criminosas foi de todo descartada, numa manobra que viola o direito de se ser considerado inocente, até que se prove o contrário. Sim, até que se prove, sendo que tal prova precisa ter um peso bastante considerável, já que - no caso em questão - apenas testemunhos de adversários políticos não poderiam ter a força que tiveram, visto que testemunhos de cunho contrário também existiram, só que não levados em consideração. 

Antes que pensem o contrário, é importante ressaltar que este texto não é uma defesa do ex-ministro José Dirceu e nem do ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genuíno, até porque podem mesmo ser culpados. O foco deste escrito, por outro lado, está na extrema facilidade com que a mídia de massa envolveu a corte mais alta do país, no intuito de mostrar sua força e instaurar aquilo que Marx já preconizava em seus escritos: "quem detém a força econômica, construirá a opinião e manipulará as ideias e ideais, fazendo-os parecer universais, naturais a todos".

Em um país como o Brasil, que ainda engatinha enquanto vivenciador daquilo que se entende como uma nação democrática, é curioso perceber como a divisão de poderes - apregoada como fundamental pelo filósofo da política Montesquieu, já que só assim se poderia encontrar o equilíbrio democrático desejado - pode ser também um instrumento de total desequilíbrio e fomentador do oposto daquilo que se diz buscar. 

Retirando a força dos movimentos sociais populares na fomentação de políticas públicas de interesse de todos, sobretudo dos que mais precisam, o peso dado ao STF faz preocupar, pois, se tal casa se encontra, como já se pode ver, tão vulnerável à influência da mídia e das classes mais privilegiadas do país, de pouco ou nada adianta falar-se em democracia, uma vez que a política se encontrará judicializada - tendo o judiciário, não eleito pelo povo, a palavra final sobre as questões de interesse nacional - e privatizada - pela grande mídia e elite econômica do país -, o que acaba nocivamente submetendo a lógica pública à lógica privada.

Assim, antes que as "macacas de auditório" gritem "Joaquim Barbosa 2014", é preciso que algumas perguntas sejam respondidas pelo novo "paladino da ética brasileira": Por que o mensalão de Marcos Valério começa em Minas Gerais, com o ex-governador, do PSDB, Eduardo Azeredo, mas não começa a ser julgado assim? Por que o "ministro justo" topou desmembrar o julgamento do chamado "mensalão do PSDB", mas se recusou a fazer o mesmo com o chamado "mensalão do PT"? Por que os membros do "mensalão do PSDB" serão julgados em instâncias estaduais - exceto o líder, Azeredo - e os do "mensalão do PT" tiveram de ser julgados em nível federal? Que forças foram responsáveis por conseguir agilmente encaixar o "julgamento histórico" antes e durante um importante pleito eleitoral? Onde está o senso de justiça do ministro relator quando se trata de pessoas como o banqueiro Daniel Dantas, solto pelo próprio STF, mesmo que comprovadamente - e aí existiram provas cabais! - em crime contra o sistema financeiro nacional? Bem, como o ministro - grande curtidor dos seus 15 (já longos) minutos de fama - não se dará ao luxo de responder a este desconhecido questionador, em 2014 eu vou votar, de novo, com a força do povo!

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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

"Vaga para consultor de religiosidades na Globo"

A Rede Globo é uma empresa imensa e conta, só para a condução de sua tevê, com profissionais das mais variadas áreas do conhecimento, haja vista a necessidade de dar conta de um universo que demanda muita informação e formação. Por conta disso, psicólogos, assistentes sociais, médicos, enfermeiros, historiadores, pedagogos e muitos outros profissionais estão entre os funcionários responsáveis por programações como as novelas, por exemplo, embora, para muitos, tal produto só necessite de atores, diretores e técnicos.

Se existem profissionais que poucos imaginávamos estar envolvidos com programas como os que invadem nossas casas todos os dias, e em até 4 horários, um profissional parece ter sido esquecido pela Vênus Platinada: o consultor de religiosidades, sobretudo se for religiosidade evangélica. Quem assiste à novela Avenida Brasil pode confirmar isso, pois, ao tratar do universo evangélico, a emissora líder de audiência se mostra ou ingênua ao extremo, ou maldosa até não poder mais.

Digo isso porque todas as vezes em que a Globo se dispõe a falar de evangélicos e mundo evangélico ela cai num reducionismo que beira à burrice. Os motivos, como é sabido, vêm de longe, tendo em vista a necessidade de combater arduamente a Rede Record, visto que tem nela o seu maior inimigo, o bispo Edir Macedo, fundador da IURD - Igreja Universal do Reino de Deus. O grande problema disso, como não seria difícil de prever, é que todo evangélico acaba por ser sinônimo de neopentecostal e seguidor de Macedo, o que não é nem de longe verdade. Para além dessa infelicidade, e talvez por conta disso mesmo, os evangélicos são sempre tratados com zombaria e de forma preconceituosa e mentirosa, uma vez que sempre aparecem como manipulados ou manipuladores e nunca em posição de destaque social, exceto se for por terem "roubado do povão".

Na versão mais recente da infelicidade global, a atriz Paula Burlamaqui interpreta uma evangélica que parece ser uma legítima pentecostal. A vestimenta mais comportada e o vocabulário que busca sempre chamar os outros de "abençoados" e de proferir sempre um "em nome de Jesus" confirmam minha hipótese de que se trata de uma "legítima pentecostal", uma assembleiana mesmo, já que poderia até se tratar de uma menção à maior denominação evangélica do país.

Acontece, no entanto, que evangélico para a Globo ou é ladrão ou é um maníaco sexual travestido de santo, haja vista a teimosa necessidade que aquela emissora tem de mostrar evangélicas que são "vadias travestidas" ou pastores que não passam de manipuladores da ingenuidade popular. Deste modo, a "evangélica da vez" nada mais é do que uma infeliz, que, tendo largado uma vida de esbórnia, tenta se reaproximar do filho e do ex-marido, mas que, no fundo, não aguenta nem o tocar de uma pequena parte de músicas de sua época de "mundão".

A cena do casamento da infeliz evangélica foi o que fez com que eu tivesse "pena da Globo", abrindo "em nome dela", uma vaga para consultor de religiosidades em seu imenso rol de profissionais. Para começar, a evangélica chamava o condutor do seu casamento de "sacerdote", o que não acontece no mundo evangélico em qualquer de suas denominações; o sujeito é chamado de pastor, de bispo e até de apóstolo, mas de sacerdote, não. O rito matrimonial apresentado também não tinha nada de evangélico, pois mais parecia um ritual panteísta, onde o ser sagrado está atrelado aos elementos da natureza, sendo chamado de "senhor das águas", "deus do sol", etc. Isso, como deveria ser conhecido da Globo, não acontece no mundo que eles pensam estar retratando. Para concluir o show de horrores "evangélico", a novela apresentou a bebida da festa; como não poderia haver "bebida forte" em casamento de crente, o líquido oferecido era o chá de erva cidreira! Para a emissora, portanto, não há refrigerantes ou sucos; evangélico não tem festa com bebida boa, o que mostra a estupidez de um casamento que serve chá de cidreira aos convidados. Para completar a série de imbecilidades, a noiva evangélica, ao ouvir uma música "do mundão", recebe um santo e fica fora de si, tirando a roupa e mostrando o que as evangélicas são para a Globo: prostitutas travestidas de santas.

À luz de tudo o que foi mostrando, então, fica aberta a vaga para consultor de religiosidades na Rede Globo de televisão. Não sei o quanto pagariam para tal profissional, mas sei que o salário seria bem melhor do que ganha um pobre professor como eu. Assim, senhores da Globo, se estiverem dispostos a beirar os 10 mil reais mensais - o que é mole para vocês -, não hesitem em ter em mim o primeiro candidato ao cargo!

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terça-feira, 11 de setembro de 2012

"Por que Régis Danese e Thalles Roberto?"

Eles são considerados dois fenômenos da música gospel dos últimos anos e, embora o mundo gospel seja repleto de nomes de maior envergadura, como é o caso da conhecidíssima Aline Barros, Régis Danese e Thalles Roberto ganharam a cena, mexendo nas estruturas antes inalteradas pela presença dos outros que os precederam. Mas isso não se deu apenas como sendo mais um simples "golpe de mídia", já que a mídia sempre prefere investir em rostos mais "privilegiados", coisa que, segundo o próprio Thalles, ele não tem.

O que então explicaria a força que Danese ganhou, cantando "entra na minha casa, entra na minha vida, mexe com minha estrutura, sara todas as feridas", chegando a tocar em praticamente todas as emissoras de rádio e a ser convidado a participar de dezenas de programas de tevê? E o que explicaria a ascensão de Thalles,  que, cantando "de braços abertos quero te receber, filho eu estava esperando você", chegou à condição de maior vendedor de dvd´s e cd´s no país, superando quaisquer outros artistas solo e bandas? 

Do ponto de vista sociológico, a explicação vem do fato de ambos os cantores preencherem de forma singular a uma específica demanda. Como é sabido, os dois falam diretamente a um segmento composto por dois tipos bem particulares e que estão em franca expansão no mundo evangélico: os afastados e os desigrejados. Os afastados abandonaram de vez o barco e os desigrejados, desiludidos com o sistema de poder no mundo evangélico, continuam mantendo a fé, embora sem se sentirem pertencentes e sem uma frequência regular a uma específica comunidade cristã, algo que foi recebido com louvor por vários segmentos da grande mídia, já que lhes pareceu uma "libertação da alienação religiosa evangélica", além de os desigrejados formarem um segmento com uma visão crítica que lhes catapultou à respeitável condição de formadores de opinião, possibilitando-lhes mais voz e vez. 

Mas é claro que, dados os números das vendagens, os dois cantores ultrapassaram as delimitadoras fronteiras da música gospel. Tanto que Danese foi gravado por vários outros cantores e Thalles chegou a ter o seu maior hit cantado pela muito conhecida Ivete Sangalo! Ainda assim, a força de tais cantores está dentro de um segmento bem específico e que ainda prefere comprar cd´s a fazer cópias que possam lhes gerar um "peso de pecado" na consciência. Por conta de tal fidelização, então, as gravadoras - praticamente quebradas com o advento da internet - fizeram de tudo para que os seus super-astros gospel chegassem aos ouvidos da população como um todo. Deste modo, abriram-lhes as portas para as emissoras que, até então, de interesse em música gospel tinham quase nada. Raul Gil que o diga.

É importante também lembrar que, apesar de parecerem ser apenas mais um golpe de mídia, Thalles e Régis preencheram uma lacuna nas mentes do povo como um todo - e não apenas os evangélicos - já que, mostrando que saído da caverna o indivíduo fica perdido, visto que a realidade se mostra de fato "real"; mais violenta, assustadora e cruel do que as sombras no fundo da caverna, as letras dos cantores propõem uma volta aos 'braços do Pai", apresentando a tese de que o indivíduo está fadado a não ser livre, já que precisará sempre do padre, do pastor ou do analista. Sem um deles, a pessoa não vive bem, uma vez que precisa de um senso moral socialmente corroborado para se sentir "certo" e no "lugar certo", que é "o centro da vontade de Deus".

Até quando se manterá tal sucesso do mundo da música gospel não sabemos. Todavia, em termos "morais", será interessante notar a mudança das categorias afastado e desigrejado para evangélico não-praticante. Quando isso acontecer, qualquer gravadora estará quebrada, pois, como afirmou Dostoiévski, tudo será permitido, já que "Deus" não mais existirá.

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terça-feira, 21 de agosto de 2012

"Se deu na Veja, fique um pouco mais esperto"

No início da minha juventude, dentre as muitas atividades que exerci para a sobrevivência estava a de vender assinaturas de revistas da Editora Abril. Em tal empreitada, o melhor que eu podia conseguir em termos financeiros era vender a assinatura da revista Veja, já que, sendo semanal, me rendia uma comissão muito maior do que as outras publicações mensais daquela editora. O grande problema é que eu vendia um produto do qual eu mesmo falava mal. Sim, eu vendia Veja, mas, ao mesmo tempo, a chamava de "instrumento de uma imprensa marrom; uma imprensa suja e mentirosa". 

Para quem acha que eu vendia mal, já que todo vendedor tem de defender e acreditar piamente no produto que oferece, tenho de informar que eu era um dos melhores vendedores da Abril, chegando a ganhar quase mil reais por semana com a venda de assinaturas! O fenômeno se dava porque eu, ao oferecer o material, dizia ao cliente que era bom ler a Veja, já que, se ela se mostrava como uma publicação extremamente alienadora, era preciso ler seus conteúdos, já que só assim se poderia criticar e fugir à alienação de uma mídia deveras manipuladora. Meus superiores, é claro, nunca souberam de tal argumento e eu sempre fui demasiadamente elogiado pelo número de vendas e pelos lucros que gerei à Abril e à minha casa.

Lembrei-me dos meus argumentos de outrora ao passar pelas bancas no início deste mês, agosto. Na capa da Veja, um confronto novelístico envolvendo duas excelentes atrizes, Débora Falabella e Adriana Esteves, mostrava o quanto eu estava certo, mesmo com apenas 18 anos de idade, quando a gente quase sempre está errado. A manchete dizia que se tratava de "uma vingança com 190 milhões de cúmplices". Sim, pelas letras daquela revista, todo o país estava ligado a uma única emissora e sua bem arquitetada trama dramatúrgica das 9 da noite. Isso, óbvio, não condiz com a realidade, já que existem milhões de aparelhos que não estão sintonizados no mesmo canal, o que faz, portanto, com que cheguemos a mais uma possibilidade de atentarmos para aquilo que se quer chamar de opinião pública.

Atentando para as contribuições de Karl Marx (A ideologia alemã) e de Patrick Champagne (Formar opinião), chegaremos a uma boa maneira de entendermos as intenções da Rede Globo e da Editora Abril. Parceiras e mestres no dom de manipular, tais aparelhos de mídia nada mais fazem do que tentar instituir a opinião da classe dominante como opinião inconteste e dominante, como defendia Marx, bem como intentam transformar em opinião pública aquilo que na verdade não passa de opinião publicada, como bem defendia Champagne.

A grande jogada, no entanto, é que agora a ideia dominante se traveste de opinião popular, uma vez que, com um linguajar muitíssimo próximo ao do "povão", novelas como a que serviu de capa para a Veja aparecem cada vez mais como "aquilo que o povo quer ver" ou "aquilo que todo mundo vê", fazendo voltar a valer o reducionismo de Thales de Mileto, de uma Grécia que ainda não conhecia a palavra crise.

Ao contrário de um processo de distinção social, onde, segundo Pierre Bourdieu, a classe dominante faz de tudo para se distanciar dos estratos mais inferiores, o novo modelo de manipulação usa de uma sagacidade ímpar e nunca dantes vista, tentando indicar que "todo mundo é povão" e que "o povão está na moda". A falácia só cai por terra quando do momento de usufruto dos bens de um país que está entre os oito mais ricos do mundo, pois, neste momento, falando de educação, saúde, segurança e vivência sem corrupção, a distinção aparece de forma singular, dizendo aos pleiteadores de direitos: "vai ver novela, vai!".

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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

"Por que o Darcy Ribeiro não pode ser salvo?"

A soteriologia é a chamada doutrina da salvação; mais uma daquelas partes espinhosas da Teologia Sistemática. Espinhosa porque coloca na pauta de reflexões e debates um tema que, de tão controvertido, quase sempre acaba por ser entendido apenas se for na base do dogma: é assim porque é assim e pronto. Todavia (e, para alegria minha, sempre existe um todavia!), não são todos os que recebem um dogma religioso sem crítica, por mais simplificada que esta seja.  

Pensei no tema da salvação humana ao relembrar uma entrevista do genial antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro. Tomado por um câncer que teimou até que conseguiu nos tirar mais um privilegiado cérebro, Darcy deu uma entrevista ao jornalista Roberto D´Ávila, onde, além de falar do que mais entendia, Antropologia e formação do povo brasileiro, falou de religião. Falou da religião dos índios, da religião alheia, da religiosidade de sua própria mãe, que para ele era admirável, e, enfim, da sua própria.

Confesso que poucas vezes na vida eu senti tanta compaixão por alguém em relação às questões que tangenciam a espiritualidade, haja vista a declaração de Darcy Ribeiro de que gostaria muito de ter fé, mas que não conseguia ter. Na minha cabeça juvenil, aquilo não fazia o menor sentido; como é que alguém pede, clama, deseja intensamente ter fé e não consegue? Não consegue ou não pode? Eis a questão.
Segundo a doutrina católico-romana, seguida de perto por grande parte dos evangélicos, a fé é uma questão teologal, isto é, é uma espécie de "imposição" de cima para baixo, do Soberano D´us para os humanos.

Não depende, pois, de alguém querer tê-la, mas de o Soberano decidir derramar tal dom sobre um indivíduo. Isto, obviamente, nos remete ao corpus doutrinário calvinista, para o qual a decisão sobre a salvação humana - que segundo o texto bíblico só pode acontecer por meio da fé na obra de D´us, intermediada por Jesus Cristo - não cabe em nenhum aspecto ou momento ao ser humano. D´us decide e está consumado. Ponto.

Ponto? Aceitando o dogma pelo dogma, ponto. Sem aceitá-lo assim, reticências. Reticências porque o texto bíblico por várias vezes coloca o foco na participação humana no processo de salvação. Segundo a maioria dos textos que abordam a temática, é necessário que o ser humano diga "sim" à proposta divina. Não ser salvo é dizer "não" à tal proposta de D´us em Cristo. 

Muitos, apressadamente, vão afirmar que a carta de Paulo aos efésios justifica o caráter teologal da fé, mostrando que o texto é claro quando diz que "pela graça sois salvos, mediante a fé, e isso não vem de vós, é dom de D´us, não de obras para que ninguém se glorie". Sim, é difícil confrontar tal passagem do capítulo 2 de Efésios. Todavia (outro todavia!), é preciso pensar a respeito de qual dom se está tratando no texto em questão, visto que temos ali graça e . Seria loucura ler "vocês são salvos, para ninguém se gloriar de si mesmo, pela graça, que é um dom de D´us, e isso é mediante a fé de vocês"? 

Alguns poderão argumentar que minha tradução é forçada e que o dom oferecido é mesmo a fé. No entanto, abre-se espaço para outra problematização da questão, já que, se a fé é mesmo um dom teologal, não importando se a pessoa quer ou não, visto ser dada aleatoriamente pelo Soberano, que culpa tem de não crer aqueles aos quais foi negada a possibilidade de crer? Quero crer, mas, como D´us não deixa, como Ele não me permite, como me nega isso...

Antes da minha exclusão definitiva, gostaria de dizer que esta é apenas mais uma reflexão de um professor de Teologia Sistemática. Não é para ser levada tão a sério. Ou deveria ser?

liberdade, beleza e Graça...